O governador de N. York, Andrew Cuomo. |
Por mais “científicas” que pareçam, as autoridades públicas de saúde são
influenciadas pelas mesmas tendências irracionais e incentivos
perversos dos políticos e jornalistas. Artigo de John Tierney para o
City Journal e traduzido para a Gazeta do Povo:
Como nossos líderes enfrentariam essa pandemia sem a “ciência”?
O significado de “ciência” nunca foi óbvio, assim como não é fácil
explicar por que uma pessoa seria capaz de usar a ciência como sinônimo
de verdade, mas o papel da ciência é bastante claro. Ela se tornou o
equivalente contemporâneo do Oráculo de Delfos, aquela fonte misteriosa
de conselhos à qual os líderes gregos recorriam durante as guerras e
outras crises. Ainda que o conselho fosse tolo, o oráculo dava aos
líderes uma justificativa para se furtar à responsabilidade por suas
decisões – e as consequências delas.
Por que, por exemplo, a economia do estado de Nova York ficou
paralisada por mais de dois meses, apesar dos poucos casos de Covid-19
nos condados agrícolas? Quando alguns escritórios e barbearias e outras
empresas estavam finalmente prestes a abrir, no fim de maio, por que o
governador Andrew Cuomo enfureceu as autoridades locais anunciando de
repente que essa decisão não poderia ser tomada por elas – e nem mesmo
por ele?
“Vamos dar todos os dados aos especialistas”, explicou ele. “E, se
eles disserem que devemos prosseguir, prosseguimos”. O destino de todo
mundo está agora na mão dos novos oráculos.
Por “especialistas”, Cuomo quer dizer os consultores chamados para
supervisionar a reabertura do estado: um epidemiologista da Universidade
de Minnesota e um estatístico do Imperial College de Londres. Ao
apresentá-los, durante uma coletiva de imprensa em meados de maio, ele
explicou que a reabertura não era “uma medida política”.
“Isso tem a ver com fatos, ciência e dados”, disse. “É matemático, e isso é libertador”.
Pode ser que os políticos considerem libertador culpar outros pela
devastação econômica, mas é ridículo fingir que epidemiologistas e
estatísticos têm uma fórmula mágica para determinar os custos e
benefícios da paralisação da economia. Eles podem estimar a rapidez com
que o vírus se espalha, mas não sabem exatamente o efeito que os vários
tipos de lockdown têm sobre a disseminação do vírus, muito menos o
efeito que eles terão na vida das pessoas.
Os números por trás das medidas tomadas em nova York parecem
tranquilizadoramente precisos, como a exigência de que uma região tenha
30% dos leitos hospitalares desocupados a fim de que ela entre na fase
seguinte da reabertura – e os condados no norte de Nova York tiveram
finalmente permissão para reabrir no dia 29 de maio, depois que os
oráculos revisaram os dados. A cidade de Nova York não se encaixou nos
parâmetros porque apenas 28% dos seus leitores hospitalares estavam
disponíveis.
Como os especialistas sabem que 28% é pouco e 30% é o suficiente?
Eles não sabem. Eles estipularam um número. É uma estimativa baseada em
informações, porque essa é a profissão deles, mas é também uma
estimativa influenciada por isso. A carreira deles depende da contenção
do vírus, e não da garantia de que crianças possam ir para a escola e
adultos possam ir trabalhar.
Assim, quando especialistas refletem sobre os prós e contras de uma
medida, eles levam em conta a defesa de sua profissão. Seria muito mais
fácil se os restaurantes e outras empresas abrissem com os clientes
tendo de permanecer a uma distância de dois metros, de acordo com a
recomendações da Organização Mundial da Saúde. Mas as autoridades de
saúde pública preferem se garantir aumentando a distância. Elas não
sabem quantas vidas serão salvas e com certeza não sabem quantas
empresas decretarão falência por causa dessas medidas. Não é função
delas saber essas coisas.
Por mais “científicos” que pareçam, contudo, elas são influenciadas
pelas mesmas tendências irracionais e incentivos perversos dos políticos
e jornalistas. Ao criar modelos matemáticos e apresentar seus dados,
elas são recompensadas pelo pessimismo, porque previsões assustadoras
chamam mais atenção, geram mais financiamento de pesquisas e lhes dá
mais poder. O cenário mais pessimista pode ser implausível, mas é digno
de manchete e garante que ninguém culpará as autoridades por não terem
previsto todas as mortes possíveis causadas pelo vírus.
Os danos colaterais das medidas de isolamento em todo os Estados
Unidos talvez já sejam mais letais do que a pandemia em si, como
concluíram Scott Atlas, do Hoover Institution, e outros pesquisadores.
Eles estimam que as consequências do desemprego, da falta de
acompanhamento médico e de outros fatores durante os dois meses de
isolamento causarão tantas mortes que os norte-americanos perderão,
juntos, o equivalente a 1,5 milhão anos de vida, quase duas vezes mais
do que o que se perdeu até aqui com a Covid-19. Essas mortes não
aparecem na contagem de corpos feita pela imprensa, então não consta das
medidas tomadas com base em “ciência e dados” de Cuomo e outros
políticos.
Cuomo prefere ouvir seus consultores sem se incomodar com as
limitações deles – tampouco com seu histórico. Um deles, Samir Bhatt, é
membro da equipe do Imperial College que criou o muito citado (e muito
criticado) modelo matemático que projetava, no pior dos casos, que mais
de 2 milhões de norte-americanos poderiam morrer por causa do vírus.
Essa projeção nunca foi realista e o principal autor do projeto fez
várias previsões exageradas em pandemias passadas, mas Cuomo e outros
políticos confiaram no modelo do Imperial College para guiar suas
decisões.
Em março, Cuomo analisou os números e disse que o estado de Nova York
em breve precisaria de 110 mil leitos para pacientes com Covid-19 no
auge da pandemia — mais de duas vezes a capacidade instalada. Na verde, a
quantidade de leitos ocupados no pico da pandemia, em abril, acabou
ficando abaixo dos 20 mil, menos da metade da capacidade instalada. Mas
as autoridades estaduais temiam tanto ficar sem leitos que mandaram que
os hospitais liberassem quartos transferindo pacientes com Covid-19 para
asilos. Para evitar um desastre futuro, eles causaram um desastre
presente ao permitirem que o vírus se espalhasse rapidamente em asilos,
matando milhares de pessoas.
Ainda assim, a fé de Cuomo nos especialistas permaneceu inabalada,
como explicou ele numa coletiva de imprensa recente na qual apresentou
os consultores do estado. Ele concordou que os modelos matemáticos não
tinham sido “100% precisos” — o que é um eufemismo, considerando que
eles erraram em 90 mil a estimativa de leitos necessários para os
pacientes com Covid-19. Mas deixe para lá. Temos de continuar tendo fé
nos novos oráculos.
“Numa época tão dividida pela política, eleições e toda essa
porcaria”, disse Cuomo, “estamos exercitando a ciência e a matemática”.
Sim, isso envolve ciência e matemática, mas é também um exercício de transferência de responsabilidade.
John Tierney é colaborador do City Journal e colunista de ciência no New York Times.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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