Samuel Hanan*
Recentes
pesquisas de opinião mostram uma crescente queda na popularidade do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o menor nível de aprovação na
história de seus três mandatos. Nunca antes na história deste país Lula
havia experimentado patamares tão baixos de avaliação popular. Motivo de
natural preocupação no Palácio do Planalto, esse fenômeno mostra que o
modelo atual de governo no Brasil, alicerçado basicamente no carisma de
uma pessoa, não funciona mais. É um modelo falido, seja essa pessoa de
direita, de centro ou de esquerda.
Diante
da inflação, com alta de preços dos combustíveis, da carne, do café e
do ovo, não funciona apenas culpar os governos anteriores, atacar os
investidores da Faria Lima ou atribuir, indevidamente, responsabilidade
ao Banco Central pelos juros altos. Esse modelo está igualmente
esgotado.
Na tentativa
de reverter o quadro, tenta-se de tudo, desde trocar um ministro por um
marqueteiro, passando pelo investimento bilionário em publicidade do
governo. O problema, no entanto, não está em quem cuida da imagem do
governo, tampouco na falta de recursos financeiros do país, mas
principalmente na falta de cumprimento das promessas de campanha, ainda
longe de se concretizarem apesar de já estarmos na segunda metade do
mandato.
O Brasil está
à espera de um presidente que encarne a figura de um líder menos
personalista e reúna as qualidades de um verdadeiro estadista. Um chefe
do Executivo com visão estratégica, menos preocupado com o ego e com a
reeleição e mais empenhado em governar para reduzir as desigualdades
sociais, regionais, raciais, educacionais e de renda, enfrentando com
seriedade e competência os problemas econômicos e a violência urbana.
Hoje,
o cidadão brasileiro tem muitas perguntas e poucas respostas. Qual o
plano de metas do governo? Qual a política educacional para tirar o país
da vergonhosa 49ª posição no ranking publicado pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)? A expressão “sem educação
não há salvação” é velha, relembrada a cada período eleitoral, porém a
solução nunca chega. Por que o Brasil não paga salários dignos aos
professores nem investe pesadamente no ensino em tempo integral, e na
capacitação e desenvolvimento dos professores? Há recursos, mas faltam
metas, planejamento, gestão e transparência nos gastos. Resta a certeza
de que sem qualidade no ensino, o país jamais conseguirá ser competitivo
e formar bons médicos, dentistas, engenheiros, advogados, juízes,
promotores de Justiça, economistas, pesquisadores e outros profissionais
essenciais ao desenvolvimento de uma nação.
Também
se ignora qual a política de combate à insegurança pública, situação
grave alimentada pela entrada de drogas e armas pelas fronteiras, portos
e aeroportos, de competência exclusiva do Governo Federal. Certo é que o
Estado se mostra incapaz de conter o avanço das facções criminosas que
dominam os presídios, as favelas e as ruas das grandes cidades
brasileiras e cooptam jovens, inclusive indígenas,
impondo suas próprias leis e desafiando diariamente as forças
policiais. Não é à toa que o país é o líder mundial em homicídios
intencionais, tendo registrado a incrível marca de 38.722 assassinatos
em 2024. A violência também está no trânsito: 33.800 vítimas fatais em
acidentes, em 2024, o que coloca o Brasil entre os quatro países do
mundo nessa macabra estatística.
Na
saúde, hospitais lotados, falta de vagas e medicamentos, epidemias de
dengue, a volta da febre amarela e doenças antes erradicadas evidenciam
políticas públicas fracassadas e o contínuo sofrimento da população. Em
2024, a dengue foi responsável por 6.041 óbitos, 400% mais que no ano
anterior.
E onde está o
plano de investimentos em infraestrutura para garantir mais ferrovias,
rodovias, portos e aeroportos? Também não se concebe nenhum programa
sério de combate à corrupção, prática antiga e cada vez mais tolerada,
subtraindo a confiança nos políticos e agentes públicos, sugando o
dinheiro público e fomentando a sensação de impunidade. Vergonha
nacional e crescente com a presença cada vez maior do crime organizado
nas instituições estatais. É bom lembrar da lição do grande artista
renascentista Leonardo da Vinci: “Quem não pune o mal, incita-o a ser
cometido”.
Nos dois
últimos anos (2023 e 2024), o Brasil falhou novamente em reverter a
trajetória historicamente recente de desmonte da luta contra a
corrupção. Prova disso é o Índice de Percepção da Corrupção (I.P.C.),
principal indicador mundial e produzido pela Transparência
Internacional. Nesse ranking, o Brasil ocupava a 45ª posição em 2002,
último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2010, primeiro
governo Lula, o país caiu para o 69º lugar e a queda se acentuou para a
75ª colocação em 2015, durante o segundo mandato de Dilma Roussef. Com
Jair Bolsonaro na presidência, o Brasil foi para o 96º lugar, em 2022 e
,em 2024, no terceiro mandato de Lula, o país despencou para a 107ª
posição, ao lado de Argélia e Turquia.
Difícil
esperar algo diferente diante do afrouxamento da lei de improbidade e
do silêncio reiterado do presidente da República e do Congresso Nacional
sobre a pauta anticorrupção. Incrédulo, o país assiste à renegociação
de acordos de leniência para beneficiar empresas envolvidas em corrupção
e a manutenção no cargo de um ministro indiciado pela Polícia Federal
por corrupção passiva, fraude em licitação e organização criminosa.
Seria tão fácil se houvesse vontade política de se fazer uma lei
tornando imprescritíveis os crimes contra a administração pública.
Ignora-se
por completo o gigantismo do Estado, máquina pública ineficiente e
onerosa. Hoje, o Brasil gasta com funcionalismo público de 12,3% a 12,8%
do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto nos 38 países da OCDE a média
desse gasto é de 9,6% a 9,8% PIB. O excesso significa gastos adicionais
injustificáveis de quase R$ 300 bilhões/ano, valor superior ao orçamento
anual do SUS, sobrando mais de R$ 80 bilhões/ano.
Os
números são um triste retrato da bancarrota nacional e um convite à
reflexão. Hoje o Brasil ocupa apenas a 89ª posição entre os países da
ONU com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O país era o 63º
em 2002, caiu para 73º em 2010, depois para 84º em 2015, e em 2023 era o
87º. O declínio é evidente: perdemos 26 posições em IDH, o que significa acentuada queda na qualidade de vida da população.
Levantamento
de 2023 mostrou que naquele ano 16,4 milhões de brasileiros, o
correspondente a 7,71% da população, viviam em moradias classificadas
como favelas. No ano 2000 eram 4,3% dos brasileiros nessa situação,
depois 5,8%, em 2010.
O
brasileiro paga muitos impostos, porém não vê a contrapartida estatal,
conforme mostra o Índice de Retorno do Bem-estar Social (Irbes): o país
há mais de duas décadas está estagnado na 30ª e última posição na
devolução à população dos serviços de educação, saúde e segurança, entre
os 30 países de maior expressão econômica e com maior carga tributária.
A
desigualdade na distribuição de renda continua brutal. De acordo com o
índice Gini, da ONU, o Brasil ocupa a 14ª posição entre os países mais
desiguais do mundo, atrás da Costa Rica (13°), ao lado do Congo (14º) e à
frente da Guatemala (15°). No PISA, índice que mede o nível de educação
formal, estamos apenas na 44ª posição entre 56 países avaliados. No
ranking dos 53 países da OCDE, o Brasil figura apenas na 49ª posição.
Contribui
para isso o valor do salário-mínimo, renda de 55% da população
brasileira: apenas US$ 265,00/mês. Esse valor dá ao Brasil a penúltima
colocação entre os 16 países da América Latina. Para efeito de
comparação, no Chile, primeiro nesse ranking, o salário-mínimo é de US$
510,00/mês, quase o dobro do Brasil.
O cidadão ainda é castigado com a tributação sobre o consumo, com alíquotas pesadas que respondem por mais de 40% do total da arrecadação
tributária dos três entes federativos (União, estados e municípios). A
reforma tributária, recém-aprovada, não aliviou a situação porque
resultou ao brasileiro o ônus de pagar a maior alíquota do Mundo (entre
28% e 28,5% do valor do bem ou produto ou mercadoria).
E
como se não bastasse, o governo ainda tributa inflação – que
sabidamente não é renda – ao não fazer a correção anual das tabelas do
Imposto de Renda pelo IPCA. A isenção atual, de R$ 2.826,25, está
defasada em 127,32%, segundo o Sindifisco Nacional. A isenção correta
seria R$ 5.135,16/mês. Se aplicada, beneficiaria cerca de 94% dos
trabalhadores com carteira assinada. Isto é: o Brasil precisa de lei
tornando obrigatória a correção anual das tabelas do imposto de renda
pela inflação do ano anterior, e não fazer, como tem sido, somente nos
anos eleitorais, por vontade ou conveniência do governante de plantão.
Além
disso, a recente lei que alterou o cálculo do reajuste anual do
salário-mínimo, no tocante à parcela de ganho real acima da variação do
IPCA (inflação), prejudicou o bolso, a mesa e a renda do brasileiro que
ganha 1 salário-mínimo/mês. Isso porque retirou do trabalhador e do
aposentado R$ 9,57/mês, ou R$ 121,41/ano, o suficiente para comprar 8
quilos de arroz ou 7 quilos de feijão no ano. Esse valor o brasileiro
receberia se não houvesse essa lei, uma vez que o salário teria sido
corrigido pela inflação de 2023 e adicionalmente, a taxa de crescimento
percentual do PIB de 3,2%.
Com a nova sistemática de cálculo, as pessoas com renda mensal de um salário-mínimo serão responsáveis pela participação de 22% da redução de gastos do programa do Governo Federal, aprovado pelo Congresso Nacional para o biênio 2025/2026. Ou seja, o governo economiza tirando alimento da mesa do trabalhador mais humilde. O efeito vale também para o Bolsa Família: sem a obrigação da correção anual pelo IPCA os beneficiários perderam R$ 18,80/mês. A dimensão dos efeitos da nova lei é assustadora: a redução do valor do aumento real do salário-mínimo atinge 70% dos aposentados e pensionistas da Previdência Social e 80% da população dos estados de Alagoas, Amazonas, Maranhão e Paraíba (mais de 18 milhões de pessoas). Significa que afeta mais de 55% da população brasileira. Temos um governo que é Robin Hood às avessas.
E não é só. Com a reforma tributária aprovada em 2024, o Brasil terá em breve a maior alíquota do mundo, da ordem de 28% a 28,5% do valor do bem, do produto ou da mercadoria. O governo cria, dessa forma, um fardo pesado de mais para o cidadão carregar porque impõe excessiva tributação sobre o consumo de gêneros e produtos que o brasileiro adquire nos supermercados, farmácias e outros estabelecimentos.
Em suma, tira-se a renda do cidadão. Gosto de lembrar de 2 frases, a primeira de John Kenneth Galbraith, um dos mais importantes economistas do mundo, “Nada mais eficaz para limitar a liberdade, incluindo a liberdade de expressão, como a total falta de dinheiro”. E a segunda, mais ácida, do político e consultor norte-americano Harry Browne, “o Governo é bom em uma coisa, ele sabe como quebrar as suas pernas apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: veja: se não fosse pelo Governo, você não seria capaz de andar”.
Esse é o retrato do que vem ocorrendo no Brasil, tira-se o dinheiro do assalariado e do aposentado (não-correção da tabela do imposto de renda, alteração reajuste salário mínimo, falta de seriedade no controle da inflação, em especial dos preços do alimentos) e, em vez de o governo retornar oferecendo dignidade ao povo, com soluções eficazes e permanentes, oferta-lhe muletas por meio de programas como o auxílio-gás (R$ 3,55 bilhões/ano, para 22 milhões de pessoas), Bolsa Família (R$ 170 bilhões/ano, para 20,8 milhões de famílias), Benefício de Prestação Continuada (R$ 80 bilhões/ano, para 4,7 milhões de pessoas), além do auxílio-dignidade menstrual e o confuso Pé de Meia.
Com esses programas, o governo gasta cerca de 2,3% do PIB, quase 5,0% do orçamento da União, oferecendo alívio temporário aos mais carentes, porém sem retirar os beneficiários da linha da pobreza.
Há, na realidade, uma transferência compulsória de renda das classes B, C e D para os cofres do governo, um montante da ordem de R$ 45,8 bilhões por ano, segundo os especialistas, muitas vezes por meio de tributos disfarçados. O pior é que esse dinheiro retirado de cerca de 36 milhões de brasileiros sustenta uma farra de privilégios, em uma situação vergonhosa e desafiante do bom senso e da moralidade pública. A imprensa tem noticiado com frequência o pagamento de mais de R$ 200 mil mensais a membros do Ministério Público e vencimentos superiores a R$ 150 mil de membros do Poder Judiciário – muito acima do teto constitucional -, além de polpudas remunerações de ministros de Estado, por meio de jetons recebidos na condição de membros de conselhos das estatais federais, e de centenas de milhões de reais destinados a emendas Pix do Congresso, sem qualquer transparência. Além dos privilégios reservados aos membros dos diferentes poderes acresce a farra dos gastos tributários de mais de R$ 500 bilhões para os setores escolhidos pelo governo. Enquanto isso, um professor recebe R$ 3.945,00 por mês, cumprindo jornada de trabalho de 40 horas semanais.
Há uma urgente correção de rota a ser feita pelo país. Esses problemas não vêm de agora e não são exclusivos do governo atual, mas sim de todos os governos do século XXI. A solução deve vir através da redução de privilégios e redução de gastos públicos, além de políticas efetivas de combate à corrupção e o fim da reeleição para cargos do Executivo, tudo acompanhado de propostas para oferecer, efetivamente, melhores condições de vida à população, propiciando a todos os brasileiros uma existência digna na qual ninguém dependa de favores do governo, mas possa usufruir de políticas públicas eficientes e festejar um Brasil mais justo e menos desigual.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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