Supostamente, os EUA estão em declínio e a civilização ocidental, em ruínas. Será mesmo? Kaíke Nanne para a revista Oeste:
É
desolador o panorama que se apresenta quando o objeto da análise é a
civilização ocidental. Vladimir Putin não teria tentado ressuscitar a
Grande Mãe Rússia e iniciado sua estripulia militar sanguinária na
Ucrânia se o Ocidente tivesse líderes fortes. A ordem liberal que
preconiza o Estado de Direito, a garantia da propriedade privada e as
liberdades individuais está em declínio, e o mundo está ficando menos
democrático — de acordo com a Edição 2021 do Global Democracy Index, da
revista britânica The Economist, apenas 6,4% da população mundial vive
em democracias plenas; é o pior resultado desde o início do
levantamento, em 2006. Tem mais. Xi Jinping já declarou que o plano do
Partido Comunista Chinês é estabelecer “um novo modelo de governança
global”, seu país investe pesadamente na Nova Rota da Seda, um ambicioso
projeto de infraestrutura que implementará um conjunto de novos
itinerários comerciais por terra e mar, e a economia chinesa deve
ultrapassar a norte-americana em 2033.
A
propalada débâcle ocidental não se expressa apenas na política e na
economia. Numerosos analistas dão conta de que a guerra cultural já está
perdida. Do TikTok ao Fórum de Davos, da Netflix aos comitês de ESG das
grandes corporações, das ONGs às big techs, é só chibata. O Oeste
entrou num piro dramático de autoflagelação para expiar os pecados
capitais denunciados pelos cavaleiros woke identitários, pela turma de
movimentos como Antifa e Black Lives Matter. Nas universidades e na
imprensa, a civilização ocidental é frequentemente apontada como
produtora de exploração impiedosa e desigualdade social, berço de
impérios colonialistas carniceiros, racista e criadora de estruturas que
subjugam as mulheres e as minorias.
Dado
o contexto, parece elementar presumir que o farol do Ocidente está com
os dias contados. O Império Americano vai ruir em breve. Os Estados
Unidos se tornarão apenas uma sombra do que já foram. E, com os Estados
Unidos definhando, todo o ideário ocidental fica à míngua, o Oeste vira
História, sem futuro.
Podemos encomendar o mausoléu, certo? Calma. Respire fundo. Conte até dez.
Em
primeiro lugar, convém considerar que são os jovens e os imigrantes que
têm potencial, energia e disposição ao risco para construir um futuro
próspero, com inovação, dinamismo e capacidade de atração de talentos.
Em 2050, China e Rússia terão uma redução de nada menos que 20% no
número de pessoas com capacidade produtiva, segundo projeções da ONU. Em
contraste, os Estados Unidos, de acordo com o mesmo estudo, verão sua
população em idade ativa crescer 12% — sem o fator imigração, o país
teria uma redução de 4,5% no número de indivíduos economicamente ativos.
Diz
o escritor indiano-norte-americano Fareed Zakaria, em artigo para o
jornal The Washington Post: “Imigração significa uma economia mais
robusta. Os Estados Unidos têm administrado a imigração melhor do que a
maioria dos outros países. Recebe pessoas de todos os lugares, elas são
assimiladas e integradas ao tecido da sociedade, e os novos imigrantes
sentem-se tão motivados quanto os velhos”.
Hoje,
cerca de 15,5% da população norte-americana é composta de imigrantes —
são mais de 50 milhões de pessoas. A China tem pouco mais de 1 milhão de
imigrantes, o equivalente a 0,07% da população. O passaporte azul
continua tendo um valor infinitamente superior ao do passaporte
vermelho. E isso se reflete no interesse pelo aprendizado do idioma. No
mundo, mais de 700 milhões de cidadãos têm inglês como segunda língua.
No caso do mandarim, são 180 milhões.
Além
dos dados relacionados à imigração, a conta do PIB per capita também
precisa ser considerada. Embora a economia chinesa, como um todo, vá
superar a norte-americana na próxima década, a geração de riqueza por
indivíduo continuará muito maior nos Estados Unidos: em 2050, vai
transpor a faixa dos US$ 80 mil por ano, ante pouco mais de US$ 20 mil
na China.
No
campo da disputa por corações e mentes, os US$ 10 bilhões que o Partido
Comunista Chinês gasta por ano na difusão da cultura do país não têm
sido suficientes. Aulas de kung fu para jovens africanos e conferências
sobre a sabedoria confucionista em universidades ocidentais geram
interesse, óbvio, mas não parecem ter o poder de mudar o tal do mindset.
Ou você imagina que em Buenos Aires ou Kampala, em Johannesburgo ou
Jacarta, a pré-estreia de um filme como A Batalha do Lago Changjin, a
mais bem-sucedida produção chinesa de 2021, atrairá um público maior que
o lançamento do novo Batman?
Um
grupo de analistas internacionais acredita que as aspirações chinesas
de dominação mundial podem estar sendo anabolizadas pela maior parte dos
observadores — sem má-fé, apenas pelo alarmismo atávico dos que atuam
no métier. Segundo essa interpretação contrária ao senso comum, a China
estaria mais interessada em assegurar sua ascendência estratégica no
leste da Ásia e ampliar seus negócios com todos os países,
independentemente do eixo de influência ao qual estejam associados, do
que em criar uma nova ordem planetária. O mencionado “novo modelo de
governança global” seria um alerta retórico para o Ocidente não criar
dificuldades e deixar o país expandir seu comércio sem travas, como
regulações ambientais impeditivas.
Fatos
e dados sobre a mesa, é bastante provável que os Estados Unidos sigam
como o farol do mundo, malgrado o eventual ocupante da Casa Branca, hoje
e no futuro — nesse sentido, a guerra na Ucrânia pode até fortalecer a
aliança ocidental liderada pelo país e trazer a China para perto. Para
uma certa classe média alta bem-pensante, que tem o luxo de discutir os
prognósticos distópicos para a civilização ocidental entre taças de
pinot noir, os Estados Unidos podem até estar caminhando para o
desfiladeiro. Mas, para quem quer produzir e gerar riqueza, viver em
liberdade e educar bem os filhos, a América é e será por muitos e muitos
anos o melhor lugar. Até porque, embora milhões de indivíduos se
submetam contingencialmente a regimes autoritários, a vocação para ser
livre está no DNA da nossa espécie.
Kaíke
Nanne é jornalista. Foi publisher nos grupos Abril, Time Warner e
HarperCollins. Atuou como repórter, editor e diretor em diversas
publicações, entre elas Veja, Época, Playboy, Claudia e Oeste
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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