Ruth Bader Ginsburg foi transformada em ícone do progressismo, mas revelou uma fraqueza - entre outras - e sua substituta não pode mudar tudo. Vilma Gryzinski:
O
espaço que Ruth Bader Ginsburg ocupou no fim da vida e, agora, na
morte, fala mais sobre suas convicções políticas e o momento atual de
alta combustão social do que sobre suas qualidades como juíza.
A
comoção, principalmente dos antitrumpistas que estão em surto com a
possibilidade bem concreta de que a vaga dela na Suprema Corte seja
ocupada por uma nomeada por Donald Trump, deixa passar alguns enganos:
1.
Ruth Bader Ginsburg foi uma pessoa íntegra e uma juíza competente, mas
não uma magistrada excepcional. Tornou-se conhecida mais por dissentir –
e criar a fama de rebelde – do que por sentenças que iluminaram os
assuntos em julgamento.
Viver
muito pode ser a maior vingança, e RBG ganhou aura de celebridade por
derrubar cânceres e outros males como uma Highlander, mas aferrar-se ao
cargo até os 87 revelou excesso de vaidade e animosidade política contra
Trump.
Foi
em relação ao presidente que cometeu seu maior erro, ao dizer, em 2016,
que não queria nem pensar na hipótese de que ele ganhasse a
presidência. Depois, reconheceu o erro, o que já é digno de respeito,
mas a bobagem estava feita.
Uma
juíza da Suprema Corte não pode pisar na bola dessa maneira, inclusive
por que se algum caso envolvendo o presidente chegasse à sua alçada,
seria considerada comprometida.
2.
objetivo da Suprema Corte não é manter o “equilíbrio ideológico”. Isso
acaba acontecendo naturalmente porque presidentes dos dois partidos se
alternam sistematicamente.
Mais excepcionalmente, um presidente, como acontece agora com Trump, tem a oportunidade de nome três dos nove integrantes.
Mas,
se a partir de agora, os democratas conquistarem, sem alternância, a
Casa Branca e a maioria no Senado poderão “lotar” a Suprema Corte de
juízes identificados com o progressismo.
Se
quiserem, e Alexandria Ocasio-Cortez for a presidente, um dia poderão
coroar o advogado Fidel Castro como patrono post mortem.
Nos
anos dourados dos Estados Unidos, os indicados para a Suprema Corte
costumava passar com unanimidade ou apenas poucos votos contra.
Era um indício de que todas as forças políticas estavam acreditavam nas mesmas linhas gerais sobre o que era bom para o país.
A
partidarização da política acabou com esse fase de ouro, mas não
adianta brigar com a realidade. Hoje, os votos seguem o princípio da
trincheira: os nossos de um lado e os inimigos de outro.
3.
É “hipocrisia” dos republicanos defender uma rápida nomeação faltando
apenas 42 dias para a eleição presidencial? Depois de boicotarem a
votação de um indicado por Barack Obama faltando nove meses para o fim
de seu segundo mandato?
Algumas pessoas chamariam de realismo político. Os democratas fariam exatamente a mesma coisa.
O
presidente, seja quem for, tem o direito de apresentar seu nomeado para
uma vaga aberta na Suprema Corte. Se o seu partido tiver a maioria no
Senado, o nome será aprovado.
Existe
também a possibilidade de que nem assim, no caso atual, a votação
passe. Três senadores republicanos são contrários a ela nas
circunstâncias atuais. Mais um e a casa cai.
4.
Amy Coney Barrett, a candidata mais cotada a substituir RBG, será
“acusada” não apenas por ser católica praticante – uma característica
que senadores democratas tentaram levantar contra ela quando foi nomeada
para um tribunal de recursos.
Na
ocasião, ela deixou bem claro que convicções religiosas jamais
interfeririam em suas decisões como juíza, mas a oposição tem mais
munição.
Desde
jovem, através dos pais, ela pertence a um grupo de renovação
carismática, o Povo do Louvor, baseado no conceito de que mentores
acompanham diretamente seus pupilos, aconselhando-os em todas as esferas
da vida.
Um prato cheio para a oposição.
5.
Não existe “direito ao aborto” nos Estados Unidos, assentado em
legislação, mas sim uma sentença da Suprema Corte estabelecendo que as
decisões a respeito pertencem à esfera da privacidade da relação de uma
mulher com seu médico.
É,
evidentemente, um “puxadinho”, um subterfúgio usado para substituir uma
lei ou mudança constitucional que dificilmente passaria nas duas casas
do Congresso.
Os
adversários consideram isso o mais clássico dos casos de “imperialismo
judiciário”, um abuso que acontece quando temas vitais são decididos
pela Suprema Corte e não por representantes eleitos.
Na
ausência de legislação, os estados onde governadores e deputados
republicanos são majoritários têm mais liberdade para impor restrições
sobre os procedimentos – e o financiamento público – relativos ao
aborto.
É
quando a Suprema Corte decide analisar esses casos que se abre a
possibilidade, praticamente impossível, mas não inexistente, de que a
prática do aborto venha a ter mais restrições.
Em
termos de filiação religiosa, hoje os são os evangélicos, não os
católicos, os mais contrários ao aborto, com 66% se opondo à prática em
quaisquer circunstâncias.
As
audiências sobre a nova juíza da Suprema Corte, se chegarem a esta
fase, vão pegar fogo. “Um juiz que acha que sempre acertou não é um bom
juiz”, diria Antonin Scalia, um dos mais brilhantes membros da Suprema
Corte em todos os tempos.
O
ultraconservador Scalia cultivou uma boa amizade com Ruth Bader
Ginsburg desde antes da Suprema Corte. “Como não gostar dela?”,
comentava ele sobre a companheira de carreira. “Excetuando-se, claro,
suas opiniões sobre o direito”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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