MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 20 de junho de 2021

Sergio Moro: "Mensagens e sinais".

 



Por ora, não são bons os sinais e as mensagens trazidas por mais esse afrouxamento dos mecanismos de controle e de prevenção à corrupção. Sergio Moro via Crusoé:


Foi surpreendente, nos últimos dias, a repercussão dos gestos dos jogadores de futebol Cristiano Ronaldo e Paul Pogba, durante entrevistas coletivas no âmbito da Eurocopa. O primeiro tirou duas garrafas de Coca-Cola de sua frente, apanhou uma garrafa de água e disse simplesmente “água”. O segundo tirou de sua frente uma garrafa de Heineken, sem nada dizer. Ambas as atitudes tiveram grande impacto, gerando constrangimento para os patrocinadores.

O fato é apenas mais uma prova de que mensagens e sinais de celebridades têm um impacto surpreendente e podem gerar consequências concretas. Isso também é verdadeiro em relação a mensagens ou sinais de pessoas ou mesmo de instituições públicas. Os efeitos de qualquer ato podem transcender em muito o alcance planejado. Palavras e gestos têm poder. Quando a palavra corresponde ao gesto se tem, além de coerência, um impacto maior. Se, porém, há dissonância entre eles, a palavra até pode ter algum impacto inicial, mas este irá se dissipar.

Um conjunto coerente de palavras e gestos pode gerar mudanças significativas. Um exemplo: durante a Lava Jato, a maior e mais exitosa investigação sobre corrupção no Brasil, houve uma convergência de atos provenientes de várias fontes que indicavam uma alteração no conhecido quadro de impunidade no país. Crimes graves foram revelados e tornados públicos pelas investigações; culpados foram condenados e presos; pessoas saíram às ruas para protestar contra a corrupção e empresas passaram a cooperar com a Justiça e a investir em programas de compliance. Também foram aprovadas mudanças na legislação, como a lei das estatais, que promoveram integridade. O próprio Supremo Tribunal Federal tomou decisões importantes, como a que autorizou a execução da condenação em segunda instância ou a que proibiu doações eleitorais provenientes de empresas. Tudo isso gerou um ciclo virtuoso em prol do combate à corrupção.

Mais recentemente, a prevenção e o combate à corrupção têm sofrido reveses entre nós. O exemplo mais notório consiste na revisão pelo Supremo Tribunal Federal da jurisprudência que autorizava a execução da condenação criminal em segunda instância. Mas os retrocessos não vieram só do Judiciário. O Congresso aprovou, por exemplo, uma nova lei de abuso de autoridade que tem efeitos intimidatórios contra a ação de policiais, promotores e juízes. Na linha do espírito do tempo, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 16, alterações na Lei nº 8.429/1992, dita Lei de Improbidade Administrativa. A lei foi aprovada na esteira dos escândalos de corrupção do governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, como um remédio aos vícios da época. Mesmo sendo muito criticada deste então por parcela do mundo político, sobreviveu por mais de dezenove anos sem sofrer alterações.

Sob o argumento de que haveria abusos principalmente em processos contra prefeitos ou gestores do interior, a lei foi enfraquecida e, com ela, a prevenção e o combate à corrupção. Pode-se até argumentar que algumas mudanças eram pertinentes para evitar excessos – restringir a responsabilidade aos casos dos agentes que agiram com intenção não parece ser desarrazoado, mas outras medidas não aparentam encontrar justificativa razoável. Entre as quais, a fixação de prazos exíguos para investigações, sob pena de encerramento; a criação de um prazo inconstitucional de prescrição para o ressarcimento ao erário; o pagamento pelo Ministério Público de honorários de sucumbência em caso de improcedência; e a criação de uma prescrição retroativa para a ação de improbidade.

A rapidez da aprovação do projeto, sem que houvesse maior transparência sobre a redação final proposta, dificultou igualmente o debate da medida perante a sociedade e a opinião pública. Não encontrei disponível ao público, mesmo um dia depois da votação, a redação final do projeto de lei aprovado pela Câmara. Algumas pessoas bem-intencionadas, mas sem conhecimento dos detalhes, chegaram a louvar o novo texto como um avanço, por supostamente reduzir excessos. Não estão corretas, pois o conjunto geral não é positivo.

Há uma tendência internacional em prol da integridade e de políticas anticorrupção. Leis anticorrupção e antilavagem de dinheiro proliferam no mundo. A cooperação jurídica internacional contra a corrupção é crescente. Há aumento da submissão de casos de subornos em transações comerciais internacionais à jurisdição extraterritorial. O setor privado tem, coerentemente, adotado, cada vez mais, sistemas efetivos de compliance e políticas de integridade, parte deles inserido em medidas ESG. A tendência mundial é por mais integridade, maior prevenção e repressão à corrupção e não o contrário. Na última quarta-feira, a Câmara deu um passo em sentido contrário, o que não é bom.

Há tempo para o Senado corrigir os erros na alteração do texto. Além das consequências práticas ruins em se afrouxar os controles decorrentes da Lei de Improbidade, devem ser consideradas as mensagens e os sinais que o Congresso quer passar à população e ao mundo. Que tipo de país queremos ser? Mais ou menos tolerantes com o desvio e com a corrupção? Qual tipo de país mais atrai admiração externa ou investidores externos, os mais íntegros ou os menos? Enfim, são questões cujas respostas são óbvias. Se a obviedade será ou não compartilhada pelo Senado, saberemos adiante. Por ora, não são bons os sinais e as mensagens trazidas por mais esse afrouxamento dos mecanismos de controle e de prevenção à corrupção.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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