Há uma questão ausente nesse debate todo sobre linchamentos virtuais: a responsabilidade do comunicador em tempos de intolerância e flagrante estupidez. Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
Se
estou aqui o tempo todo defendendo a liberdade de expressão é porque a
vejo mesmo ameaçada por vários inimigos, cada qual com uma causa
“humanista” fazendo as vezes de tacape. Tem o Supremo Tribunal Federal e
sua questionável defesa da democracia, por exemplo. Tem os identitários
e sua busca por algo que os defina. Tem os comunistas de todos os
matizes sempre à espreita de uma oportunidade de fazer a revolução lá
deles. E tem outros inimigos que vou deixar de fora do primeiro
parágrafo para você poder dizer "faltou Fulano, esqueceu Sicrano". À
vontade.
Mas
há uma questão ausente nesse debate todo sobre cancelamentos, demissões
e linchamentos virtuais: a responsabilidade do comunicador em tempos de
intolerância e flagrante estupidez. Ou, no caso de Monark,
ex-apresentador do podcast Flow, irresponsabilidade. Afinal, não se
aborda um tema sensibilíssimo como o nazismo, durante um programa que
será assistido/ouvido por milhões de pessoas, muitas delas seus
adversários ideológicos, com a cara confessadamente cheia de mé, goró,
manguaça, birita.
O
cuidado, neste e em tantos outros casos que resultaram no tal do
cancelamento (que nada mais é do que a eliminação simbólica e a também
simbólica transformação do adversário numa coisa que, por definição, é
descartável, como defende a Simone Weil que não me canso de citar), o
cuidado nada tem a ver com a submissão ao autoritarismo da turba ignara,
movida às vezes por objetivos ideológicos claros e às vezes “apenas”
pela necessidade de aceitação do grupo. O cuidado tem a ver com o
respeito ao espectador, ouvinte e leitor. Com o respeito ao próximo -
onde é que eu já ouvi isso antes?
No
contexto específico de Monark e sua fala desastrada, sujeita a toda
sorte de interpretações contaminadas por esse sentimento primitivo, de
matilha mesmo, que une a esquerda, o uso do álcool (e talvez de outras
substâncias psicotrópicas) é um complicador. Que se soma à imaturidade
intelectual do apresentador e de sua plateia, que já cresceram nesse
ambiente digital marcado pelo descompromisso, pela sem-cerimônia e até
pela apatia decorrente da lobotomia cotidiana da cultura pós-moderna –
que se mostra avessa à própria ideia "tradicional" de inteligência.
Tivesse
sido o apresentador respeitoso não apenas com os convidados, mas
sobretudo com sua audiência, Monark não teria precisado recorrer a uma
substância para afogar o superego (grosso modo, a estrutura
psicanalítica responsável por impedir que façamos "m" o tempo todo). Por
falar em psicanálise, vejo ainda um quê, ou melhor, dois quês no
episódio: a pulsão de morte e o auto-ódio. Espero estar enganado, e com
frequência estou, mas tudo indica que tanto um quê quanto o outro
acabarão por desaguar no escoadouro emocional do vitimismo. E aqui não
me refiro à pessoa específica, que nem conheço, e sim a Monark com
exemplo de um comportamento geracional.
Ousadia & alegria
Liberdade
de expressão como a que os liberais (e libertários, claro) defendem
pressupõe uma montanha de responsabilidade. Aliás, esta é uma das
maiores diferenças entre o liberal e o socialista, seja ele de que grau
for: o primeiro acredita que o homem é responsável pelo que diz e não
precisa ser tutelado pelo Estado; o segundo acredita que cabe ao Estado
impor essa noção de responsabilidade por meio da limitação do discurso.
No
caso de uma fala irresponsável, pois, o liberal pressupõe que o
indivíduo sabe que arcará com as consequências – que devem ser
proporcionais. Já o socialista acredita na censura, no silenciamento, na
proscrição, na intimidação – até como forma de ensinar aos outros a
ignóbil arte da submissão absoluta.
Aqui,
um adendo que a alguns soe como uma contradição, mas garanto que não é:
certa dose de irresponsabilidade é necessária para o bom funcionamento
de uma sociedade. Toda ousadia é, de certo modo, irresponsável. E
algumas, sobretudo no campo das artes, são mais do que bem-vindas. Foi
uma “irresponsabilidade” dos impressionistas não se adequarem às
exigências do Salão de Paris, por exemplo. Foi uma “irresponsabilidade”
do rock pegar uma peça de Bach e transformá-la em “A Whiter Shade of
Pale”. Foi uma “irresponsabilidade” de Jerry Seinfeld e Larry David
criarem uma sitcom sobre o nada. E assim por diante.
Mas
entre a ousadia virtuosa e a estupidez narcisista (acharam que ficaria
faltando essa palavra, hein?) jazem incontáveis cadáveres – reais ou
simbólicos – de pessoas que cederam à tentação das multidões e por elas
foram pisoteadas. Ao se embriagar antes de discutir um assunto sensível a
milhões de judeus e que é sabidamente matéria-prima para o discurso de
hipócritas e oportunistas de toda sorte, Monark tentou ser
irresponsavelmente criativo e ousado. Mas acabou se revelando um péssimo
comunicador viciado nos aplausos fáceis que atestariam sua relevância
na feira das imposturas (apud Guilherme Fiuza) que são as redes sociais.
Ele não merece o linchamento virtual de que é vítima. Mas, homem
barbado que é, não pode dizer que ignorasse os riscos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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