Nestes tristes trópicos, nova política sempre repete vícios, crimes e pecados da velha. Josè Nêumanne para o Estadão:
“Não
podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio porque as águas se renovam a
cada instante.” Essa frase, do filósofo pré-socrático grego Heráclito
de Éfeso, não é nada original, pois é citadíssima. Também muito citado é
o título da obra que fez enorme sucesso de vendas, embora muito
criticado pelo ufanismo, Brasil, o País do Futuro, do judeu austríaco
Stefan Zweig. Ao contrário do Egito dos faraós, onde viveu José, estas
são duas pragas das quais a Pindorama dos índios e caboclos não escapa. O
futuro radioso nunca chega e as vacas gordas do sonho do hebreu fugido
da Palestina sempre morrem de inanição. E a nova política para arquivar
prejuízos da antiga sempre a repete em vícios, pecados e delitos.
Antes
de Zweig, a forma como a escravidão foi abolida resultou na pátria da
desigualdade, reforçada pela pandemia universal de covid-19, em que
trabalhadores de pouca instrução perderam até um quarto da renda na
recessão econômica produzida para minorar contágio e mortalidade. A
República dos militares positivistas, cultores da ciência, chegou 131
anos depois ao obscurantismo negacionista, armamentista e terraplanista
de um capitão considerado inapto para frequentar o curso para chegar a
major e, então, ir para a reserva. As boas intenções dos tenentes de
1930 desembocaram no fascismo curiboca do Estado Novo. E a ordem
constitucional de 1988 resultou na falsa democracia em que deserdados e
descendentes de escravos forros trabalham feito mouros para sustentar
privilégios onerosos e injustos de uma casta que se serve do Estado.
Neste
cenário, uma súcia de gatunos, que pôs a joia da estatização da
economia, a Petrobrás, abaixo de um frigorífico que distribuiu propinas
de baciada, substituiu o estancieiro Getúlio Vargas na condição de “pai
dos pobres” (pai patrão, como no título do filme dos irmãos Taviani). E
Jair Messias Bolsonaro, considerado “mau militar” por um dos papas do
regime, Ernesto Geisel, elegeu-se e tem tudo para repetir a dose em dois
anos para passar pano na memória da censura e da tortura, a mais
empobrecedora e brutal das rimas.
O
ex-presidente do Incra no governo tucano de FHC Xico Graziano elogia
pela sinceridade o ex-arauto do chefe de milícias Adriano da Nóbrega.
Com isso põe em dúvida a tese majoritária de que, tal como o “caçador de
marajás” Fernando Collor, o vendedor de cloroquina escondeu sua real
biografia do eleitorado. De fato, ele venceu a eleição presidencial de
2018 vendendo vacinas contra o subdesenvolvimento crônico, tais como
antipetismo e combate à corrupção e aos privilégios de casta da
Nomenklatura estatal tupiniquim. E nunca cumpriu nada dessa agenda. Mas
também jamais mandou retirar os retratos dos generais da ditadura das
paredes de seu gabinete de deputado federal na democracia. Mais público e
notório não poderia ter sido seu preito ao assassino e torturador
Brilhante Ustra ao votar sim no impeachment de Dilma.
Assim
como seu amigo e aliado do momento Dias Toffoli, ex-presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), sempre serviu ao Partido dos
Trabalhadores (PT), Bolsonaro, suas três mulheres e os filhos adultos,
Flávio, Carlos e Eduardo, sempre foram sustentados pelos pagadores de
impostos. Ele como oficial do Exército na ativa e na reserva e
parlamentar, e os parentes como usuários do cabide estatal que martiriza
a Nação. Desde 2018, já eleito, seu primogênito é investigado pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro pelo crime de complementar
vencimentos com a devolução de dinheiro público por funcionários
fantasmas, alguns deles lotados em seu gabinete na Câmara dos Deputados.
As
mesmas investigações trouxeram à tona evidências de quantias vultosas
retiradas e depositadas em dinheiro vivo, o que não representa crime,
mas a eventual necessidade de ocultar a origem dos depósitos e
recebimentos. Apesar de grave, a negação a pagar o Imposto de Renda por
seu ícone Donald Trump parece um pecadilho se comparada à arriscadíssima
atividade de transportar dinheiro por ruas inseguras do Rio.
No
entanto, as autoridades regiamente pagas por cidadãos desvalidos nem
sequer apontam seus dedos indicadores para tais maus hábitos. No aguardo
de sua indicação para uma das duas vagas a serem abertas no STF ou de
eventuais outros préstimos, altos figurões da Procuradoria-Geral da
República, do próprio STF, do Superior Tribunal de Justiça e do
Congresso Nacional fazem vista grossa para a História e a lógica plana.
O
nosso segue, pois, sendo o “país do futuro” das promoções em massa das
corporações estatais, como a “suspensa”, mas não cancelada, da
Advocacia-Geral da União, cujos dois chefes mais recentes lhe são
subordinados. Da “rachadinha” exposta sob uma denominação simpática e
perenizada pela negligência generalizada. Do “bolsalulismo”, chavismo
mitigado para enganar a fome crônica dos neoescravizados com a esmola a
ser distribuída até serem abertas as urnas. Das exéquias do socialismo
gatuno ao som da marcha fúnebre do populismo fascistoide. Esta,
infelizmente, é a verdadeira crônica do fatal futuro anunciado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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