A construção de uma terceira via para concorrer com Bolsonaro e Lula fica cada vez mais complicada. Sérgio Pardellas para a revista Crusoé:
Os
presidentes de partidos que buscam a chamada terceira via para a
corrida presidencial de 2022 se reuniram em um almoço nesta semana em
Brasília para discutir o plano. O encontro não passou de um esforço para
criar um fato político em meio à escalada de dissabores enfrentados
pelo grupo do final de 2020 para cá. Para além da foto e da renovação
das juras de que vão trabalhar juntos para quebrar a polarização, eles
não produziram nenhuma novidade capaz de alterar o atual cenário. “O
número de brasileiros que se posiciona hoje para uma nova alternativa é
maior que o apoio a Lula ou Bolsonaro. Mas é uma maioria silenciosa, que
não faz motociata nem manifestação. É para esses brasileiros que
queremos falar”, disse o presidente do PSDB, Bruno Araújo, ao lado de
dirigentes do DEM, do PV, do Cidadania e do Podemos, além de
representantes do MDB e do Solidariedade.
É
cedo para conclusões definitivas, mas o quadro se complica à medida que
os nomes de centro que exibiam alguma musculatura eleitoral vão saindo
do páreo, enquanto Lula e Bolsonaro se consolidam nas pesquisas como os
principais candidatos por absoluta falta de adversários. Hoje, quem tem
engulhos só de ouvir falar na possibilidade de a dupla chegar ao segundo
turno simplesmente não tem em quem votar.
Não
são poucos os obstáculos para busca de um consenso. O principal deles é
que não há, hoje, um nome em condições de uni-los. O ex-juiz Sergio
Moro, vítima do triturador bolsopetista e ódio geral dos fisiológicos e
corruptos, e João Amoêdo, traído pelo próprio partido, o Novo, pularam
fora. Luciano Huck preferiu o “domingão” na TV Globo a mergulhar no
caldeirão da política – para a surpresa de poucos, é bem verdade.
Outra
questão a jogar contra a escolha de um aspirante à Presidência da
terceira via é que um dos partidos considerados de centro, o PSDB, tem
alguém que não abre mão de jeito nenhum de ser candidato, o governador
de São Paulo, João Doria, obstinado que está pela cadeira de presidente
da República. O tucano, no entanto, mesmo com o comovente esforço de
aparecer na TV dia sim outro também, para anunciar vacinação, não
consegue alcançar os dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto.
Ademais, até mesmo no PSDB, Doria é rejeitado, como mostrou nesta semana
a reunião interna que definiu como serão as prévias da sigla. Ao
contrário do que desejava o governador paulista, os votos dos políticos
com mandato terão mais peso do que os dos filiados, que responderão por
somente 25% do colégio eleitoral.
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, chegou a soprar
algumas vezes no ouvido de tucanos que, no lugar de Doria, preferia como
candidato o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o senador
Tasso Jereissati ou até mesmo Huck. O que sobra a Tasso falta a Leite:
tarimba e experiência no xadrez eleitoral. FHC, porém, em vez de pensar
no futuro, gosta de mover suas peças de olho no retrovisor.
Recentemente, o ex-presidente posou para fotos ao lado de Lula, com
direito a saudação de punhos cerrados. O ex-governador Geraldo Alckmin,
outro tucano que torce o bico para Doria, pretende voltar ao comando do
estado mais rico do país, mesmo que se candidatando por outra legenda —
e, assim, também enfraquecer o desafeto que quer chegar ao Planalto.
Enquanto
no espectro político de centro poucos falam a mesma língua, Lula e
Bolsonaro se consolidam como os protagonistas da sucessão presidencial,
dividindo a atenção do noticiário e pautando costuras políticas. Com a
polarização, uma candidatura acaba alimentando a outra. A rejeição a um
beneficia o outro. Graças às seguidas barbeiragens de Bolsonaro na
condução do país – e, em especial, da pandemia – Lula se dá ao luxo de
poder adotar a tática de jogar sem precisar se mexer, e mesmo assim,
lucrar politicamente com isso.
Em
contrapartida, quase todas as estratégias adotadas até agora em favor
da aliança de terceira via se revelaram infrutíferas. A mais recente,
vendida como a “novidade” do encontro de quarta-feira, foi a de que o
grupo vai trabalhar para atrair o PDT e o PSB. “Será um longo diálogo
nos próximos meses”, diz Bruno Araújo, que já anunciou uma nova rodada
de conversas da turma para daqui a 15 dias. O PDT já tem candidato, Ciro
Gomes, e até marqueteiro, o ex-petista de coração João Santana. Quanto
ao PSB, há quem ache que ele possa ser um “cavalo de Troia” lulista.
Embora
pisque para a terceira via, o DEM corre o risco de, no fim das contas,
se lançar nos braços de Jair Bolsonaro. Esse, por sinal, é um dos
problemas para Luiz Henrique Mandetta, ainda filiado ao partido, que
está no jogo graças ao recall como ministro da Saúde – embora também não
apareça bem nas pesquisas de intenção de voto, ele chegou a ostentar
76% de aprovação durante o combate à pandemia e é, entre os nomes
aventados pelo centro, o que tem maior potencial de crescimento. ACM
Neto, presidente do DEM, namora firme o bolsonarismo. Se entender que
esse é um caminho sem volta, Mandetta terá de trocar de partido caso
queira ter alguma chance de ser candidato ao Planalto em 2022.
Um
elemento surpresa na corrida pode ser o PSD de Gilberto Kassab. Sem
fazer muito alarde, o ex-ministro de Dilma Rousseff e de Michel Temer
vai montando um time de considerável peso político. Já filiou o prefeito
do Rio, Eduardo Paes, e flerta com o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco – enquanto a turma da terceira via se reunia nesta semana, os
dois almoçavam juntos em Brasília. Com o plano de formar um “partido de
quadros”, e com votos, Kassab se cacifa, no mínimo, para estar nas
principais rodas de conversas para 2022.
Um
dos novos pupilos do ex-ministro, Paes almoçou com Lula há duas semanas
na sede da prefeitura do Rio, com direito a filé, salada, vinhos tinto e
branco e sobremesa de chocolate, além de elogios mútuos e aquela foto
clássica de máscara e soquinho de punhos cerrados. Para além do retrato,
há aí um risco real para a terceira via: o de que alguns de seus
integrantes, diante da perspectiva de fracasso da candidatura de centro,
passem a aderir a um dos dois polos que se sobressaem hoje. “Existe,
sim, um temor de traição e de que, no fim das contas, cada um busque o
que é melhor para si eleitoralmente”, diz um dos participantes do almoço
em Brasília.
Como
falta ainda um ano e quatro meses para a eleição, e isso em política é
uma eternidade, o jogo ainda está em aberto. O problema em demorar
demais para escolher um nome, ou cometer erros em demasia durante o
processo, é a possibilidade de a terceira via acabar em terceiro lugar
na disputa. Ou em quarto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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