É uma falácia considerar que o valor da liberdade é representado pela direita, enquanto o da igualdade o seria pela esquerda. Tais valores têm características universais, não se prestando a apropriações partidárias ou ideológicas. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:
A
discussão política acerca da esquerda e da social-democracia no Brasil é
frequentemente confundida com o debate sobre a noção de Estado de
bem-estar social, como se este fosse fruto da esquerda. Note-se, a
respeito, que a trajetória histórica de constituição desta forma de
Estado foi liderada por vários partidos, adotando todos os valores da
democracia e da igualdade. Na Itália, sucederam-se vários governos de
orientação democrata-cristã, muitas vezes com apoio dos comunistas e
socialistas. Na Alemanha foram governos também de orientação
democrata-cristã, alternando-se no poder no transcurso de décadas com
governos social-democratas. Nada de essencial mudava nesta alternância
política, salvo em questões menores, nenhuma delas comprometendo as
liberdades, a democracia, as medidas sociais e a economia de mercado. Na
França, governos de orientação gaullista se alternaram com governos
socialistas, sem que os pilares do Estado fossem comprometidos. Em
nenhuma destas alternâncias em diferentes países adversários políticos
foram tratados como inimigos a serem eliminados.
É
uma falácia considerar que o valor da liberdade é representado pela
direita, enquanto o da igualdade o seria pela esquerda. Tais valores têm
características universais, não se prestando a apropriações partidárias
ou ideológicas. Se há um certo consenso de que a liberdade é fundante
da democracia representativa ou liberal, alguns a dizendo por isso de
direita, não há o mesmo consenso relativamente à igualdade. Nos países
comunistas, uma vez passado o período da distribuição da riqueza
capitalista então existente, a experiência mostrou a sua incapacidade na
produção de novas riquezas, fazendo com que a população padecesse
níveis de vida baixíssimos, além de privilegiar socialmente a burocracia
comunista. Qualquer discordância ou crítica era suprimida pela polícia,
quando não pela tortura e morte.
Quem
quiser verificar a diferença, basta comparar o destino da Alemanha
Oriental e da Ocidental, da Coreia do Norte e da do Sul. O século 20 nos
apresenta esta experiência única. A Alemanha Oriental desaparece, sendo
a queda do Muro de Berlim o seu símbolo, após o desmoronamento, por
crises internas, da União Soviética. A Coreia do Norte, dinástica,
militarizada, comunista e liberticida, continua oprimindo os seus
cidadãos, enquanto a Coreia do Sul, próspera, exibe um outro caminho. A
experiência europeia do pós-guerra é a da formação do Estado de
bem-estar social, do Estado Democrático de Direito e da economia de
mercado. Observe-se, ainda, que o atendimento das necessidades sociais
não é tampouco uma criatura da esquerda, pois faz parte da Torá segundo
os judeus, do Antigo Testamento segundo os cristãos, em particular o
livro de Levítico. É uma obrigação moral de qualquer pessoa, de qualquer
empresário, dar atenção às viúvas, aos órfãos e aos idosos que não
podem ser abandonados. As primeiras medidas políticas nesse sentido
foram tomadas por Bismarck em 1883 e pelo ministro Winston Churchill
quando, após a Grande Guerra de 1914-1918, criou mecanismos estatais de
atendimento às vítimas de guerra, a saber, viúvas, órfãos, idosos e
mutilados.
Em
nosso país, a esquerda petista procura reivindicar para si esta ideia
de igualdade, posicionando-se contra a social-democracia nacional, como
se fosse de direita – neoliberal, para utilizar o seu jargão. Toda sua
preocupação consistiu em considerar os tucanos como inimigos,
arrogando-se a posição de verdadeira esquerda. Em seu primeiro governo,
Lula não hesitava em condenar a “herança maldita”, quando ela foi a
responsável por seu sucesso inicial. Aliás, não dá para entender como um
setor dos tucanos ainda insiste em namorar com os petistas quando estes
sempre os desprezaram, além de terem, no poder, erigido a corrupção em
modo de governar. Qualquer afinidade ideológica é, aqui, um mero
disfarce, salvo se for uma questão psicanalítica, a do PSDB no divã.
Ademais,
os petistas se posicionaram contra a Constituição de 1988, que é um
projeto de instaurar por lei o Estado de bem-estar social, com todos os
inconvenientes daí derivados, de uma tentativa jurídica que não oferece
os meios financeiros e executivos de sua realização. Nossa Carta Maior
está repleta de direitos e de poucos deveres, tornando-a capenga e
submetida a necessárias reformas periódicas por meio de diferentes PECs.
Mais concretamente, o PT se posicionou contra o Estado de bem-estar
social, quando agora procura apropriar-se de sua bandeira. Ou, ainda, em
outra linguagem, posicionou-se contra a “social-democratização” do
Estado brasileiro.
Os
únicos verdadeiros defensores do Estado de bem-estar social foram os
governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer – um tucano, outro
emedebista –, pois, além de terem implementado medidas de cunho
eminentemente social, preocuparam-se com suas formas de financiamento,
por exemplo, por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal e da do teto dos
gastos públicos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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