Por ora, não são bons os sinais e as mensagens trazidas por mais esse afrouxamento dos mecanismos de controle e de prevenção à corrupção. Sergio Moro via Crusoé:
Foi
surpreendente, nos últimos dias, a repercussão dos gestos dos jogadores
de futebol Cristiano Ronaldo e Paul Pogba, durante entrevistas
coletivas no âmbito da Eurocopa. O primeiro tirou duas garrafas de
Coca-Cola de sua frente, apanhou uma garrafa de água e disse
simplesmente “água”. O segundo tirou de sua frente uma garrafa de
Heineken, sem nada dizer. Ambas as atitudes tiveram grande impacto,
gerando constrangimento para os patrocinadores.
O
fato é apenas mais uma prova de que mensagens e sinais de celebridades
têm um impacto surpreendente e podem gerar consequências concretas. Isso
também é verdadeiro em relação a mensagens ou sinais de pessoas ou
mesmo de instituições públicas. Os efeitos de qualquer ato podem
transcender em muito o alcance planejado. Palavras e gestos têm poder.
Quando a palavra corresponde ao gesto se tem, além de coerência, um
impacto maior. Se, porém, há dissonância entre eles, a palavra até pode
ter algum impacto inicial, mas este irá se dissipar.
Um
conjunto coerente de palavras e gestos pode gerar mudanças
significativas. Um exemplo: durante a Lava Jato, a maior e mais exitosa
investigação sobre corrupção no Brasil, houve uma convergência de atos
provenientes de várias fontes que indicavam uma alteração no conhecido
quadro de impunidade no país. Crimes graves foram revelados e tornados
públicos pelas investigações; culpados foram condenados e presos;
pessoas saíram às ruas para protestar contra a corrupção e empresas
passaram a cooperar com a Justiça e a investir em programas de
compliance. Também foram aprovadas mudanças na legislação, como a lei
das estatais, que promoveram integridade. O próprio Supremo Tribunal
Federal tomou decisões importantes, como a que autorizou a execução da
condenação em segunda instância ou a que proibiu doações eleitorais
provenientes de empresas. Tudo isso gerou um ciclo virtuoso em prol do
combate à corrupção.
Mais
recentemente, a prevenção e o combate à corrupção têm sofrido reveses
entre nós. O exemplo mais notório consiste na revisão pelo Supremo
Tribunal Federal da jurisprudência que autorizava a execução da
condenação criminal em segunda instância. Mas os retrocessos não vieram
só do Judiciário. O Congresso aprovou, por exemplo, uma nova lei de
abuso de autoridade que tem efeitos intimidatórios contra a ação de
policiais, promotores e juízes. Na linha do espírito do tempo, a Câmara
dos Deputados aprovou, no último dia 16, alterações na Lei nº
8.429/1992, dita Lei de Improbidade Administrativa. A lei foi aprovada
na esteira dos escândalos de corrupção do governo do ex-presidente
Fernando Collor de Mello, como um remédio aos vícios da época. Mesmo
sendo muito criticada deste então por parcela do mundo político,
sobreviveu por mais de dezenove anos sem sofrer alterações.
Sob
o argumento de que haveria abusos principalmente em processos contra
prefeitos ou gestores do interior, a lei foi enfraquecida e, com ela, a
prevenção e o combate à corrupção. Pode-se até argumentar que algumas
mudanças eram pertinentes para evitar excessos – restringir a
responsabilidade aos casos dos agentes que agiram com intenção não
parece ser desarrazoado, mas outras medidas não aparentam encontrar
justificativa razoável. Entre as quais, a fixação de prazos exíguos para
investigações, sob pena de encerramento; a criação de um prazo
inconstitucional de prescrição para o ressarcimento ao erário; o
pagamento pelo Ministério Público de honorários de sucumbência em caso
de improcedência; e a criação de uma prescrição retroativa para a ação
de improbidade.
A
rapidez da aprovação do projeto, sem que houvesse maior transparência
sobre a redação final proposta, dificultou igualmente o debate da medida
perante a sociedade e a opinião pública. Não encontrei disponível ao
público, mesmo um dia depois da votação, a redação final do projeto de
lei aprovado pela Câmara. Algumas pessoas bem-intencionadas, mas sem
conhecimento dos detalhes, chegaram a louvar o novo texto como um
avanço, por supostamente reduzir excessos. Não estão corretas, pois o
conjunto geral não é positivo.
Há
uma tendência internacional em prol da integridade e de políticas
anticorrupção. Leis anticorrupção e antilavagem de dinheiro proliferam
no mundo. A cooperação jurídica internacional contra a corrupção é
crescente. Há aumento da submissão de casos de subornos em transações
comerciais internacionais à jurisdição extraterritorial. O setor privado
tem, coerentemente, adotado, cada vez mais, sistemas efetivos de
compliance e políticas de integridade, parte deles inserido em medidas
ESG. A tendência mundial é por mais integridade, maior prevenção e
repressão à corrupção e não o contrário. Na última quarta-feira, a
Câmara deu um passo em sentido contrário, o que não é bom.
Há
tempo para o Senado corrigir os erros na alteração do texto. Além das
consequências práticas ruins em se afrouxar os controles decorrentes da
Lei de Improbidade, devem ser consideradas as mensagens e os sinais que o
Congresso quer passar à população e ao mundo. Que tipo de país queremos
ser? Mais ou menos tolerantes com o desvio e com a corrupção? Qual tipo
de país mais atrai admiração externa ou investidores externos, os mais
íntegros ou os menos? Enfim, são questões cujas respostas são óbvias. Se
a obviedade será ou não compartilhada pelo Senado, saberemos adiante.
Por ora, não são bons os sinais e as mensagens trazidas por mais esse
afrouxamento dos mecanismos de controle e de prevenção à corrupção.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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