Mais de metade dos portugueses inquiridos acham as condições económicas “fracas” ou “muito fracas”. Praticamente dois terços acreditam que a economia vai piorar. E três quartos sentem-se felicíssimos. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
Um
estudo da Universidade Católica apurou que os portugueses estão
contentes. Dos 1001 sujeitos inquiridos, 80% declaram-se “felizes” ou
“muito felizes”, percentagem superior ao que sucedia em 2019. Ou seja,
após dois anos em que foram tratados abaixo de cão a pretexto de um
vírus respiratório, para não falar dos abusos governamentais que nem se
desculparam com o vírus, os cidadãos quase rebentam de alegria.
O
estudo não esclarece se a felicidade decorre desse tratamento
humilhante ou se existe apesar dele. Quer dizer, é possível que os
portugueses rejubilem por causa dos confinamentos, das limitações de
circulação, da imposição de cobrir o rosto, das zaragatoas, dos
certificados, das multas por comer sandes no carro, da proibição em
comprar água em take-away. Ou então o entusiasmo dos meus compatriotas
deve-se a outros motivos, que não devem ser os retumbantes sucessos do
Benfica e que o estudo não revela. O estudo revela que motivos
“materiais” não pesam em tão intensa satisfação. Mais de metade dos
inquiridos acham as condições económicas “fracas” ou “muito fracas”. E
praticamente dois terços acreditam que a economia ainda vai piorar. E
três quartos, repito, sentem-se felicíssimos. Tudo isto é altamente
misterioso e tudo isto lembra a velha graçola da hiena, que apenas
copula uma vez por ano, alimenta-se de fezes alheias e ri imenso. A
hiena ri de quê? E os portugueses?
Uma
primeira hipótese é a amostra seleccionada pela Católica ter resultado
de um erro grotesco e recaído em indivíduos com graves perturbações
mentais. Uma segunda hipótese é a amostragem ser correcta e o erro
encontrar-se na cabeça de inúmeros portugueses, incapazes de estabelecer
o nexo entre a supressão das liberdades e do dinheiro e uma vida
miserável sob quaisquer perspectivas. A ser assim, é tempo de actualizar
a canção: “A alegria da pobreza/está nessa grande riqueza/de calar,
obedecer, ver sumir o salário a meio do mês para pagar os impostos do
combustível, patrocinar vereadores sem pelouro da câmara de Lisboa/e
ficar contente”. Todos juntos, agora: “E se à porta, humildemente, bate
alguém/cumpra as regras da DGS/coloque o açaimo, mantenha o
distanciamento social e não abra”. E venha o refrão: “É uma casa
portuguesa, com certeza/é com certeza uma casa que para nosso azar não
se confunde com uma casa norueguesa, irlandesa ou sequer luxemburguesa”.
Cantigas
à parte, permanece o enigma acerca de uma gente que leva pancada e, de
seguida, apressa-se a agradecer aos carrascos. Receio que a tentativa de
uma teoria adequada implique o recuo, não de décadas ou séculos, mas de
milénios. E mexa com questões delicadas. Os argutos já adivinharam que é
o momento de falar do Chega. A recente consagração eleitoral do dr.
Ventura recuperou o tema da “raça”, que o partido imagina “pura”,
“branca” e “caucasiana”. Ridículo? Sem dúvida, e os justos correram a
recordar ao dr. Pacheco de Amorim, ele próprio difícil de confundir com
um islandês, as migrações ancestrais que determinaram o que vulgarmente
se convencionou designar por “povo português”.
Foi
portanto com a melhor das intenções que se ensinou aos senhores do
Chega a marca local de celtas, assírios, fenícios, assírios, árabes,
judeus, romanos, visigodos, negros e demais variedades disponíveis. O
que esse triunfalismo mestiço e ecuménico não especifica são os
atributos, ou falta deles, desses particulares celtas, assírios,
fenícios e etc. Dito de maneira diferente: não se defende o carácter
benigno das imigrações contemporâneas através da aceitação cega da
doçura, da inteligência e da lucidez dos imigrantes de outrora. Antes de
festejar a miscigenação de que somos feitos, convinha apurar a
qualidade, um a um, dos espécimes que a originaram. Numa época em que o
controlo fronteiriço era escasso, e o SEF da altura raramente
interrogava imigrantes até à morte, não havia maneira de conhecer as
criaturas que entravam pelo território adentro. A verdade é que podia
entrar quem calhava. E é legítimo começarmos a desconfiar que só nos
calhavam duques – embora não no sentido aristocrático do termo.
Pensem
comigo. Um suevo, por exemplo um suevo, instala-se no que é hoje o
Norte de Portugal, cerca de 410 d.C.. Não há tradição balnear. Não há
alojamentos locais. Não há receitas de bacalhau. Não há cerveja barata.
Não há certames patentes. Há pouquíssimas rotundas. Porque é que o suevo
apareceu aqui? Porque, provavelmente, não regulava bem. E a
probabilidade alarga-se aos demais fulanos que, ao longo de uma vasta
cronologia, literalmente montaram tenda no rectângulo que se tornaria um
país: não regulavam bem. Resta perceber se desembocaram por cá depois
de se perderem, ou se os seus conterrâneos vinham à fronteira despejar
os taralhoucos.
Garantido
é que, durante milhares de anos, os taralhoucos se reproduziram,
marinaram a taralhouquice e nos deixaram exactamente onde estamos em
2022: pobres como sempre e felizes como nunca, a celebrar um presente
sombrio e um futuro negro, mesmo que com “brancos” à mistura. O absurdo
português não se explica pela História, e sim pela psiquiatria.
Infelizmente, o manicómio funciona em auto-gestão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário