A aceleração social da vida, fruto da agressividade crescente da técnica, nos faz sangrar. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
O futuro é uma ideia nova na humanidade. Nós nunca tivemos futuro. Sei. Duro para uma segunda-feira, né?
O
tempo é um conceito que se declina de várias formas. Física, biológica
—envelhecimento celular—, cosmológica, histórica, mitológica, estética, a
duração da autopercepção subjetiva —o tempo existencial—, social,
enfim, muitas formas.
Aqui
me interessa apenas uma dessas formas: o tempo sociológico, aquele que
nasce das interações sociais e materiais que vão submetendo o cotidiano a
esse processo.
O
grande sociólogo Norbert Elias escreveu um ensaio primoroso sobre esse
tipo de temporalidade, “Sobre o Tempo”, editado pela Zahar.
Durante
milênios, “nada” aconteceu em termos de tempo sociológico porque o
tempo social era parado. Nenhuma grande mudança tirava o Homo sapiens da
sua condição prioritariamente natural.
Para
o tempo social acontecer, se fazem necessárias transformações
relevantes nos âmbitos da técnica e da gestão da vida, da sobrevivência e
da reprodução. E isso demorou muito a ocorrer em nossa
pré-história e história. Sem o fogo de Prometeu não teríamos o tempo social de fato.
O
futuro de que falamos quando nos perguntamos “qual o futuro da
humanidade?” é esse tipo de tempo. E ele é o que mais importa. O Sol
morrerá um dia e tudo acabará.
Mas
mesmo nossa experiência concreta da natureza hoje é mediada pelo tempo
social. O debate sobre sustentabilidade e sofrimento do planeta é um
debate sobre nossa natureza social e técnica em interação com a natureza
do planeta. Aquilo que os estoicos chamavam de logos.
Nunca
tivemos futuro. Caçávamos, plantávamos, nos reproduzíamos, adorávamos
divindades, mas nada disso implica num futuro concreto como pensamos
hoje.
Mesmo o tempo apocalíptico ou o tempo “eschaton” da teologia não é, de fato, um futuro concreto à vista.
Ele
faz parte da esfera puramente mítica. Pode ter efeito psicológico, mas
não é o futuro no qual pensamos quando nos perguntamos “qual o futuro da
humanidade?”.
O tempo social só passa quando se impõe como cotidiano. Na modernidade, esse processo se acelerou. Nos últimos anos, mais ainda.
Isso
nos causa vertigem e abre o mercado para todo tipo de picaretagem:
inovação, quebra de paradigmas, disrupção, como se tudo isso ocorresse
no plano de um encontro corporativo num resort.
Não. A aceleração social da vida, fruto da agressividade crescente da técnica, nos faz sangrar.
Dito
de forma metafórica, o futuro é o resultado da técnica socialmente
engajada, como um avião, um celular, uma vacina, um projeto de
democracia.
A
clássica divisão de história e pré-história, marcada pelo surgimento da
escrita e da possibilidade de ler o que nossos antepassados escreviam,
e, portanto, saber como viviam no sentido mais largo da expressão,
anuncia o nascimento do tempo histórico —porque nos apropriamos do que
já foi vivido, ou seja, do passado—, mas, isso por si só, não é
suficiente para entendermos de modo mais claro o nascimento do futuro.
O
futuro só nasce quando a ideia de progresso se impõe como mais
significativa do que a de passado. E isso é moderno, não é bíblico ou
milenarista.
Não
evoluímos num ambiente em que existisse futuro à vista. Quem fazia
guerra faria guerra sempre, quem dava à luz daria à luz sempre, quem
caçava caçaria sempre. Nesse ambiente, não existe futuro.
O
futuro é uma ideia nova na experiência do sapiens. Tão nova que não
temos clareza de que ela só existe quando existe a possibilidade mesma
do progresso técnico.
Ainda
que esse progresso não seja o controle absoluto do nosso destino,
tampouco da natureza, da contingência, nem do Sistema Solar, nosso tempo
contemporâneo é devorado pela crença de que o futuro nos espera no
horizonte como um dado da própria natureza das coisas.
O
zer do universo é indiferente ao nosso tempo e para ele não existe o
nosso futuro. O futuro da natureza das coisas não é o mesmo que o nosso
futuro. O nosso é efêmero como tudo o que criamos ao longo de um tempo
maior que, de certa forma, nunca passa porque nos ultrapassa.
A eternidade é indiferente ao nosso sofrimento.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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