Wesley e Joesley Batista querem pagar só um terço da multa que livrou os irmãos da cadeia. Augusto Nunes para a Oeste:
Em
2017, no acordo de leniência fechado pelo grupo J&S, os irmãos
Joesley e Wesley Batista prometeram que, para livrar-se da cadeia e
manter as empresas da família em funcionamento, atenderiam a todas as
contrapartidas enumeradas pelo Ministério Público. Uma delas era o
pagamento, em prestações de pai para filho, da multa de quase R$ 12
bilhões, quantia nada assustadora para devedores preferenciais do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Entre 2003 e 2016,
somados os empréstimos e investimentos, o BNDES abasteceu o império da
carne bovina com R$ 17,6 bilhões (equivalentes a R$ 31,2 bilhões em
valores de hoje). Além do mais, é incalculável o preço de certas
sensações de alívio: o acerto exorcizou as perturbadoras lembranças das
noites na cela que a dupla dividiu no presídio da Papuda, em Brasília.
O
aval do procurador-geral Rodrigo Janot e a bênção do ministro Edson
Fachin, relator dos casos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal,
transformaram o negociador Joesley no inventor de outra brasileirice
inverossímil: a meia delação premiadíssima. Em troca da impunidade, o
depoente conta apenas uma parte do muito que sabia. “Nunca tive conversa
não republicana com o Lula. Zero”, repetiu numa entrevista em que
canonizou os amigos filiados ao PT. Menos um: “Eu tinha essas conversas
com o Guido Mantega”. Depois de inocentar uma procissão de delinquentes
juramentados, rebaixou Michel Temer a “chefe do maior bando criminoso do
Brasil”. Embora curta, a temporada na gaiola tornou mais cauteloso e
retraído o Joesley boquirroto e grávido de autoconfiança. O que anda
fazendo confirma que cadeia costuma ser um bom remédio para pecadores em
começo de carreira, mas não faz milagres.
Neste
24 de fevereiro, monitorado por Joesley, Wesley apareceu na sede do
Ministério Público Federal em Brasília escoltado por um bando de
doutores. Missão: reduzir em dois terços o tamanho da multa fixada pelo
acordo de leniência. Os procuradores insistem na cobrança dos mais de R$
11 bilhões, num prazo de dez anos. Os enviados da J&S resolveram
achar que é muito. Amparados em pareceres de juristas que cobram em
dólares por minuto, e em chicanas fabricadas por especialistas, os
devedores patológicos primeiro suspenderam a quitação de parcelas já
vencidas. Agora, querem liquidar a pendência com o desembolso de, no
máximo, R$ 4 bilhões. As negociações prosseguem. Se os credores
capitularem, Joesley recuperará o status de campeão nacional.
Em
2006, Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, deixou o chefe Lula em estado de graça ao revelar o
plano que zanzava em sua cabeça: anabolizar com dinheiro do BNDES
empresários que brilhavam em atividades distintas, patrocinar a expansão
internacional das empresas dirigidas por esses gênios da raça e
reiterar ao mundo que com o Brasil ninguém pode. O governo do PT jurava
que havia erradicado a pobreza e acabado com a fome. Que tal mostrar
agora que o País do Carnaval era também uma usina de sumidades
empresariais? Nos seis anos seguintes, choveu dinheiro nos domínios dos
portadores do título concedido por Lula e Luciano aos beneficiários da
gastança: “campeão nacional”. Um deles era Joesley, escalado para
assombrar o planeta com a gigantesca usina de carne bovina. Nenhum dos
escolhidos mereceu um lugar no pódio. Só agora o incansável Joesley
mostrou que merece o título de campeão nacional do calote.
Em
vez da pretendida linhagem de vencedores compulsivos, os bilhões do
BNDES apenas pariram e amamentaram outra ramificação da superlativa
bandidagem brasileira. Enquanto a fantasia durou, os integrantes dessa
subespécie eram identificados pela loquacidade patológica e por
frequentes surtos de megalomania. Os campeões nacionais da Oi, por
exemplo, atravessaram anos acreditando na profecia de Lula: “Essa
empresa será a grande tele do país”. Há semanas, depois de uma
interminável agonia, a Oi foi descansar no cemitério das ideias de
jerico. Outros craques do time do BNDES concebiam de meia em meia hora
mais um projeto espetacular, exposto em falatórios que abusavam do
gerúndio e da conjugação de verbos no futuro. Eike Batista, por exemplo,
nunca inaugurou sequer uma barraca de cachorro-quente. Entrava na
página da revista Forbes reservada à lista dos podres de rico não depois
de ter feito alguma coisa palpável, mas enquanto estava fazendo. E saía
da lista seguinte jurando que iria fazê-la.
(Numa
entrevista concedida por Eike ao Roda Viva, fiquei cismado com a
inexistência de um portfólio com pelo menos meia dúzia de realizações
visíveis a olho nu. E confessei a suspeita que me batera entre uma
pergunta e outra: se ele me convidasse para um jantar depois do
programa, decerto diria depois da sobremesa que não costumava andar por
aí com dinheiro vivo e eu teria de pagar a conta. “Dinheiro para isso eu
teria”, garantiu o entrevistado. Terminada a conversa, achei mais
prudente jantar em casa. Mas estou divagando. Voltemos à história da
maluquice perdulária concebida por Lula e Luciano.)
Só
em 2017 a imensidão de brasileiros lesados saberia que, aos olhos dos
homens da lei, o que parecia um colecionador de triunfos não passava de
um caso de polícia vestido com roupas de grife. A trajetória luminosa
desembocava na cadeia, surpreendeu-se Eike ao ser engaiolado. Joesley
ficou ainda mais espantado. Ele já figurava entre os fregueses de
estimação do BNDES quando entrou no time convocado por Lula e Luciano.
Fechada a torneira de empréstimos especiais, ele continuaria a embolsar
fortunas transferidas pelo banco. Último remanescente da espécie, único
campeão nacional ainda em atividade, o novo Joesley não se livrou do
velho, escancarado pela conversa com o parceiro Ricardo Saud que
eternizou por falta de intimidade com gravadores modernos. Num trecho,
depois de ironizar truques usados por Rodrigo Janot, o craque do calote
caprichou na bazófia.
“Ele
não sabe com quem ele tá lidando”, registra a transcrição literal da
conversa fiada. “É que ele tá achando que tá lidando com um menino
amarelo. Aí eu vou chegar lá e dizer: ‘Janot, nessa escola sua eu fui
professor. Você tá tendo aula e eu fui professor. Para! Que que é isso….
Que brincadeira. Para! Eu tô achando até engraçado. Tô achando até
ridículo isso. Para!’ Ricardinho, ele na cadeira dele conosco, ele num…
Ricardinho, na escola que eles estudam, nós é professor. Para!”
O
ph.D. em bandalheira não paga o que deve ao Ministério Público, e
descumpre sistematicamente qualquer acordo com empresários que com ele
negociam, também por confiar na coerência do Supremo Tribunal Federal.
Os ministros anularam processos vinculados à Operação Lava Jato,
soltaram culpados, vêm prendendo inocentes e sonham com o derretimento
dos himalaias de provas que incriminam larápios amigos. Logo estarão
perdoando os que se recusam a devolver uma pequena parte do muito que
tungaram?
Cadeia ajuda, insista-se. Mas, como atesta o caso de Joesley, incuráveis não têm cura.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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