O vandalismo contra a estátua de Winston Churchill é uma demonstração de
que as democracias estão se curvando à mentira. Artigo de J. R. Guzzo,
publicada na edição de 12 de junho da revista Oeste:
O que chama atenção nos atos de vandalismo contra a estátua de bronze
de Winston Churchill que enfeita há quase 70 anos a Praça do
Parlamento, no coração de Londres, não é o ataque em si. Qual seria o
problema? Coisas assim fazem parte, hoje em dia, do repertório normal da
militância antirracista, em favor da democracia e contra o fascismo que
roda pelas ruas do mundo em manifestações em que a regra é a violência,
a destruição e a agressão regular à polícia. Tudo bem: quem está
interessado em fazer política desse jeito vai continuar fazendo. O
perturbador, nisso tudo, é a naturalidade cada vez maior com que os
condutores da sociedade, na classe política e nas centrais produtoras de
pensamento, aceitam o extremismo como um elemento legítimo do debate e
da ação pública de hoje. Um novo mundo está sendo criado a cada dia, e
chocar-se com gestos de selvageria como esse tornou-se, positivamente,
fora de moda.
É possível, no fim das contas, que a estátua de Churchill receba um
trato dos técnicos do departamento de conservação de monumentos de
Londres e continue onde está. Mas não será realmente uma surpresa se a
imagem do herói número 1 da última Grande Guerra, que comandou mais do
que qualquer outro líder mundial a luta contra o fascismo e a tirania,
acabar sendo expulsa da Praça do Parlamento e banida para algum armazém
da periferia — com o apoio da prefeitura de Londres, do Partido
Trabalhista e, quem sabe, da família real britânica. O prefeito Sadiq
Khan — pois é, o atual prefeito de Londres se chama Sadiq Khan — disse
que a intenção das autoridades municipais é dar espaço “às conquistas e à
diversidade de todos” e “questionar quais legados do passado devem ser
comemorados”. Mau sinal para Churchill.
O problema do maior chefe de governo que a Grã-Bretanha jamais teve
em sua história é ter sido, em sua época, um defensor do Império
Britânico — e, em consequência, a favor do colonialismo, o que significa
automaticamente a favor do racismo e da superioridade do homem branco.
Tanto faz que o Império era algo perfeitamente legal e que fazia parte
das obrigações de um primeiro-ministro defender sua manutenção. A lei
dos movimentos democráticos, antirracistas e antifascistas tem efeitos
retroativos — se você pecou antes de aparecerem o Antifa, o Me Too e o
Psol, e mesmo que não soubesse que estava pecando, você é culpado. Pode
ser Churchill ou Cecil Rhodes, uma espécie de bandeirante da Inglaterra
na África do século 19 cuja estátua também caiu na lista negra; exige-se
sua retirada da Universidade de Oxford, esse templo sagrado da
liberdade de pensamento e do respeito ao conhecimento. Pode ser o
general Robert Lee, herói do Sul na Guerra de Secessão americana, hoje
banido das praças públicas. Pode ser o rei Leopoldo II da Bélgica, que
reinou durante mais de 70 anos: acabam de tirar a estátua do homem em
Antuérpia, pelo crime de ter criado o Congo Belga. Pode ser Cristóvão
Colombo, por que não? Junto com o ataque a Churchill, uma estátua de
Colombo em Richmond, nos Estados Unidos, foi destruída e jogada no rio
que corta a cidade. Outra acaba de ser removida do Grand Park, em Los
Angeles.
Colombo, já há tempo, deixou de ser o Descobridor da América — hoje,
no mundo do antifascismo, é um criminoso que provocou o “genocídio dos
povos indígenas” do continente. O ponto culminante de sua desgraça foi a
remoção, alguns anos atrás, da série de painéis do século 19 que ornava
a entrada da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, com cenas
de suas viagens à América. Foi um choque, na ocasião: como uma
universidade poderia aceitar a supressão do registro artístico de fatos
que fazem parte da História da humanidade? Hoje ninguém ligaria a mínima
— ao contrário, é uma surpresa que ainda continue de pé nos Estados
Unidos algum monumento em homenagem ao Descobridor, ou alguma avenida
com seu nome. O Dia da Descoberta da América, agora, é o “Dia dos Povos
Indígenas”.
As democracias que pretendem ser exemplos de sabedoria política para o
resto do mundo estão trazendo para o seu dia a dia, muito simplesmente,
o que sempre denunciaram como um dos piores crimes da tirania comunista
na antiga União Soviética: a eliminação, pela força do governo, do
registro de fatos da História que desagradavam aos ocupantes do poder.
Leon Trotsky, num caso clássico, foi removido à mão de todas as
fotografias em que aparecia, depois de ter caído em desgraça e antes de
ter sido assassinado no exílio; não podendo eliminar sua existência,
eliminaram sua imagem. Nada disso, como se pretende nas classes
intelectuais e em governos pusilânimes, em que homens e mulheres vivem
no pânico de parecerem politicamente “incorretos”, é “rever a História”,
“reavaliar eventos” ou trazer com honestidade ao debate abordagens
diferentes e legítimas dos fatos que ocorreram no passado. É apenas
violência, censura e proibição de qualquer pensamento diferente daquele
que os grupos “antifascistas, democráticos e antirracistas” querem impor
a todos. Não é ter uma visão crítica de Churchill, do rei Leopoldo ou
de Cristóvão Colombo. É proibir que sejam vistos fisicamente. É apagar a
História — e curvar-se à mentira.
No Brasil fala-se, de tempos em tempos, de remover estátuas como a de
Borba Gato, na entrada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo. Como
todos os seus colegas bandeirantes, Borba Gato é regularmente acusado de
ser um facínora vulgar — assassino, ladrão, escravizador de índios.
(Sua estátua, possivelmente, é uma das esculturas mais feias que a arte
humana já produziu. Mas ele, pessoalmente, não tem nada a ver com isso: a
responsabilidade é do escultor.) A questão é que tudo isso aí é um saco
sem fundo. Pelo mesmo critério, deveria ser eliminado da paisagem nada
menos do que o principal conjunto da estatuária de São Paulo, hoje um
símbolo da própria cidade — o Monumento às Bandeiras, o complexo de
esculturas de granito de Victor Brecheret, com 11 metros de altura e 240
blocos diferentes, que comemora a conquista do interior do Brasil pelos
bandeirantes paulistas. Todas as figuras, ali, estão saindo de São
Paulo para cometer crimes pelo país afora — como comemorar uma coisa
dessas, se não se tolera um mero Borba Gato? Pelo mesmo critério, teriam
de ser removidas as estátuas de Fernão Dias, de Raposo Tavares ou do
Anhanguera, e trocados os nomes de três das principais autoestradas que
saem de São Paulo. No caso do Anhanguera, o “Diabo Velho” dos índios,
também seria preciso tomar providências em Goiás — onde, como em São
Paulo, ele tem status de herói. Ou melhor: tinha.
De Winston Churchill a Borba Gato, passando por Cristóvão Colombo — é
como funciona o mundo de hoje. Nele já ficou proibido, até mesmo, ver
…E o Vento Levou, que estava por aí há exatos 80 anos. A HBO Max,
apavorada com a possibilidade de desagradar aos antifas da vida, acaba
de proibir a exibição do filme por seu conteúdo “racista”. Ninguém tinha
lhe pedido nada; empresas realmente conectadas com o século 21, nos
dias que correm, sabem se antecipar às exigências da sociedade. Coragem
não é enfrentar com risco de vida, como Churchill, a Alemanha nazista e
invencível. É censurar …E o Vento Levou.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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