Não podemos entrar num bar a partir da meia-noite, são proibidos os
ajuntamentos de mais de 20 pessoas, mas ir a uma festa como a do Avante
onde se exultam ditaduras e assassinos já é permitido? André Abrantes
Amaral, via Observador:
Foi há 6 meses, quando ainda não havia pandemia, que se legalizou a
eutanásia. Outros tempos em que a liberdade, dizia-se, era o valor
supremo. O direito à vida pressupunha o direito à morte. Morrer com
dignidade era a palavra de ordem. Acredito que para muitos ainda o seja
embora não creia que, para os que assim o julgam, a liberdade de assumir
o risco de morrer por sair de casa e viver de forma responsável seja
digno da protecção da lei. Esta é uma das grandes ironias de 2020.
Não quero menosprezar o perigo e o risco que a Covid-19 representa
para muitos, principalmente para os mais velhos e doentes. Apenas que a
supressão das liberdades individuais são também um risco e um perigo
para todos nós. Hoje, quase seis meses após a decretação do início da
pandemia, consideramos normal que jovens que dificilmente são afligidos
pela doença não possam entrar num bar depois a meia-noite. Consideramos
normal se as escolas tiverem de fechar e as crianças passarem mais um
ano em casa, quando essas mesmas crianças não são afectadas pela
Covid-19. Consideramos normal fechar os velhos em casa porque deixámos
de acreditar na sua capacidade de discernimento. Consideramos normal que
a polícia obrigue ao fecho de festas de Verão. Consideramos normal que
funcionários das câmara municipais, postados à entrada das praias, nos
perguntem num tom inquisitório e condescendente se lavámos as mãos.
Consideramos normal que os hospitais adiem cirurgias e esqueçam outras
doenças em nome de apenas uma. Consideramos normal que o número de
óbitos tenha aumentado porque se cancelaram consultas, rastreios e
tratamentos. Até Paris mobilizou a polícia de choque para impor o uso de
máscara em Marselha e achamos normal. No novo normal somos acríticos,
amorfos e amorais.
Tornou-se normal conhecer pessoas sem emprego ou cujas empresas
fecharam de repente. Perderam o ganha-pão e dependem hoje da ajuda do
estado ou de familiares ou de instituições que, dentro de pouco tempo,
estarão também em dificuldades. Perdeu-se a noção do equilíbrio e do
bom-senso em nome de números, curvas e dados diários da Covid-19.
Corremos o risco de deitar fora séculos de pensamento, de lutas e
guerras em prol de uma liberdade que sacrificamos por uma segurança
ténue e incerta. Desconhecida. E fazemo-lo de repente e sem que percamos
um segundo do nosso precioso tempo a ponderar no que estamos a fazer.
A presente pandemia representa riscos e não é uma gripe igual às
outras. Longe disso. Mas também não deve, não pode, implicar o fecho das
nossas vidas nem a suspensão das nossas liberdades individuais. Há que
procurar um equilíbrio que nos permita proteger os mais vulneráveis (sem
os desresponsabilizar) e permitir que quem tenha de trabalhar o faça em
segurança e livremente. Que as crianças e jovens tenham acesso à
educação que, até há 6 meses, era indispensável. Dizia-se um pilar da
nossa civilização. A nossa paixão. Palavras vãs que o vento levou.
É tudo normal, até o que nos devia surpreender como a permissão da
festa do Avante em tempo de pandemia. Vejamos o seguinte: não me
permitem entrar num bar a partir da meia-noite, são proibidas as
concentrações de mais de 20 pessoas, mas já posso ir a uma festa onde se
exultam ditaduras e assassinos? É isto? É este o novo normal que se
apregoa? É que se é vivemos, literalmente, numa sociedade de doidos que
perdeu a noção do ridículo e do pudor. Para tal bastou o sacrifício de
parte da nossa liberdade. Nem quero imaginar como vai ser quando
perdermos a que nos resta.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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