Por meio de sua estatal nuclear, a Rosatom, Putin busca expandir sua influência na Bolívia, Argentina, Paraguai e mais recentemente no Brasil. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Moscou
está a 11.171 quilômetros de Brasília. A distância geográfica gera a
ilusão de que os planos de Vladimir Putin se restringem ao expansionismo
nas bordas de seu país. Há quem diga que o conflito, além de distante
geograficamente, é também politicamente. Nem o Brasil, nem a América
Latina têm a ganhar preocupando-se ou posicionando-se em relação aos
planos de Putin, que nesta semana invadiu a Ucrânia. Quem dera o mundo
fosse compartimentado assim.
Moscou
está mais perto do que parece. Um fato inegável é que as ondas de
choque da invasão da Ucrânia que atingirão o Brasil terão impacto no
preço dos combustíveis, alimentos e no possível rompimento da promessa
de enviar mais fertilizantes para Brasil – razão pela qual, contrariando
a razão, Jair Bolsonaro foi à Rússia no pior momento possível para se
encontrar com Putin em retribuição à promessa russa de ampliar a oferta
do insumo.
É
incompreensível a relutância em assumir ou pelo menos se esforçar para
entender que Moscou não está lá longe e que o movimento das peças no
tabuleiro da geopolítica não seguem regras de fronteiras e não se medem
por meio de hodômetros ou medidores de Hobbs. Putin está jogando na
América Latina e no Brasil há tempos. Cada vez que ele avança algumas
casas em seu terreno, há reflexos em seus movimentos na nossa região.
O
exemplo mais reluzente é seu papel da Rússia na Venezuela. O regime de
Nicolás Maduro só se mantém de pé pela combinação da economia do ilícito
– que nutre as máfias e enche os bolsos de políticos e militares – e
pela ação direta e decisiva de potências extrarregionais que dão apoio
diplomático, oferecem canais para evasões de sanções e proporcionam a
cobertura necessária para as operações do Estado, sejam elas formais ou
não. Além da China, Irã e Turquia, a Rússia é um dos parceiros que
permitem ao regime venezuelano sobreviver.
Enquanto
Putin coloca suas tropas para marchar sobre a Ucrânia, seus militares
operam radares de espionagem na Venezuela, próximo à fronteira com a
Colômbia. Segundo o Ministério da Defesa da Colômbia, são pelo menos cinco equipamentos interceptando comunicações.
Nem
Chávez, nem Maduro jamais fizeram questão de esconder a presença
militar russa em seu país. Sempre que pode, o ditador atual faz um
discurso ou posta no Twitter que chegaram militares russos ao seu país.
Na última década, a Venezuela recebeu por três vezes a visita de
bombardeiros Tupolev, capazes de transportar armas nucleares. Não se
sabe se estavam armados. Caso sim, teria sido o retorno desse tipo de
armamento no continente desde a crise dos mísseis em 1962, quando a
então URSS instalou um arsenal nuclear em Cuba.
Em
2019, quando Maduro esteve em seu momento mais crítico, Putin
desembarcou em Caracas nada menos que cem militares uniformizados que
desfilaram para as câmeras do regime. Foram enviados para “dar uma mão”.
Dar assistência técnica na manutenção do arsenal russo – que é a base
do material de defesa da Venezuela – e para orientar as Forças Armadas
Bolivarianas. E pelos relatos de gente que sabe muito do que acontece
nas entranhas do regime, essa “ajuda” segue até hoje.
A
Venezuela tem o maior arsenal russo na América Latina. A história de
aquisição das armas russas pelo regime chavista tem uma relevância extra
para entender a quebradeira da Venezuela. Em 2006, depois de ser
impedido de comprar armas americanas, devido a uma proibição imposta
pelo Congresso dos Estados Unidos, Hugo Chávez não pestanejou. Correu
para os braços de Putin. A lista de
armas e equipamentos é longa. Os venezuelanos compraram 100 mil fuzis
de assalto, 38 helicópteros multiuso Mi-17, três helicópteros de
transporte M1-26, dez helicópteros de combate Mi-35 e 24 caças Sukhoi
Su-30MK2.
Apesar
de naquele momento a Venezuela estar nadando nas receitas do petróleo,
Chávez fez as compras, que totalizam US$ 6 bilhões, no crediário. Quando
a economia da Venezuela se esfacelou, ficaram as dívidas. O Brasil
conhece bem essa história, pelo calote que eles deram no BNDES. No caso
das armas russas, foi bem diferente. Dependentes de Putin para
sobreviver como regime, os chavistas entregaram parte importante de sua
produção e reservas de petróleo para a Rússia, como parte do pagamento.
Além
de ganhar uma bela fortuna com a operação, os russos usam o fluxo
petroleiro para ajudar Maduro a evadir das sanções que lhe são impostas e
empurram petróleo venezuelano nas transações internacionais. Há relatos
de que é cobrada uma comissão que pode superar 20% do valor das
operações.
Não
faz muito tempo, quando a invasão da Ucrânia ainda era uma
possibilidade e o Ocidente pensava que a retórica conteria os russos,
Putin mandou um recado para os Estados Unidos. Disse que se a Otan não
parasse de avançar sua influência junto aos países que fazem fronteira
com a Rússia, ele poderia enviar forças para a Venezuela e Cuba. A Casa
Branca tratou o caso como bravata. Mas Putin parece não ser um
bravateiro.
Além
de ser sócio na Venezuela de Maduro, o presidente russo fincou “bases”
na Nicarágua, onde mantém tropas que “auxiliam” os carniceiros de Daniel
Ortega com o treinamento de “combate ao narcotráfico”. Por meio de sua
estatal nuclear, a Rosatom, Putin busca expandir sua influência na
Bolívia, Argentina, Paraguai e mais recentemente no Brasil.
No
final do ano passado, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi à
Rússia negociar o aumento do envio de fertilizantes para o Brasil. A
viagem do presidente Bolsonaro a Moscou foi uma espécie de gesto de
cortesia brasileira com o parceiro que estendeu a mão em um momento
crítico. Mas Putin não nos ajuda por amor. A depender da evolução da crise, sequer é possível esperar o cumprimento das promessas.
Muita
gente não entende ou não quer entender. Suspeito que Bolsonaro não
condenou a Rússia porque não pode, ou talvez ache que não é conveniente.
O Brasil depende de Putin.
Como se vê, a Rússia não é tão distante assim.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário