Democratas exaltados querem logo aprovar o impeachment do eventual
substituto, mas a coisa é complicada e nem a degola do titular está
garantida. Coluna de Vilma Gryzinski:
Todas as notícias escandalosas, os furos, os comentários indignados,
os clamores de traição e demais elementos acalorados que cercam o futuro
processo de impeachment de Donald Trump são dirigidos a exatamente vinte pessoas.
É este o número de senadores republicanos que precisariam virar o voto e aderir à aprovação do impeachment,
depois que a Câmara fizer seu processo, aprová-lo por maioria simples
(uma garantia, diante da maioria democrata) e o enviar ao Senado.
Para acontecer o que nunca houve antes na história americana, o
impeachment tem que ser votado por dois terços do Senado. Ou 67
senadores.
A composição atual é de 53 senadores republicanos, 45 democratas e
dois independentes (um deles, o socialista Bernie Sanders, pré-candidato
à presidência que acabou de colocar dois stents, mas levantaria do leito de morte para votar contra Trump).
É claro que os senadores republicanos ouvem suas bases e vão sentir
se e quando o apoio por enquanto inabalável a Trump sofrer rachas.
Foi o que aconteceu com Richard Nixon, reeleito em 1973 quando o caso
Watergate ainda não havia atingido os posteriores desdobramentos. Em 9
de agosto, renunciou antes que o processo de impeachment fosse para o
Senado. Não tinha saída.
Os senadores atuais também ouvem muito discretamente o homem que
seria o substituto de Trump, o discreto, fiel e fervoroso evangélico
Mike Pence.
Ele é a conexão de Trump com o voto evangélico e também com os
valores conservadores tradicionais, dois elementos com os quais o
presidente saído do mundo do show business e da construção civil de Nova
York tem a mesma conexão que um extraterrestre.
Irlandês de boa cepa católica, ele se converteu e aderiu com o ardor característico aos valores evangélicos tradicionais.
Foi ridicularizado quando disse que evita almoços ou jantares a sós
com mulheres para fugir às tentações – e às fofocas. O que não evita uma
certa tensão sexual quando está perto da deslumbrante Melania.
ANALFABETO FUNCIONAL
Que homem não daria um sorrisinho nervoso diante de Melania? E que
vice não pensaria em sair da sombra que o cargo exige e entrar na
história?
Não que a história dos vices que se tornaram presidentes seja muito inspiradora.
O primeiro presidente americano submetido a processo de impeachment
foi Andrew Johnson. Tendo assumido em circunstâncias de extrema
dramaticidade – Abraham Lincoln tinha sido assassinado, a guerra civil
havia acabado -, entrou imediatamente em choque com a maioria do
Congresso.
Estranhíssimo no ninho republicano que havia liderado a guerra aos
secessionistas escravagistas do sul, era um democrata do Tennessee,
analfabeto funcional, simpático à escravidão – mas não ao racha entre os
estados americanos – e teimoso como uma mula.
Não queria subjugar e expoliar os estados rebeldes, já massacrados
pela guerra, mas não tinha a sabedoria e o capital político para fazer
isso como Lincoln pretendia.
Uma disputa sobre o secretário da Guerra – o Congresso nomeou um,
Johnson outro, o original se recusou a deixar o ministério – acabou no
processo de impeachment.
Não passou pelo Senado, para Andrew Johnson entrou para a história como um dos piores presidentes americanos.
Atenção: não confundir com Andrew Jackson, também nascido na extrema
pobreza, mas que conseguiu se cultivar e chegar a general, tendo
conquistado aura de herói com apenas 13 anos (foi cortado no braço e na
cabeça por um oficial inglês a quem se recusou lustrar as botas).
Não que Jackson, um populista furiosamente contra bancos e grandes
interesses (tentaram até comparar Trump a ele), não tivesse seus
adversários.
Em campanha presidencial, chamaram-no de filho de “uma prostituta
profissional” e exploraram seu ponto fraco, a mulher, Rachel, acusada de
bigamia por ter maridos superpostos.
Ah, sim, Andrew Jackson, o presidente da nota de 20 dólares, também
foi acusado de nada menos que canibalismo, supostamente praticado numa
de suas campanhas contra índios.
Disso Trump ainda não foi acusado. Por enquanto.
Feroz como cachorro machucado e acuado, o presidente está
distribuindo mordidas com uma virulência que pode se voltar contra ele –
pelo menos se o mundo continuasse a funcionar tal como o conhecemos.
Os argumentos pelo impeachment todo mundo já conhece. Trump pediu “um
favor” ao presidente da Ucrânia para apurar a participação de Joe Biden
e seu filho Hunter em favorecimentos e negócios suspeitos.
Ou seja, propôs a intervenção de um país estrangeiro numa operação
que poderia prejudicar seu eventual adversário da eleição presidencial
do ano que vem.
A conversa foi vazada por um funcionário da CIA, usando um programa
de delações sigilosas especial para os serviços de inteligência.
Depois de detonado o escândalo, Trump sapateou no mesmo buraco: pediu
ajuda da China para investigar Biden pai e Biden filho em outra
negociata.
Péssima ideia.
Menos exibidos, principalmente porque a maioria esmagadora da
imprensa é antitrumpista, são alguns dos argumentos que poderiam ser
usados em sentido contrário.
Entre eles, o fato de que o delator procurou primeiro a equipe do
deputado democrata Adam Schiff, presidente da Comissão de Inteligência e
um dos mais exaltados impichadores (para piorar, Trump o apelidou de
“Pescoço Fino”, por motivos óbvios).
CAFUNDÓS DO INTERIOR
Outra coisa: as mentiras de Joe Biden para acobertar o filho estão
ficando escandalosas. Nunca, jamais falaram de negócios, jura o pai.
Para desmnti-lo, tem até uma foto dele, com Hunter e mais o diretor
da Burisma, a gigante do gás natural que contratou o filho gênio por 50
mil dólares por mês para integrar seu conselho.
Um malfeito não elimina outro, mas tumultua o panorama.
E não vai faltar tumulto.
Calmo, equilibrado, com seus cabelos brancos de estadista e uma falsa
aparência de pai da pátria (na verdade, começou como locutor de rádio e
é bom de briga, verbal, evidentemente), Mike Pence tem que continuar
exatamente assim.
E nem remotamente passar a impressão de que está esticando o olho
para aquela cadeira de couro na escrivaninha cercada de cortinas
douradas do Salão Oval.
Conta com a ajuda da mulher, Karen, que também veio lá dos cafundós
de Indiana e teve o bom senso de continuar a se vestindo exatamente como
é, com roupinhas locais, sem tentar competir com o show de grifes
espetaculares desfiladas pela ex-modelo Melania Trump.
Os mais exaltados já estão pedindo que Mike Pence entre também no
pacote do impeachment, considerando-se que Trump o envolveu no rolo da
Ucrânia.
Pence, por exemplo, não foi à posse de Volodymyr Zelensky. A ausência
agora entra na conta das pressões sobre o novo presidente ucraniano
para que fosse mais fundo no caso Biden.
Certamente a decisão não nasceu da cabeça do vice, mas de seu chefe.
Por acaso ou por querer? Trump já imaginaria o escândalo em potencial?
A ideia de um austero e religioso presidente Mike Pence é capaz de enfurecer mais ainda os antitrumpistas esquentados.
De qualquer maneira, seria no máximo por alguns meses, se concretizado o impeachment.
A eleição presidencial é em novembro do ano que vem.
A oposição democrata mais à esquerda já está preparando a festa para a presidente Elizabeth Warren.
Lembram das comemorações armadas para Hillary Clinton?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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