MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 19 de junho de 2021

As mães da periferia são um exemplo de vitória contra todas as adversidades

 


Os sem-bolsa

Sem qualquer apoio do governo, esta família segue em frente

Eurípedes Alcântara
O Globo

Essas mães me comovem. Elas estão todos os dias nos jornais lamentando a perda de joias que lapidaram com extremo esforço em meio a tantos perigos. Mães não se corrompem. Mães da periferia não entendem correlações.

Tudo na vida delas tem causa e efeito. As políticas públicas seriam bem mais eficientes se atendessem prioritariamente ao apelo das mães.

ESQUECEM AS HEROÍNAS – Não escrevo isso para mostrar que tenho coração. Escrevo porque, em meio a tanto diversionismo de demandas dos mandarins por férias de 60 dias, salários acima do que manda a lei e mobilizações por causas extremadas sobre gêneros e cores de pele ou ondulações de cabelos, esquecem-se as verdadeiras heroínas da batalha do bem contra o mal.

A luta delas é pela sobrevivência. É guerra pra valer. Comida no prato. Dinheiro contado para as viagens diárias de ida e volta da casa para o trabalho nos trens e ônibus lotados, incubadoras do vírus mortal da Covid-19.

Deveria haver um ministério em Brasília dedicado apenas às mães pobres das periferias. Não um ministério a mais, mas um que substitua qualquer desses criados só para dar a políticos empregos e oportunidades não republicanas.

LUTA PELOS FILHOS – Não sou candidato a nada, e nem é Dia das Mães, mas o carrossel de imagens delas chorando seus filhos nos jornais e nos programas de notícias das televisões deflagrou a necessidade de falar por elas.

A luta materna para salvar filhotes dos descaminhos da vida criminosa precisa ser conhecida, apoiada e defendida por governos, igrejas ou ONGs. É uma causa que talvez não dê tanta projeção, mas são elas que estão na trincheira onde a luta entre a barbárie e a civilização é travada, todos os dias antes de o sol nascer, entre o parco café da manhã e as despedidas — muitas para sempre.

Essas mães são a evidência mais concreta da complexidade de quebrar padrões.

INDAGA KAHNEMAN – O prêmio Nobel Daniel Kahneman perguntou numa live se as pessoas fazem escolhas erradas, por isso são pobres, ou se são pobres, por isso fazem escolhas erradas. Ele respondeu que a pobreza realimenta o ciclo de escolhas erradas — e que nem sempre são escolhas.

Pessoas da base da pirâmide vivem em lugares mais perigosos não por escolha, mas por não poder pagar um aluguel em bairros seguros.

Sentem muito mais fortemente o peso dos impostos regressivos, como a inflação de alimentos e do transporte, pois esses dois itens do orçamento familiar consomem quase toda a renda.

PESO MUITO MAIOR – Segundo pesquisa do ano passado feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esse peso é dez vezes maior que aquele que recai sobre o orçamento das classes mais altas.

As mães da periferia são também testemunhas de uma perplexidade: se é impossível alcançar a igualdade de desempenho entre os próprios filhos e filhas, pessoas nascidas dos mesmos pais e criadas sob o mesmo teto, quão realista é esperar alcançá-la em divisões sociais mais amplas e profundas?

 

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