Nas pandemias anteriores, os políticos ficaram de fora e os governos deixaram a economia quieta. Jeffrey Tucker, via Oeste:
Vamos ver se você consegue dar sentido à seguinte transcrição de um
trecho de uma entrevista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump:
Trump: Então, eu estava ouvindo milhões de pessoas, e teriam
sido milhões de pessoas se nós não tivéssemos fechado. Agora, eu
fecharia de novo? Não, porque agora nós entendemos a coisa muito melhor.
Nós não sabíamos nada sobre isso, era algo novo, era novidade.
Pergunta: O senhor quer dizer que, em retrospecto, fechar a…
Trump: Eu teria feito exatamente o que fiz. E fiz isso cedo.
Em retrospecto, nunca ninguém imaginou que seria tão severo quanto foi.
Tomei sozinho aquela decisão pelo lockdown e depois ficou claro que foi
uma excelente decisão. Centenas de milhares de vidas foram salvas.
Qual Trump é o real? Entendo que os políticos sejam resistentes a
admitir erros, quanto mais expressar arrependimento. Não é só Trump.
Ouvi alguma versão dessa história de especialistas de todos os níveis
que tanta pressão fizeram pelo lockdown, mas agora dizem que foi um erro
— mas um erro que de alguma forma precisava ser cometido porque “o que
mais se pode fazer?”.
Uma coisa que se pode fazer: na ausência de informação, pode-se
manter o padrão de preservar a dignidade humana, a liberdade e o estado
de direito, e então ir atrás de informação. Em vez disso, fez-se a opção
de paralisar a sociedade por causa de incertezas.
A liberdade e os princípios básicos são luxos que nos concedemos e
nos permitimos apenas em condições ideais? Nossos direitos existem
apenas por concessão do Estado, de modo que podem ser retirados sob
qualquer pretexto?
Agora, você pode dizer que um novo vírus na ausência de testes é uma
rara exceção. O problema é que isso não está correto. Um século de
história dos Estados Unidos está repleto de novos vírus, e os testes nem
sempre estiveram disponíveis, quanto mais foram universais. Além disso,
o registro real aqui demonstra que um pequeno grupo de especialistas de
alto nível estava esperando há catorze anos para utilizar seus
experimentos em um novo paradigma para lidar com doenças. Nas pandemias
anteriores, os políticos ficaram de fora e os governos deixaram a
economia quieta. Nós confiamos nos indivíduos e nos médicos
especializados para lidar com o problema, e funcionou. Só que, desta
vez, fomos na direção oposta, e é provável que leve anos até que se
admita universalmente que foi um erro catastrófico.
Há também um elemento psicológico aqui, alimentado pela pressão da
mídia. Logo no começo, um amigo meu comparou os defensores do lockdown
apavorados aos novos moradores de cidades litorâneas durante a temporada
dos furacões. A mídia, sempre e em toda parte, declara que todo furacão
é a mãe de todas as tempestades. Eles gritam e esperneiam para que
todos fujam e se escondam, que vão para algum lugar, qualquer lugar,
menos ali. Então a tempestade muda de direção, o que gera outra desculpa
para uma atualização nas notícias, dizendo a mais pessoas para entrar
em pânico e sair correndo.
Ninguém sabe ao certo como vai ser a tempestade nem onde ela vai
acontecer. Em geral, leva uns dois anos até que os novos moradores se
deem conta disso, deem um desconto para o que a mídia está vociferando,
tomem cuidado, mas lembrem que a avaliação de riscos é difícil.
Principalmente, é provável que não haja um bom motivo para passar dias
colocando tábuas nas janelas de casa e então correr para as montanhas —
considerando que o furação pode chegar às montanhas também. Em outras
palavras, leva algum tempo para alguém se tornar racional sobre essas
coisas, mas todo mundo que mora no litoral acaba chegando lá.
E quanto àqueles que passam semanas protegendo a casa, gastam
milhares de dólares em comida e congeladores, e depois passam dias no
carro com a família a reboque fugindo de algo que nunca se materializa
nem se torna nada além de um pouco de vento e chuva? Então, a resposta
certa é que tudo isso foi um erro. Claramente. Mas essa não costuma ser a
reposta que você recebe.
Em vez disso, a pessoa em pânico em geral diz: “Fiz o que tinha que
fazer dadas as informações a meu dispor. Então, sim, se tivesse que
fazer de novo, faria tudo exatamente igual”. Isso, claro, é totalmente
irracional, uma vez que não há nenhuma condição climática extrema, e
isso é um fato sabido. Mesmo assim, é poderosa a tentação de oferecer
racionalizações a posteriori para comportamentos irracionais.
Esse problema agora aflige milhares de políticos nos Estados Unidos.
Muitos dos rituais absurdos que estamos vivendo — essas restrições de
distanciamento, a obrigatoriedade da máscara, os limites de ocupação e
assim por diante — não são nada além de protocolos impostos para dar a
impressão de que há um mundo muito perigoso e infectado por um vírus lá
fora, então o lockdown estava correto, mesmo que no fim das contas o
vírus não seja quase nada para 99% da população.
Seria como um prefeito que, de modo irracional, ordenou uma evacuação
por causa de um centímetro e pouco de chuva, para depois mandar os
residentes que voltaram usar galochas e óculos de proteção por um mês. É
uma forma de espalhar e compartilhar o medo para desviar dos erros
terríveis do próprio prefeito. É uma justificativa a posteriori por
coagir as pessoas sem motivo, mas tentar evitar a culpa (“Nós não
sabíamos nada sobre a tempestade, então fizemos a coisa certa”).
Assim, vamos continuar essa dança por mais alguns meses apenas para
que os políticos e os apavorados entre nós possam manter as aparências e
evitar admitir o erro.
E, mesmo assim, chovem evidências diárias sobre a calamidade. Os
cálculos mais recentes das perdas revelam um estrago muito além das
mortes por covid-19. Os autores Scott W. Atlas (Instituto Hoover), John
R. Birge (Universidade de Chicago), Ralph L. Keeney (Universidade Duke e
Universidade do Sul da Califórnia) e Alexander Lipton (Universidade
Hebraica) escrevem:
O século passado foi testemunha de três pandemias com pelo menos 100
mil mortes nos Estados Unidos: a “gripe espanhola” (1918-1919), com algo
entre 20 milhões e 50 milhões de vítimas no mundo todo, incluindo 675
mil nos Estados Unidos; a gripe asiática (1957-1958), com cerca de 1,1
milhão de mortes no mundo inteiro, 116 mil delas nos EUA; e a gripe de
Hong Kong (1968-1972), com aproximadamente 1 milhão de pessoas mortas no
mundo, incluindo 100 mil nos EUA.
Até agora, a atual pandemia resultou em quase 100 mil mortes nos
Estados Unidos, mas a reação de um fechamento econômico quase completo
não tem precedentes. A produção econômica perdida no país está estimada
em 5% do PIB, ou US$ 1,1 trilhão para cada mês de fechamento econômico.
Essa renda perdida resulta em vidas perdidas, uma vez que o estresse do
desemprego e de prover as necessidades básicas aumenta a incidência de
suicídio, abuso de álcool ou drogas e doenças causadas pelo estresse.
Esses efeitos são especialmente severos para a população de baixa renda,
uma vez que ela enfrenta maior risco de perder o emprego e os índices
de mortalidade são muito mais altos para indivíduos de baixa renda.
Estatisticamente, cada US$ 10 milhões até US$ 24 milhões perdidos na
renda norte-americana resultam em uma morte adicional. Uma parte desse
efeito acontece pela via do desemprego, que leva a um aumento na média
de mortalidade de pelo menos 60%. Isso se traduz em 7.200 vidas perdidas
por mês entre os 36 milhões de recém-desempregados, mais de 40% dos
quais sem expectativa de recuperar o emprego. Acrescente-se a isso que
muitas pequenas empresas estão perto do colapso financeiro, gerando
perda de riqueza, o que resulta em aumentos de 50% na mortalidade. Com a
média estimada de uma morte adicional por perda de renda de US$ 17
milhões, isso significaria 65 mil vidas perdidas nos Estados Unidos para
cada mês por causa do shutdown econômico.
Além das mortes causadas pela renda perdida, vidas também se perdem
em razão da demora ou privação de assistência de saúde impostas pelo
fechamento e pelo medo que isso gera entre os pacientes. Com base em
comunicações pessoais com colegas da neurocirurgia, cerca de metade dos
pacientes não apareceu para cuidar de doenças que, deixadas sem
tratamento, têm risco de hemorragia cerebral, paralisia ou morte.
A seguir, alguns exemplos de atendimento médico em que baseamos
nossos cálculos: avaliações de emergência de derrame diminuíram 40%. Dos
650 mil pacientes de câncer fazendo quimioterapia nos Estados Unidos,
estima-se que metade não esteja continuando o tratamento. Dos 150 mil
novos casos de câncer tipicamente descobertos todo mês nos EUA, a
maioria — assim como em outras partes do mundo — não está sendo
diagnosticada, e de dois terços a três quartos dos exames de câncer de
rotina não estão acontecendo por causa de políticas de shutdown e medo
entre a população. Quase 85% menos transplantes com doador vivo estão
acontecendo agora, comparados ao mesmo período no ano passado. Além
disso, mais de metade das vacinações infantis não está sendo realizada, o
que cria o cenário potencial de um enorme desastre de saúde futuro.
Conclui-se que o lockdown foi um erro. Está na hora de admitir isso. É
necessário haver atos de contrição por parte da classe política e dos
consultores que a aconselharam. Essas pessoas precisam declarar em alto e
bom som que pedem desculpas sinceras por seus erros, mea culpa, mea
maxima culpa.
Jeffrey Tucker é economista
norte-americano, defensor da Escola Austríaca e do libertarianismo,
associado do Action Institute e autor do livro Coletivismo de Direita
(2017), publicado no Brasil pela LVM Editora.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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