MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 13 de março de 2022

Falta um cordão sanitário em redor da esquerda

 



Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:


As juventudes partidárias do PS e do PSD organizaram para amanhã uma manifestação em prol da Ucrânia à porta da embaixada russa. Convidaram os restantes partidos. Menos um. O Chega não vai porque não está na lista. O BE e o PCP não vão porque não querem.

Este minúsculo episódio resume na perfeição o ar que se respira na política nacional. A fim de condenar a agressão a uma democracia europeia, a ortodoxia vigente, ou aquilo que aqui se convencionou chamar “centro”, excluiu um partido que meio aos solavancos condena a agressão e incluiu dois partidos que, assumida ou disfarçadamente, a apoiam. É notável que, independentemente dos interesses e estratégias de cada um, o primitivismo comunista continue a merecer o respeito “institucional” que, por boas ou más razões, não se estende a uma “extrema-direita” errática.

O PCP, valha a verdade, não disfarça. Dias antes da invasão, o futuro ex-deputado António Filipe, cuja ausência da próxima legislatura suscitou lamentos pungentes à direita, escreveu no Twitter: “Biden decidiu que a Rússia tem de invadir a Ucrânia quer queira quer não queira. Se não invadir a bem terá de invadir a mal.” Entretanto, os camaradas do dr. Filipe produziram diversos argumentos, oficiais e oficiosos, para demonstrar que a Rússia, por instigação dos EUA e da NATO, é a solitária vítima desta história. A única crítica a Putin veio de Jerónimo de Sousa, que o acusou de “capitalismo” e de “atacar a União Soviética” [sic]. É possível que o chefe do PCP ainda habite em 1989. Ou em 1917.

O Bloco de Esquerda, que também celebra 1917 e também não celebra 1989, optou pela habitual dissimulação no que toca à Ucrânia, que com cinismo exige “neutral”. A canalhice é típica e só convence perturbados: na semana passada, o BE citava Putin para explicar que o governo ucraniano resultara de um golpe da “extrema-direita”; anteontem, a fim de simular “solidariedade”, o BE desatou a explicar que Putin é que é de “extrema-direita”. Em gente comum, tamanho contorcionismo provocaria hérnias danadas. Os sacristões do BE não são gente comum. Por flagrante hipocrisia, o BE condena a invasão. Por convicção, tempera a condenação com as inevitáveis referências aos EUA e à NATO, que, à semelhança do que acontece com o PCP, representam tudo o que o BE abomina.

À semelhança do PCP, o BE abomina o Ocidente e os regimes democráticos em que o Ocidente se estrutura. Isto não significa que as nossas democracias não tenham defeitos. Têm imensos, nalguns casos a ponto de já nem se parecerem muito com democracias. A diferença é que um democrata gostaria de democracias melhores, mais sólidas, mais abertas, mais justas. E os comunistas do PCP e do BE querem acabar com elas.

É infantil discutir se Putin, antigo agente do KGB, é ou não é comunista. A simpatia, franca ou mastigada, de PCP e BE pelas acções do homem não advém daí. Conforme sucede com os aplausos que chegam a Moscovo por exemplo da Venezuela, de Cuba e do PT brasileiro (e, mediante silêncio, do sr. Bolsonaro: o Brasil é um país felizardo), PCP e BE apreciam o que quer que ameace o modo de vida ocidental. E a culpa da Ucrânia passa por ter erguido o modo de vida ocidental a uma referência a seguir. Nunca falha: se amanhã a Noruega entrasse em guerra com a Coreia do Norte, ninguém duvida para que lado tombariam os discursos do PCP e os corações do BE. Quem acha a hipótese caricatural que recorde a escolha de Cunhal na guerra das Falkland, que opôs o Reino Unido aos fascistas argentinos. Onde há liberdade, os comunistas de todos os sabores são contra. E isso vale tanto para a liberdade na Ucrânia como para a liberdade em Portugal, que corroem regularmente há décadas.

A propósito das polémicas em volta do Chega, ouvi não sei quantos idiotas inúteis garantirem que, ao invés daquele partido, PCP e BE pertencem ao “quadro democrático”. Aí é que está: não pertencem. A violência que defendem ou relativizam na Ucrânia é evidentemente a mesma que defenderiam ou relativizariam em Portugal. Embora a cobardia e a traição dos EUA e da NATO no conflito em questão se denunciem sozinhas (da UE nem falo), são apesar disso as forças que militarmente nos resguardam, esperamos, do caos no mundo. Hoje e sempre, o PCP e o BE aspiram ao caos. Hoje e sempre, e à imagem das extremas-direitas autênticas, PCP e BE são inimigos dos EUA e da NATO e de qualquer nação aliada dos EUA ou membro da NATO. PCP e BE são inimigos de Portugal, que se pudessem submeteriam ao projecto de ditadura que os move.

Continuem, então. Continuem a convidar comunistas de ambas as seitas para protestos. Continuem a chorar a escassez de comunistas no Parlamento. Continuem a convocá-los para sustentar governos. Continuem a pendurá-los no Conselho de Estado. Continuem a oferecer-lhes espaço de comentário televisivo. Continuem a tratá-los com a civilidade que eles, nas circunstâncias adequadas, jamais retribuiriam. Continuem, no horrendo jargão da época, a “normalizá-los”. Apenas não se esqueçam de que estão a “normalizar” cúmplices dos maiores criminosos deste tempo. Se as discussões com porcos nos deixam imundos, o convívio jovial transforma-nos na própria porcaria. Numa sociedade limpa, o comunismo não é normal e carece do célebre “cordão sanitário”. Mas as “linhas vermelhas” que por cá se traçam são demasiado vermelhas e demasiado sujas, decerto de sangue.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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