Reportagem de Christopher Ingraham, publicada pelo Washington Post, aborda "a força capitalista dos bois":
A palavra “desigualdade” traz à mente todo tipo de tentações da
riqueza e luxo modernos: mansões, iates, jatos particulares e ilhas
paradisíacas. Mas as raízes dessa desigualdade têm um fundamento bem
menos glamuroso, segundo um novo estudo publicado na revista Antiquity
por pesquisadores das Universidades de Oxford, Bocconi e Santa Fe
Institute.
De acordo com a pesquisa, os bois de carga teriam sido os principais
impulsionadores da concentração de renda nos primórdios da desigualdade.
Os autores do estudo examinaram registros arqueológicos deixados por
150 sociedades antigas de ambos os lados do Atlântico. As descobertas se
baseiam, em parte, nos novos métodos para medir a desigualdade em
diferentes pontos do desenvolvimento das sociedades humanas.
A narrativa tradicional sustentava que o desenvolvimento da
agricultura, que permitiu às pessoas estocar grandes quantidades de
grãos e outros alimentos, foi a força motriz da divisão quase global das
pessoas entre as que têm e as que não têm. Mas os pesquisadores
constataram que a desigualdade só ganhou contornos nítidos milhares de
anos depois do estabelecimento da agricultura. O ponto de ignição,
argumentam, foi justamente quando os bois de carga se tornaram
populares, por volta de 4.000 a.C.
As juntas de arado revolucionaram a agricultura ao dar escala ao
trabalho humano. Antes, os agricultores tinham que revirar o solo com as
mãos, enxadas e outros instrumentos simples. Mas um boi amarrado ao
arado tornou possível realizar o mesmo trabalho em apenas uma fração do
tempo consumido anteriormente.
A autora do estudo pela Universidade de Oxford, Amy Bogaard, estima
que antes da chegada das cangas de bois, uma família típica da
antiguidade conseguia administrar um sítio de cerca de um hectare, pouco
mais do que um campo de futebol. Com o apoio dos bovinos para o
trabalho pesado, essa produtividade foi multiplicada “por 2,5 vezes ou
até 10 vezes”, dependendo de fatores como a condição da terra e dos
animais.
Os bois foram, em outras palavras, uma das primeiras formas de
capital – um ativo que poderia gerar valor econômico para seus
proprietários. Os autores do estudo comparam aqueles animais aos robôs
usados hoje nas fábricas: "uma tecnologia que economiza trabalho e levou
à dissociação entre riqueza e mão-de-obra - dissociação fundamental
para o estágio da desigualdade moderna da riqueza".
Quanto mais bois você tivesse, mais terras você poderia cultivar - e
quanto mais terras você cultivasse, mais bois poderia comprar, na versão
neolítica de uma equação bem conhecida do capitalismo.
A força capitalista dos bois
Uma das evidências “fumegantes” em favor da hipótese da força
capitalista dos bois está na diferença de desigualdade entre sociedades
antigas da Europa e Eurásia, onde os bois eram difundidos, e aquelas do
outro lado do Atlântico, nas Américas, onde os animais não foram
introduzidos até a época de Cristóvão Colombo. Essas sociedades
pré-colombianas não possuíam animais de carga equivalentes capazes de
lidar com trabalhos agrícolas pesados, e o novo estudo constatou que a
desigualdade nessas sociedades era tipicamente menor do que no Velho
Mundo.
Para possibilitar tais comparações, os autores analisaram quatro
tipos de riqueza familiar que são visíveis no registro arqueológico:
terra, espaço de armazenamento doméstico, espaço de moradia e bens
enterrados nos túmulos do falecido. Trata-se de um registro
necessariamente quebrado e incompleto: certas mercadorias se
deterioraram ao longo do tempo, foram destruídas ou roubadas. Alguns
indivíduos, como líderes tribais ricos ou padres, eram mais propensos a
deixar uma pegada arqueológica do que um trabalhador comum que morresse
sem um tostão.
Grande parte do foco da pesquisa estava em corrigir, na medida do
possível, os vieses divergentes inerentes a esses registros. Isso foi
feito examinando aspectos presentes em alguns dos locais e registros
mais completos de habitação, bem como em alguns espaços modernos, como
Florença do século 15 e partes da Alemanha do século 17.
O resultado final não é perfeito - os espaços em branco no registro
histórico nunca podem ser realmente preenchidos - mas os autores
escrevem que suas estimativas são compatíveis com achados anteriores,
usando uma metodologia diferente, publicada em 2017 na revista Nature.
"Havendo oportunidades para monopolizar terras ou outros ativos
importantes em um sistema de produção, as pessoas irão fazê-lo", disse
Bogaard em comunicado. "E se não houver mecanismos institucionais ou
outros mecanismos redistributivos, a desigualdade é sempre onde vamos
acabar". (Gazeta do Povo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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