Em artigo publicado pelo Estadão,
o professor Denis Rosenfield se mostra assustado com os rumos do país.
Compartilho sua análise no que diz respeito a Carl Schmitt, mas não há
razão para susto: Bolsonaro é tão boquirroto quanto foi Lula, mas não
tem cacife para se transformar em ditador. E os gatos pingados que, nas
manifestações, pedem fechamento do STF e a "volta do AI-5" merecem
apenas o ridículo:
Urge que o presidente Bolsonaro pare sua escalada rumo ao
autoritarismo, mediante o uso indiscriminado do arbítrio. Decisões
presidenciais num Estado democrático passam por uma série de mediações,
sendo as mais importantes o Legislativo e o Judiciário, e no que
concerne a este último, o STF. Arrogar a si a verdade e a decisão
arbitrária só é fonte de confrontos incessantes.
Acontece que o presidente e sua família operam segundo a concepção
schmittiana da distinção entre amigo e inimigo, fazendo que qualquer
crítica ou divergência seja vista sob o prisma do inimigo a ser atacado.
O mesmo vale para amigos em definições mutáveis, pois, ao passarem a
ser considerados uma ameaça, tornam-se inimigos a ser abatidos – os
casos mais eloquentes, Bebianno, Moro e Santos Cruz.
A distinção amigo-inimigo não é, todavia, exclusiva da extrema
direita, vale também para a esquerda. O próprio Carl Schmitt, após ter
sido apoiador entusiasta de Hitler, escreveu, no pós-guerra, que Mao e
Lenin se encaixavam na mesma concepção, tecendo-lhes elogios. Chávez e
agora Maduro são seus discípulos. A distinção lulopetista entre “nós” e
“eles” é dessa mesma estirpe.
No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo
de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios
democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente
preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A
imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo,
calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a
legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi
cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os
cidadãos.
No Brasil, estamos vivendo um processo semelhante nos seus inícios,
só que de sinal trocado. Da extrema esquerda passamos para a extrema
direita. Os ataques sistemáticos à imprensa, aos meios de comunicação em
geral e o financiamento e operação organizada de grupos encarregados de
difundir fake news mostram essa tática de ataque ao “inimigo”. A ameaça
de ruptura institucional, apesar de apresentada como defesa da
democracia contra o espantalho do comunismo, é outro de seus braços. A
constituição de milícias digitais, agora tornadas milícias de rua, até
mesmo armadas, caso do grupo liderado por Sara Winter, é outro de seus
instrumentos. A antiga bandeira preta da Ucrânia, símbolo da extrema
direita naquele país, é o seu símbolo.
Na mesma linha, a declaração presidencial de que população brasileira
deve ser armada para não ser escravizada procura, na verdade, a
servidão dessas forças ao domínio da extrema direita. Uma coisa é a
posse de armas no legítimo exercício da autodefesa, um direito; outra,
muito diferente, é armar a população para se opor às autoridades, como
os governadores de Estado, por suas políticas de combate à pandemia.
Contudo parar esse processo rumo ao precipício exige moderação do
presidente, com a subsequente alteração da equipe governamental mediante
o afastamento dos mais exaltados, os ideológicos. A perseguir tal
política, as crises sanitária, política e econômica só tendem a se
agravar, levando o País a um impasse perigoso, estando o próprio mandato
presidencial em questão.
As recentes manifestações de reação a este autoritarismo por meio de
vários manifestos pela democracia exibem uma sociedade atuante, ciente
de que suas instituições devem ser defendidas independentemente dos
governos. A democracia é tida por um valor maior, situado acima das
contendas políticas e partidárias. No entanto, não deveria esse processo
ser conduzido sob o modo de uma nova polarização, embora possa ser
necessária num primeiro momento, sob pena de outra forma de
autoritarismo surgir novamente no horizonte. O impasse institucional
seria o seu resultado.
Salta à vista que dois terços da população brasileira não são
pró-democracia, apesar de serem anti-Bolsonaro. Aí estão incluídos, por
exemplo, os responsáveis pelo mensalão, que minaram o sistema
representativo com a corrupção e o descalabro fiscal, para além das
tentativas, felizmente infrutíferas, de controle da imprensa e dos meios
de comunicação, apresentadas naquele então como sendo a verdadeira
democracia. Para não falar das milícias do MST infernizando o campo
brasileiro. Convém estar atentos a esses “novos democratas”.
Deve-se olhar igualmente com precaução a participação de torcidas
organizadas nas manifestações, pois considerá-las como democráticas é
outro equívoco. Na pressa de uma oposição atuante nas ruas, corre-se o
risco de confundir alhos com bugalhos, na medida em que se caracterizam
por serem uma espécie de quadrilhas, cujo prazer é extraído do uso da
violência.
A sociedade brasileira deve sair da polarização, tendo como norte a
democracia, sob pena de perpetuarmos o impasse pelos próximos dois anos e
meio, além de corrermos o perigo de nele permanecer por mais quatro
anos, seja sob a égide da extrema direita, seja da extrema esquerda.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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