Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
As
juventudes partidárias do PS e do PSD organizaram para amanhã uma
manifestação em prol da Ucrânia à porta da embaixada russa. Convidaram
os restantes partidos. Menos um. O Chega não vai porque não está na
lista. O BE e o PCP não vão porque não querem.
Este
minúsculo episódio resume na perfeição o ar que se respira na política
nacional. A fim de condenar a agressão a uma democracia europeia, a
ortodoxia vigente, ou aquilo que aqui se convencionou chamar “centro”,
excluiu um partido que meio aos solavancos condena a agressão e incluiu
dois partidos que, assumida ou disfarçadamente, a apoiam. É notável que,
independentemente dos interesses e estratégias de cada um, o
primitivismo comunista continue a merecer o respeito “institucional”
que, por boas ou más razões, não se estende a uma “extrema-direita”
errática.
O
PCP, valha a verdade, não disfarça. Dias antes da invasão, o futuro
ex-deputado António Filipe, cuja ausência da próxima legislatura
suscitou lamentos pungentes à direita, escreveu no Twitter: “Biden
decidiu que a Rússia tem de invadir a Ucrânia quer queira quer não
queira. Se não invadir a bem terá de invadir a mal.” Entretanto, os
camaradas do dr. Filipe produziram diversos argumentos, oficiais e
oficiosos, para demonstrar que a Rússia, por instigação dos EUA e da
NATO, é a solitária vítima desta história. A única crítica a Putin veio
de Jerónimo de Sousa, que o acusou de “capitalismo” e de “atacar a União
Soviética” [sic]. É possível que o chefe do PCP ainda habite em 1989.
Ou em 1917.
O
Bloco de Esquerda, que também celebra 1917 e também não celebra 1989,
optou pela habitual dissimulação no que toca à Ucrânia, que com cinismo
exige “neutral”. A canalhice é típica e só convence perturbados: na
semana passada, o BE citava Putin para explicar que o governo ucraniano
resultara de um golpe da “extrema-direita”; anteontem, a fim de simular
“solidariedade”, o BE desatou a explicar que Putin é que é de
“extrema-direita”. Em gente comum, tamanho contorcionismo provocaria
hérnias danadas. Os sacristões do BE não são gente comum. Por flagrante
hipocrisia, o BE condena a invasão. Por convicção, tempera a condenação
com as inevitáveis referências aos EUA e à NATO, que, à semelhança do
que acontece com o PCP, representam tudo o que o BE abomina.
À
semelhança do PCP, o BE abomina o Ocidente e os regimes democráticos em
que o Ocidente se estrutura. Isto não significa que as nossas
democracias não tenham defeitos. Têm imensos, nalguns casos a ponto de
já nem se parecerem muito com democracias. A diferença é que um
democrata gostaria de democracias melhores, mais sólidas, mais abertas,
mais justas. E os comunistas do PCP e do BE querem acabar com elas.
É
infantil discutir se Putin, antigo agente do KGB, é ou não é comunista.
A simpatia, franca ou mastigada, de PCP e BE pelas acções do homem não
advém daí. Conforme sucede com os aplausos que chegam a Moscovo por
exemplo da Venezuela, de Cuba e do PT brasileiro (e, mediante silêncio,
do sr. Bolsonaro: o Brasil é um país felizardo), PCP e BE apreciam o que
quer que ameace o modo de vida ocidental. E a culpa da Ucrânia passa
por ter erguido o modo de vida ocidental a uma referência a seguir.
Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do
Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os
corações do BE. Quem acha a hipótese caricatural que recorde a escolha
de Cunhal na guerra das Falkland, que opôs o Reino Unido aos fascistas
argentinos. Onde há liberdade, os comunistas de todos os sabores são
contra. E isso vale tanto para a liberdade na Ucrânia como para a
liberdade em Portugal, que corroem regularmente há décadas.
A
propósito das polémicas em volta do Chega, ouvi não sei quantos idiotas
inúteis garantirem que, ao invés daquele partido, PCP e BE pertencem ao
“quadro democrático”. Aí é que está: não pertencem. A violência que
defendem ou relativizam na Ucrânia é evidentemente a mesma que
defenderiam ou relativizariam em Portugal. Embora a cobardia e a traição
dos EUA e da NATO no conflito em questão se denunciem sozinhas (da UE
nem falo), são apesar disso as forças que militarmente nos resguardam,
esperamos, do caos no mundo. Hoje e sempre, o PCP e o BE aspiram ao
caos. Hoje e sempre, e à imagem das extremas-direitas autênticas, PCP e
BE são inimigos dos EUA e da NATO e de qualquer nação aliada dos EUA ou
membro da NATO. PCP e BE são inimigos de Portugal, que se pudessem
submeteriam ao projecto de ditadura que os move.
Continuem,
então. Continuem a convidar comunistas de ambas as seitas para
protestos. Continuem a chorar a escassez de comunistas no Parlamento.
Continuem a convocá-los para sustentar governos. Continuem a pendurá-los
no Conselho de Estado. Continuem a oferecer-lhes espaço de comentário
televisivo. Continuem a tratá-los com a civilidade que eles, nas
circunstâncias adequadas, jamais retribuiriam. Continuem, no horrendo
jargão da época, a “normalizá-los”. Apenas não se esqueçam de que estão a
“normalizar” cúmplices dos maiores criminosos deste tempo. Se as
discussões com porcos nos deixam imundos, o convívio jovial
transforma-nos na própria porcaria. Numa sociedade limpa, o comunismo
não é normal e carece do célebre “cordão sanitário”. Mas as “linhas
vermelhas” que por cá se traçam são demasiado vermelhas e demasiado
sujas, decerto de sangue.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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