Resistência de ucranianos e, num caso, até reconquista de ponto disputado são sinais de que a superioridade militar nem sempre se reflete na invasão. Vilma Gryzinski:
Vladimir
Putin, seu chanceler Serguei Lavrov e o porta-voz Dmitri Peskov
garantem que “tudo está indo conforme o planejado” na Ucrânia.
Basta
ter assistido um ou dois filmes de guerra, ou ter lido uma das tiradas
realistas de Dwight Eisenhower, o comandante supremo das forças aliadas
na II Guerra Mundial (“Nenhum plano sobrevive ao contato direto com o
inimigo”), para desconfiar de tanta insistência.
“Podemos
garantir que definitivamente nada está indo conforme o planejado”,
resumiu Pavel Luzin, analista militar russo que escreve para o site
Riddle – obviamente, fora da Rússia.
Alguns pequenos sinais, quase miraculosos, comprovaram nos últimos dias as palavras de Luzin.
O
mais impressionante deles: os ucranianos estão não apenas resistindo em
cidades como Mikolaiev e Mariupol, literalmente arrasada pelo
bombardeio inimigo, como conseguiram contra-atacar numa localidade do
cinturão de Kiev.
Cenas
de vídeo mostrando um soldado levando uma bandeira ucraniana enrolada
para ser hasteada na sede da polícia do local indicam que isso aconteceu
mesmo.
Se os ucranianos avançarem, podem cortar uma parte das forças russas da sua retaguarda.
Uma
contraofensiva em Kherson, a única cidade maior ocupada totalmente
pelos invasores, poderia explicar por que helicópteros russos
estacionados na área foram filmados sendo retirados por caminhões. Não
sobrou nenhum helicóptero no aeroporto de Kherson e a especulação é que
os aparelhos caríssimos estavam sendo poupados de ataques.
“Os
ucranianos não apenas estão se defendendo, como estão tentando
recuperar território que os russos tomaram nos últimos dias. É notável”,
disse o porta-voz do Pentágono.
Outro
sinal de planejamento fracassado: comunicações interceptadas em
Mikolaiev, segundo os americanos, indicam que até metade das tropas
russas na área sofreu congelamento nos dedos dos pés, produto da falta
de meias de inverno e de barracas para enfrentar o frio abaixo de zero
das primeiras semanas da invasão.
Para
piorar, as equipes médicas tinham bandagens apenas para tratar feridos,
não os congelados – um problema que imobiliza combatentes e pode levar a
amputações.
Outra
informação interceptada: um oficial disse que estava demorando até
cinco dias para a remoção dos corpos de soldados mortos, um grave
problema logístico que destrói o moral da tropa.
O
oficial reclama da falta de barracas, dizendo que seus homens tinham
cavado trincheiras para passar a noite. Ele se refere à visita de um
comandante no quarto dia da invasão. O comandante disse que a operação
seria resolvida “em questão de horas”.
A
blitzkrieg fulminante obviamente não aconteceu e especialistas em
assuntos militares agora discutem se os russos já atingiram o “ponto
culminante do ataque”, um conceito desenvolvido por Clausewitz, o
brilhante prussiano que teve a vantagem, teórica e prática, de passar a
carreira militar combatendo Napoleão, o maior estrategista de todos os
tempos.
Esse
ponto é o momento em que uma ofensiva não consegue avançar mais e as
forças atacantes precisam reverter para posições defensivas ou ser
reagrupadas.
Provavelmente
a ideia de que a invasão já culminou é mais uma expressão de desejo do
que realidade: os invasores continuam a ter 90% da força inicial.
Mas
é óbvio que o desempenho dos russos, com sua enorme superioridade em
homens, equipamentos e modernização das forças armadas (“Agora estão
descobrindo que ela pode ter sido convertida em iates ancorados em
Chipre”, segundo um comentário cínico sobre a histórica corrupção
russa), está sendo muito abaixo do esperado.
Um
dos maiores mistérios dessa guerra é como os russos ainda não
conseguiram o controle do espaço aéreo na Ucrânia. Ou seja, como não
utilizaram sua superioridade para eliminar as baterias antiaéreas e os
aviões de combate do inimigo.
Ao
todo, quando a guerra começou, a Rússia tinha 1 160 aeronaves de
combate (obviamente, apenas uma parcela muito menos está envolvida na
campanha) e a Ucrânia, 125, das quais 100 em condições operacionais.
Calcula-se que ainda tenha atualmente 55.
“Em
todos os combates com os russos, eles sempre têm cinco vezes mais”,
disse ao New York Times um piloto ucraniano identificado apenas como
Andriy.
Os
caças são os equipamentos mais preciosos de qualquer arsenal bélico e
exigem manutenção sofisticada e constante. Dave Deptula, um especialista
ouvido pelo Times, disse que, sem reposição, os ucranianos “vão ficar
sem aviões antes de ficar sem pilotos”.
“É
a sopa que faz o soldado”, disse Napoleão, que cuidava de todos os
detalhes logísticos e chegou a inventar uma carruagem-caldeirão, com
lenha na traseira, para fornecer sopa quente pelo menos aos oficiais na
frente de combate, um luxo.
A
sopa e as peças de reposição. Enquanto o fluxo de suprimentos continuar
a vir da Polônia, os ucranianos podem resistir. O maior de todos os
combustíveis – o ódio ao invasor – eles já têm.
O
que nos leva à próxima etapa da guerra: quanto tempo vai demorar para
os russos começarem a bombardear as linhas de abastecimento na metade
ocidental da Ucrânia? E como os Estados Unidos e os países vizinhos vão
reagir?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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