Jornalismo é publicar aquilo que desagrada ao poder, o resto é propaganda, como disse Christopher Hitchens. João Pereira Coutinho para a FSP:
Quem
guarda os guardiões? A pergunta é antiga, mas ela ressurge na minha
cabeça sempre que escuto as intenções do poder político de vigiar (e
punir) as fake news.
Deve
ser defeito de formação. Mas a ideia de que a raposa deve controlar o
discurso da capoeira sempre me pareceu de um otimismo delirante. Sim,
lamento as mentiras danosas que circulam por aí. E, em casos
difamatórios, espero que os tribunais façam o que só eles devem fazer.
Mais: como escrevo há muito tempo,
as plataformas deveriam ser obrigadas a identificar os seus usuários,
caso eles sejam processados pelas insanidades que produzem. Se eu, como
colunista, posso ser responsabilizado por abuso de liberdade de imprensa
—como, de fato, já fui—, não admito que o anonimato covarde das redes
tenha outras prerrogativas.
O
problema é que leis contra as fake news são tão vagas que convidam ao
abuso. Sobretudo do poder político do momento, que pode sempre alargar o
conceito de fake news para silenciar o jornalismo independente e a
crítica ao poder.
A revista The Economist tem números:
entre março e outubro de 2020, 17 países aprovaram legislação contra as
fake news. O pretexto, em muitos casos, é a pandemia: quando está em
causa a saúde pública, discursos negacionistas são objetivamente um
dano.
Entendo o raciocínio. Mas levanto duas objeções mais ou menos óbvias.
Em
primeiro lugar, os negacionistas não se limitam aos eruditos
semi-letrados para quem a Covid-19 é uma invenção —ou, em alternativa, "uma gripezinha”.
Será
preciso lembrar que eruditos supostamente letrados e com
responsabilidades políticas e sanitárias disseram o mesmo há um ano,
quando a Organização Mundial de Saúde lançou o alerta de que havia um
novo vírus no pedaço?
A
ligeireza e a displicência com que a classe política ocidental olhou
para a pandemia na sua fase inicial foram bastante mais nocivas do que
qualquer post no Twitter ou no Facebook.
Por
outro lado, e como conta a The Economist, muitos governos aproveitaram a
pandemia e a necessidade de combater a informação falsa para esmagarem,
ainda mais, a liberdade de expressão.
Da
Hungria à Rússia, da Turquia às Filipinas, a luta contra o discurso de
ódio virou um instrumento precioso para impôr o único ódio legalmente
permitido: o ódio de vários autocratas aos seus críticos.
Pior:
muitos desses países não hesitaram em invocar o exemplo de democracias
consolidadas, como a Alemanha, que em má hora avançou com legislação
específica que obriga as plataformas a remover material “incendiário”.
Perfeito. Para Putin ou Erdogan, eles estão apenas apagando os seus
“incêndios”.
Era Christopher Hitchens quem dizia que a função do jornalismo é publicar aquilo que desagrada ao poder; o resto é propaganda. Assino embaixo.
De
igual forma, prefiro um espaço público onde o debate corre livremente,
mesmo com abusos, do que entregar aos caprichos do poder político o
chicote da censura.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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