Leonardo Coutinho, via Gazeta, sobre a parceria entre os dois regimes totalitários:
Cinco petroleiros iranianos estão a caminho da Venezuela. O país
latino-americano é dono das maiores reservas de petróleo do planeta, mas
não é capaz de tirar do solo o óleo que precisa e muito menos refiná-lo
para transformá-lo em gasolina. Há anos, os venezuelanos sofrem com a
escassez de combustível e nos últimos meses o quadro se agravou.
O paradoxo venezuelano não tem relação alguma com as sanções que o
país vem recebendo recentemente por causa das constantes violações aos
direitos humanos, patrocínio ao crime transnacional – cuja lista vai do
tráfico de drogas, passando pela lavagem de dinheiro e suporte ao
terrorismo – e desprezo às regras da democracia.
Quando Hugo Chávez assumiu a presidência, em 1999, a Venezuela tinha
uma produção diária de 3,1 milhões barris de petróleo. Desde então, o
país experimentou uma queda constante na capacidade de extração. E hoje,
a PDVSA processa menos de 800 mil barris diários. Cerca de 75% menos
que há 21 anos. O colapso foi provocado pelo sucateamento das
instalações e pelo aparelhamento da estatal petroleira.
Os cerca de 1,5 milhão de barris de gasolina iraniana que estão a
caminho da Venezuela não são suficientes para suprir um mês da demanda
local. Tampouco o valor que será pago pela carga ajudará o Irã a superar
as várias crises que enfrenta: política e econômica que foram agravadas
pelo fato de o país ter sido um dos epicentros da pandemia de
coronavírus. O movimento do regime dos aiatolás tem outro significado.
A frota que singra o oceano rumo aos portos venezuelanos tem como
missão principal elevar a temperatura no lado de cá do planeta. Os
aiatolás pretendem exportar, juntamente com os tanques abarrotados de
gasolina, a confusão que eles criaram no Estreito de Ormuz, região por
onde passa 30% da produção de petróleo e que é um foco constante de
atrito entre o regime teocrático iraniano e democracias ocidentais.
Há exatos dois anos, o Irã passou a sequestrar navios em Ormuz,
patrocinou atentados contra embarcações e instalações petroleiras da
Arábia Saudita e alimentou grupos insurgentes aliados que infernizam a
vida dos sauditas.
No final do ano passado, milícias iraquianas financiadas pelo Irã
cometeram uma série de atentados contra alvos americanos no Iraque que
culminaram com a tentativa de invasão da embaixada em Bagdá. Um cenário
que muitos viram como pré-guerra depois que os Estados Unidos reagiram
com um ataque cirúrgico que matou o super general iraniano Qasem
Soleimani, que era quem comandava as operações terroristas do Irã no
exterior.
Qual é a estratégia iraniana na Venezuela? No pior dos cenários para
eles, será uma interceptação da frota que permitirá ao mundo condenar
uma possível ação americana como anti-humanitária. Por que isso é
importante?
Desde abril, embarcações da marinha dos Estados Unidos patrulham o
mar do Caribe em uma operação para o bloqueio de atividades ilícitas da
Venezuela. Desde que Nicolás Maduro e alguns dos principais nomes de seu
regime foram denunciados por narcotráfico pelo governo americano, o
Estado venezuelano formalmente passou a ser tratado como um falido. E
uma máquina de exportação de crime e instabilidade. Os americanos
resolveram agir. Não só dificultam as ações militares no Caribe, como
passam a exercer um certo nível de pressão militar ao regime.
Maduro ofereceu ao presidente iraniano Hassan Rouhani a possibilidade
de colocar entre os americanos e a Venezuela os petroleiros. Rouhani
sabe que, se a Marinha dos Estados Unidos interceptar os navios ou
determinar um desvio de rota, o gesto poderá servir para nutrir a
propaganda de que o problema da Venezuela não é resultado direto do
regime ditatorial de seu aliado Maduro, mas da desumanidade gringa. Em
meio a uma pandemia, privam os venezuelanos de acesso ao combustível.
Rouhani pode, também, exportar para as franjas dos Estados Unidos e
para bem longe de suas fronteiras a tensão que eles criaram em Ormuz.
Este seria o melhor cenário para os aiatolás. E que, por mais pura
ironia, conta com a torcida da oposição venezuelana.
Nas mais variadas frentes opositoras na Venezuela há um clima de
vale-tudo para derrubar Nicolás Maduro. O desejo é legítimo e urgente,
mas o clima de desespero os coloca em uma posição de vulnerabilidade.
Os golpes fracassados, as alianças com chavistas infiltrados e até a
torcida para uma guerra servem de referência para medir a falta de rumo
da Venezuela. Quem se nutre disso é o regime que jamais perdeu a
capacidade de engolfar seus adversários que quase sempre embarcam nos
planos desenhados no Palácio de Miraflores.
A novidade do momento é a campanha por uma coalisão militar que
derrube o ditador bigodudo. “Antes que Teerã instale mísseis na
Venezuela e inicie uma nova crise dos mísseis”, é o mantra opositor.
A dupla Maduro e Rouhani está pagando para ver. Uma escalada militar
na região só servirá aos interesses de ambos. Querem ver os presidentes
dos Estados Unidos, Colômbia e Brasil enrolados em um problema cuja
solução não é simples e cujos efeitos, associados ao que o coronavírus
já está provocando na região, podem arrastar a região para o precipício.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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