Cabelos salpicados de branco, como só podem heróis nacionais, Xi Jinping
mostra seus trunfos nos setenta anos da revolução; estará aí o perigo?
Coluna de Vilma Gryzinski:
Do ponto de vista de Xi Jinping e da cúpula de umas três mil pessoas –
reduzida a algumas dezenas nas decisões mais vitais – que realmente
influencia no rumo do país mais populoso do mundo, a vida está ganha.
Tão poderoso que se deu ao privilégio de deixar alguns cabelos
brancos aparecer na cabeleira negra asa da graúna como é obrigatório
para os dirigentes chineses, completando o terno preto com gravata
vermelha, Xi Jinping acha que está confirmado todo seu desprezo pelos
regimes democráticos ocidentais e seu apreço pelo sistema chinês.
Um partido só, nada dessa coisa anarquista de voto, legislativo que
carimba decisões fechadas, governo por consenso dos dirigentes que
passaram a vida toda aprendendo a chegar lá e todo o poder concentrado
naquele que conseguiu chegar mais à frente que os outros.
Ele próprio, claro.
Até a encrenca do momento, os indomáveis manifestantes de Hong Kong,
que começaram protestando contra uma lei de extradição e agora querem
nada menos que a independência, é considerada, desse ponto de vista,
consequência da mania de democracia e expressão de reivindicações
inculcadas durante o período em que os britânicos dominaram o pequeno,
rico e agora rebelde território.
Paciência, paciência, paciência, é a tática. Até que acabe.
O desfile militar dos setenta anos da nova China, sempre uma
manifestação de força e não de celebração, mostrou, para quem sabe ler
sua linguagem, outro grande trunfo.
A China agora atingiu o ponto de plena capacidade tecnológica e
operacional para dominar a tríade nuclear. Parece nome de máfia, mas é
muito mais importante.
Os três sistemas clássicos – terra, ar e mar – precisam incluir
bombardeiros estratégicos de longo alcance e mísseis balísticos
intercontinentais com autonomia para atingir o território americano –
alguma dúvida sobre quem é o inimigo em potencial?
Os mísseis lançados de bases terrestres eram o forte, por assim
dizer, da China. Existem mais de cinco mil quilômetros de túneis
secretos para o transporte de foguetes e de tropas por baixo da terra.
O mais caro e complicado são os submarinos dotados de mísseis também de longo alcance. A China agora tem quatro.
A tríade foi desenvolvida durante a guerra fria baseada no equilíbrio
do terror. Estados Unidos e União Soviética garantiam assim que, mesmo
no caso de um primeiro ataque nuclear com resultados devastadores, os
bombardeiros eternamente em revezamento aéreo e os submarinos de difícil
detecção conseguiriam varrer o agressor do mapa.
Com a destruição mutuamente garantida, ninguém tentava se aproveitar da vantagem de um ataque surpresa.
Poucos países têm a tríade, mesmo entre os nuclearizados. Fora
Estados Unidos e Rússia, a França tem os três trunfos, reduzidos depois
do fim do império soviético, a grande ameaça europeia. A Índia também e
Israel, em proporções menores.
Xi Jinping olha o mundo e vê seu maior adversário, o homem que teve o
topete de desafiá-lo para uma guerra comercial que controlasse as
escandalosas práticas chinesas, ser dilacerado em seu próprio país.
Mesmo que sobreviva ao impeachment, e ainda falta muito para ser
vencido, Donald Trump ainda precisa vencer uma eleição para continuar no
poder por mais quatro anos. Tudo isso para míseros quatro anos.
Coitados desses ocidentais, pensam os dirigentes chineses.
E a Inglaterra, então?
Ficam perplexos.
Como amam e odeiam o país, cujas tradições consideram as únicas
remotamente comparáveis às do Império do Centro (da Terra) e cujo
colonialismo teve manifestações de pura barbárie (o incêndio do Palácio
de Verão do imperador na Cidade Proibida foi muito pior do que o da
Amazónia), olham as encrencas provocadas pelo Brexit e fazem as contas.
Vão comprar tudo o que der se houver uma bancarrota. Se não houver, vão continuar comprando também.
Num oceano de indicadores, um pode ser escolhido para simbolizar os avanços da economia chinesa: o das empresas globais.
É um mercado de gente muito, muito grande mostrado pela lista das 500 maiores da Forbes.
A lista de dez países com empresas globais mais valiosas é a
seguinte: Estados Unidos (9,4 trilhões), China (7,9), Japão, Alemanha,
França, Reino Unido, Holanda, Coreia do Sul, Suíça e Canadá.
Em 2008, a China estava em sexto lugar, com 29 empresas e um total de
1,1 trilhão. Agora, são 119 e representam quase um quarto de todo o
dinheiro gerado pelos outros gigantes.
Xi Jinping, agora honrado pelos cabelos brancos que só os poucos
remanescentes da revolução original podem exibir, pode ser considerado
um “bom imperador”, beneficiado pelo mandato do céu e pelas reformas
econômicas telúricas que um sábio antecessor, Deng Xiaoping, desencadeou
quando já tinha 78 anos.
Deng criou o comunismo com propriedade, uma contradição que nem quase cinco mil anos de história da China consegue resolver.
Xi está chegando ao ápice da ascensão da China como superpotência
global, usando todos os métodos da caixa de ferramentas acumulada nesses
cinco mil anos. Muitos legítimos, muitos indecentemente ilegítimos.
De seu jeito discreto, deve dar um sorrisinho quando, no meio do caos
das acusações contra Trump, aparece a negociata do filho de Joe Biden,
então vice-presidente, beneficiado por um investimento bacana depois de
visitar a China com o papai.
Na maciota, a fortuna da família Xi, incluindo irmã, cunhado e outros
gênios das finanças, é calculada em 1,5 bilhão de dólares. Por jornais
ocidentais, evidentemente.
Morrer no poder é o ápice da estabilidade, pelos padrões chineses, e
Xi Jinping, de apenas 66 anos, tem ainda muitos cabelos para
embranquecer.
Seria este o momento para começar a se preocupar seriamente?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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