Quem acha que a Copa América vai matar pessoas, mas entra em campo mesmo assim, age com covardia – e é um cúmplice do crime que denuncia. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Acabo
de ler o “manifesto” sobre a Copa América postado por alguns jogadores
da seleção brasileira de futebol em suas redes sociais. Fiquei um pouco
confuso, tanto com a forma quanto com o conteúdo. Transcrevo o manifesto
a seguir, acompanhado de algumas reflexões.
"Quando
nasce um brasileiro, nasce um torcedor. E para os mais de 200 milhões
de torcedores escrevemos essa carta para expor nossa opinião quanto a
realização da Copa América.”
O
manifesto começa com uma frase feita que parece mais adequada a um
comercial de TV de algum patrocinador da Copa América que a um manifesto
contrário ao torneio. Mas numa coisa o texto está certo: de fato, todos
os brasileiros já nascem torcedores; o problema é que muitos nascem
para torcer contra.
“Somos um grupo coeso, porém com ideias distintas.”
O
que isso significa, exatamente? Que nem todos os jogadores da seleção
compartilham a mesma opinião sobre a Copa América? Alguns são a favor e
outros contra? Seria importante esclarecer esse ponto, já que, se há
divergência, o texto não deveria ser vendido como a “nossa opinião”
(“nossa”, está subentendido, de todos os jogadores). Por outro lado,
havendo divergência, não há coesão. A confusão continua no parágrafo
seguinte.
“Por
diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho profissional,
estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela Conmebol,
fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil. Todos os
fatos recentes nos levam a acreditar em um processo inadequado em sua
realização.”
Humm...
Quais seriam as razões de cunho profissional que teriam deixado os
jogadores insatisfeitos? Não vão explicar? Sobre as razões humanitárias,
o subtexto evidente é que os jogadores (ou alguns deles) consideram que
a realização de um evento esportivo sem público presencial – como
dezenas de outros eventos que estão acontecendo no Brasil, sem qualquer
problema e sem nenhum escândalo – equivale a um genocídio, a um crime
contra a humanidade, contra o qual os jogadores virtuosos se sentem
obrigados a se manifestar, por "razões humanitárias".
Mas,
se é esta a opinião dos jogadores (ou de parte deles), por honestidade
intelectual o “manifesto” deveria ser mais explícito, com mais
substância e menos entrelinhas. O texto continua:
“É importante frisar que em nenhum momento quisemos tornar essa discussão política”.
Imagina... Usar o esporte para sabotar e desgastar o governo não tem nada de político.
“Somos
conscientes da importância da nossa posição, acompanhamos o que é
veiculado pela mídia, estamos presentes nas redes sociais. Nos
manifestamos, também, para evitar que mais notícias falsas envolvendo
nossos nomes circulem à revelia dos fatos verdadeiros”.
Mais
um parágrafo que se espreme e não sai nada. De que notícias falsas
estão falando? E, se os jogadores são tão conscientes da importância da
sua posição, porque não a manifestam de forma mais clara e consequente?
Ficou tudo muito vago e escorregadio. Muito mimimi e zero papo reto.
Torcedor não gosta disso, fica a dica.
“Por
fim, lembramos que somos trabalhadores, profissionais do futebol. Temos
uma missão a cumprir com a histórica camisa verde amarela pentacampeã
do mundo. Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos
não à Seleção Brasileira."
Só
isso? Já acabou? A montanha pariu um rato. Conclusão: eles terminam o
manifesto contra a Copa América reconhecendo que têm a missão de
defender a camisa verde-amarela – ou seja, declarando que vão disputar a
Copa América.
Em
outras palavras: são contra, mas vão jogar. Só queriam mesmo criar um
zumzumzum, ostentar virtude e bom-mocismo e lacrar nas redes sociais.
Ora,
assim é fácil ser contra, né? Se esses jogadores realmente acreditam
que é um absurdo o Brasil sediar a Copa América, e que isso irá colocar
vidas em risco (diferentemente, por algum motivo, de todos os outros
campeonatos e eventos esportivos em curso no país, que não ameaçam vida
alguma), que se recusem a participar do evento. Simples assim.
Em
português claro (algo que faltou ao manifesto): aqueles jogadores que
acreditam que a Copa América vai matar pessoas têm a obrigação moral de
se recusar a entrar em campo. Ou eles estão com uma arma apontada contra
a cabeça, sendo forçados a jogar?
Quem
acha que a Copa América vai matar pessoas, mas entra em campo mesmo
assim, age com covardia – e é um cúmplice do crime que denuncia. Ou não?
É
como denunciar uma festa nas redes sociais por aglomeração durante a
pandemia e, em seguida, entrar na festa e se divertir horrores. Aliás,
isso é muito comum: todos os bares estão lotados de gente que se
aglomera sem máscara, mas que adora gritar "genocida!".
Um pouco de coerência, por favor. Os torcedores agradecem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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