Constança Rezende
Folha
Ex-mulher do deputado Arthur Lira (PP-AL), Jullyene Lins, 45, afirma, em entrevista à Folha, que o parlamentar, candidato à presidência da Câmara, a agrediu fisicamente e depois a ameaçou para que mudasse um depoimento sobre acusações que ela havia feito contra ele. Jullyene foi casada por dez anos e tem dois filhos com Lira. Ela recebeu a reportagem nesta quarta-feira-dia 13, e pediu para que o local não fosse revelado.
Em outubro passado, ela solicitou à Justiça de Alagoas medidas protetivas contra o deputado. Conforme mostrou a Folha, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu enviar à Vara de Violência Doméstica do Distrito Federal acusações feitas por ela sobre Lira em uma ação de injúria e difamação de 2020.
MARIA DA PENHA – Jullyene pede o enquadramento de Lira na Lei Maria da Penha e necessidade de proteção urgente. Ele recorre da decisão de Barroso, baseada em pedido da Procuradoria-Geral da República para que o caso fosse enviado a um juizado de Violência Doméstica.
Na entrevista, ela chorou quatro vezes e disse que Lira, hoje candidato ao comando da Câmara com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, a fez mudar o seu depoimento no processo em que afirmou ter sido agredida pelo deputado, em 2006. Após esse recuo, Lira foi absolvido em 2015.
“Me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou”, disse. “Ele me disse que onde não há corpo, não há crime, que ‘eu posso fazer qualquer coisa com você’”, afirmou. “Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse.” Ela afirmou ainda ter sido usada como laranja. “Ele abriu uma empresa com meu nome e até hoje não tenho vida fiscal.”
A senhora entrou com um pedido de medida protetiva contra o deputado em outubro do ano passado. Por que fez isso?
Por causa de ofensas que ele me fez, por
pessoas me procurando pedindo para eu mudar depoimentos, meus filhos
[que estão com 14 e 21 anos] sendo usados contra mim. Ele fez alienação
parental com os meninos. Não foi uma violência só física, como aconteceu
anos atrás, foi psicológica, o que passo até hoje. É muito
constrangedor.
Neste caso e no que acusa
Lira de injúria no STF, a senhora anexou novamente as fotos do processo
de lesão corporal que moveu contra o deputado, de 2006. Por que esse
movimento só agora?
Porque existe uma coisa chamada
consciência. Posso ter feito aquilo [mudar depoimento] na época porque,
se não o fizesse, ele disse que iria tomar meus filhos de mim, porque
quem tem o poder é ele e faz o que quer e desfaz. Ele disse: se você não
desmentir isso, tiro os meninos de você. E agora eu estou sem os meus
filhos porque ele tomou isso de mim.
O que aconteceu em 2006?
É muito doloroso lembrar. Porque ele era o
pai dos meus filhos, saiu de casa porque já estava com uma pessoa há
anos e aguentei aquela situação. De repente, saiu de casa, meu filho com
23 dias de nascido.
Ele foi à minha casa, quando abri a porta, me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou. A minha sorte foi a babá do mais velho, que ouviu meus gritos e ligou para a minha mãe, que apareceu lá, mas eu estava desfalecendo já. Muito apanhada. Ele me chutou no chão, mas não queria falar disso porque dói tanto lembrar.
A situação toda durou 40 minutos. Ele parava, me xingava, me chamava de vagabunda e de outros nomes horríveis. Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse, que acho que tem até hoje. Tudo tem que estar no domínio dele, no comando dele, a arrogância e a prepotência. Ele é assim.
Houve testemunhas?
Minha mãe e meu irmão viram tudo. Fui na
delegacia e no IML, que não estava funcionando nesse dia. Tive que ir no
dia seguinte, logo cedo quando abriu. Foram a babá, o médico, e as
pessoas que estavam lá [no IML]. É muito constrangedor, nenhuma mulher
merecia passar por isso.
O deputado já tinha tido esse tipo de comportamento?
Só gritos, xingamentos, isso sim. Ele
sempre foi destemperado, explosivo, mas nunca pensei que pudesse chegar a
isso. A gente acha que vai acontecer, aí você recua, ou se cala, se
tranca, corre, vai para o banheiro para não chegar às vias de fato.
Porque ele é muito estúpido, quem conhece sabe, é ignorante. A sensação
de que o poder dá mais força a ele.
E por que a senhora mudou o seu depoimento depois?
Porque fui ameaçada, coagida. Se depusesse
dizendo o que tinha acontecido, ele ia tirar os meninos de mim. Ele foi
muito claro. Depois disso, fiquei péssima. Imagina uma mulher ter que
se calar diante de tudo o que falou e ser passada de mentirosa. Eu posso
hoje até responder pela minha mentira e estou aqui. Mas prefiro ter a
minha consciência limpa do que carregar isso que carrego até hoje. Da
minha família contra mim, defendendo ele. Ninguém quer mais falar mais
nada. Eu perdi meus filhos do mesmo jeito. Hoje não tenho mais nada.
Como foi feita essa ameaça?
Ele sempre manda alguém dar um recado ou
fazer alguma coisa, dar um telefonema. Mas nesse caso ele foi lá na
minha casa, entrou sem eu saber, acho que ninguém nem sabe disso, vai
saber agora, em primeira mão, e me chamou para conversar e disse: “Veja
bem o que você vai dizer, que eu resolvo a sua vida, mas você tem que me
livrar disso”. Eu disse não, mas é o certo. Eu vou mentir? Aí ele deu
um tapa na mesa e disse “ou você fala o que eu quero ou você vai perder
os meninos porque quem manda aqui sou eu, o que eu quiser eu faço e
aconteço. Ou você faz isso, ou nunca mais você vai ver seus filhos”.
Quando foi isso?
Uns dias antes de eu ser ouvida. A partir
disso, meu advogado sumiu. E aí foram me buscar em casa, o motorista com
o segurança e fui até lá. Eu fui levada. O advogado que me acompanhou
foi do escritório dele, que defendia ele, disse o que era para eu falar
ou quando falar. Eu era cutucada por debaixo da mesa. Depois disso,
fiquei destruída porque não era eu ali. Foi muito constrangedor. Então
não vou mais mentir em relação a isso. Entrei em depressão, fiquei sem
norte.
Meses depois desse caso, a senhora registrou outro boletim de ocorrência contra o deputado por ameaça. O que aconteceu?
Ele disse que ia pegar os meninos de
qualquer jeito e acabou, e não era dia de visita dele. Disse: “Você sai
da minha frente que eu vou entrar”. Liguei para a polícia e denunciei de
novo. Depois, consegui uma medida protetiva na Justiça, de não poder
frequentar o mesmo local, ficar distante tantos metros.
A senhora também enviou um pedido de ajuda em janeiro do ano passado ao Ministério da Mulher.
Comecei desde 2019 a mandar vários emails
denunciando, relatando o que estava passando, violência psicológica,
física, patrimonial. Eu não saía de casa, quando saía era com uma turma
de pessoas mais velhas. Porque eu tinha medo de andar na praia se
chegasse algum sujeito, um flanelinha e me esfaqueasse. Como ele [Lira]
disse, onde não há corpo não há crime, né?Ela devia se ater aos fatos e
ao processo para poder falar alguma coisa. Ela está sendo leiga e
desumana. Se isso está vindo a tona agora, não posso fazer nada. Então
ela me respeite e, quando ela quiser saber da verdade, se atenha a ouvir
os dois lados. Eu estou à disposição dela. Só não aceito usar o meu
nome e dos meus filhos nacionalmente. Se tem acordo com ele, não me
interessa, mas não use meu problema para alavancar nada.
Ele disse isso?
Ele me disse que onde não há corpo, não há
crime, que “posso fazer qualquer coisa com você”. Nos auges da ira
dele, ele fala isso. Isso foi logo quando a gente se separou e me
agrediu. Eu também não dirigia carro, tenho medo. E batida de trânsito?
Um acidente? Vem um cara, se estranha comigo e me mata? É o que mais a
gente vê hoje em dia. Eu sou refém da minha própria casa. Não tenho mais
paz.
E o que o ministério da ministra Damares [Alves] fez?
Fui ouvida numa audiência virtual em
setembro do ano passado, para ver que não é coisa de agora. Disseram que
iriam mandar a documentação necessária a cada setor, como PGR
[Procuradoria-Geral da República], MP [Ministério Público] de Alagoas,
voltar para a Vara de Família, que a gente sabe que não resolve nada e
ficou por isso mesmo. Disseram que iriam entrar em contato e ficou por
isso mesmo.
Por que a senhora diz que ele lhe tirou os seus filhos?
Ele não me deu mais condições de criar os
meus filhos financeiramente a partir do momento em que corta a pensão.
Fiquei com dívidas. Não queria esse tipo de confusão, só que
infelizmente quando chega algum cargo que ele vai ocupar, todo mundo vai
em cima. Luto para isso não é de agora, não é porque ele vai ser
candidato a presidente da Câmara. Há anos que estou pleiteando isso. Ele
me deve pensão de quase R$ 600 mil, que não é de agora.
A senhora também
testemunhou em processos de corrupção envolvendo Lira, como o da
Taturana, que mirou em esquemas de desvios na Assembleia Legislativa de
Alagoas quando ele era deputado estadual. O que disse?
Que eu via os malotes de dinheiro
chegando, via tudo. As reuniões, tudo que rolava, mas ele mandava eu
sair. Ele dizia que o dinheiro vinha de venda de fazendas, gados, ou que
era para ele comprar fazenda, que tinha recebido dinheiro de fulano. Às
vezes ele me mandava contar para ver se estava certo.
A senhora também já afirmou que foi usada como laranja por Lira. Como foi isso?
Fui usada como laranja por ele. Foi uma
empresa que ele me colocou como laranja junto com a esposa de outro
deputado na época. Depois disso, eu não tenho mais vida fiscal,
tributária. Respondo a causas trabalhistas, não posso ter conta em
banco, nada.
E o esquema na Assembleia, como foi?
Foi um esquema que a gente recebia, como
várias pessoas, e ninguém ia trabalhar. Ele que me colocou lá, era o
primeiro secretário. Eu estava lotada no gabinete dele e já era casada
com ele. Ele tirou empréstimos inclusive usando nomes de outras pessoas,
como o meu, usando como pagamento o meu salário.
Reportagem da Folha sobre o
seu processo ter sido enviado à Vara de Violência Doméstica de Brasília
foi criticada por uma deputada da base do governo, Carla Zambelli
(PSL-SP), que chamou de fake news.
Ela devia se ater aos fatos e ao processo
para poder falar alguma coisa. Ela está sendo leiga e desumana. Se isso
está vindo a tona agora, não posso fazer nada. Então ela me respeite e,
quando ela quiser saber da verdade, se atenha a ouvir os dois lados. Eu
estou à disposição dela. Só não aceito usar o meu nome e dos meus filhos
nacionalmente. Se tem acordo com ele, não me interessa, mas não use meu
problema para alavancar nada.
Em nota assinada por seu advogado, o deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidência da Câmara, afirma que o conteúdo das declarações de sua ex-mulher Jullyene Lins é “requentado” e que ele foi absolvido das acusações dela pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
“O resultado deste processo é de conhecimento público, inclusive, por parte deste veículo de comunicação, de forma que, a repetição e veiculação da falsa acusação, atrai a responsabilidade penal e cível não só de quem a pratica, mas também de quem a reproduz, ante a inequívoca ciência da sua falsidade”, disse nota assinada pelo advogado Fábio Ferrario.
CAMINHO DA JUSTIÇA – “Quanto à questão de aspecto familiar, o deputado Arthur Lira não se pronuncia, uma vez que buscou o caminho da justiça para dissolver quaisquer dúvidas sobre o assunto, até porque o único fórum competente para dirimir dúvidas tais e não as páginas de jornais”, ressaltou o advogado.
A nota diz ainda que o deputado “jamais cometeria a indelicadeza de atrasar pensão e, sendo senhor de sua consciência e atos, não se dobra à publicidade opressiva, praticada como forma de intimidação para submetê-lo ao indevido”.
Procurado pela Folha sobre as declarações de Jullyenne, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que em “atenção ao disposto na Lei de Proteção a Dados Pessoais (nº 13.709/2018), não é possível confirmar, negar ou prestar qualquer esclarecimento sobre a situação mencionada”.
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ÍNTEGRA DA NOTA DO ADVOGADO DE LIRA:
“O deputado Arthur Lira surpreende-se com o conteúdo requentado da matéria, já por vezes publicada. Assinala que se defendeu da infundada acusação de violência doméstica perante o Supremo Tribunal Federal e foi absolvido, com trânsito em julgado. O resultado deste processo é de conhecimento público, inclusive, por parte deste veículo de comunicação, de forma que, a repetição e veiculação da falsa acusação, atrai a responsabilidade penal e cível não só de quem a pratica, mas também de quem a reproduz, ante a inequívoca ciência da sua falsidade. Por igual, declara que foi absolvido das acusações outras tratadas no corpo do e-mail, sendo decorrente a atração da responsabilidade penal de quem o acusa por fato que já inocentado ante a justiça. Quanto à questão de aspecto familiar, o Dep Arthur Lira não se pronuncia, uma vez que buscou o caminho da justiça para dissolver quaisquer dúvidas sobre o assunto, até porque o único fórum competente para dirimir dúvidas tais e não as páginas de jornais. Assinala por fim, que jamais cometeria a indelicadeza de atrasar pensão e, sendo senhor de sua consciência e atos, não se dobra à publicidade opressiva, praticada como forma de intimidação para submetê-lo ao indevido”
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