Como sustentar que elas são meras plataformas de conteúdos e também editorias que decidem o que pode ser publicado? João Pereira Coutinho via FSP:
O mundo ficou espantado com a audácia das big techs em banir Donald Trump da arena pública.
Aliás, não apenas o mundo. O Wall Street Journal informa em seu
editorial que o próprio CEO do Twitter, Jack Dorsey, desceu da sua nuvem
e resolveu olhar para a realidade.
Sim,
banir Trump foi a decisão correta depois do assalto ao Capitólio, disse
ele. Mas será que as big techs têm nas mãos um poder absoluto para
determinar quem tem o direito de falar?
A
pergunta de Dorsey pode parecer bizarra na boca de certas almas
liberais, como a minha. O mercado é livre. Se uma pessoa não gosta do
Twitter e do Facebook, procura alternativas. Ou, então, resolve criar o
seu próprio negócio, estabelecendo as suas próprias regras. O
capitalismo funciona assim, certo?
Certíssimo.
Mas a existência de um mercado livre pressupõe, precisamente, que o
mercado é livre, e não uma coutada exclusiva de grandes monopólios que
inviabilizam a concorrência.
O Parler, por exemplo, poderia ser uma alternativa
ao Twitter. Mas como falar em alternativa quando a rede social foi
removida das lojas virtuais da Apple e da Google por mero capricho dos
seus proprietários?
Eis
a primeira conclusão: um liberal aceita as regras da concorrência.
Desde que essas regras não sejam esmagadas por posições oligárquicas que
impedem qualquer concorrência.
Mas
a ameaça das big techs à liberdade de expressão vai ainda mais longe:
como sustentar, ao mesmo tempo, que elas são meras plataformas de
conteúdos e também editorias que decidem o que pode ser publicado?
A raíz dessa ambiguidade, tal como já escrevi nesta Folha, está na famosa seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações.
Em
1996, quando a internet ainda gatinhava, os legisladores garantiram
proteção legal às empresas: elas não poderiam ser judicialmente
responsabilizadas pelos delírios dos seus usuários.
Porém,
em contradição imediata, a mesma seção acrescentava que as empresas
poderiam interferir nesses conteúdos quando estivessem em causa matérias
obscenas, violentas, ofensivas ou questionáveis.
O
historiador Niall Ferguson, em artigo para a revista britânica The
Spectator, resume o dilema com uma comparação brilhante: as grandes
empresas tecnológicas desfrutam de uma proteção que lembra o livro “Ardil-22”, de Joseph Heller.
“Tente responsabilizá-las como editoras e elas dirão que são
plataformas. Exija acesso às suas plataformas e elas insistirão que são
editoras.” Moral da história?
Não é possível ter os dois mundos —uma conclusão que, milagrosamente, parece unir democratas e republicanos.
Mas
seria possível e até desejável, em regime de concorrência, obrigar as
plataformas a identificar com maior rigor quem usa os seus serviços. As
interferências editoriais seriam apenas reservadas para conteúdos
objetivamente criminosos (como o terrorismo ou a pornografia infantil,
por exemplo).
Porque,
no fim das contas, são os indivíduos que devem ser julgados pela lei do
Estado, e não pelo tribunal aleatório e privado em que o Vale do
Silício se transformou.
BLOOG ORLANDO TAMBOSI

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