Está em curso um movimento com o propósito de eliminar as distinções
biológicas entre homens e mulheres e dessexualizar a gravidez. E o termo
“mulher grávida” passa a ser visto como excludente. Artigo do professor
Frank Furedi para a Oeste:
Há alguns dias, sir Andrew McFarlane, presidente da Divisão de
Família da Alta Corte Britânica, decidiu que uma pessoa transexual de
Kent, que deu à luz com a ajuda de tratamentos de fertilidade, não pode
ser registrada na certidão de nascimento como pai da criança.
Devido a uma crescente confusão sobre quem é e quem não é pai ou mãe,
o juiz sentiu-se obrigado a fornecer a primeira definição legal de mãe
na lei comum inglesa. Para variar, o senso comum prevaleceu, e ele
determinou que a maternidade está relacionada à gravidez e ao parto. E
decidiu que alguém que dá à luz a um bebê é legalmente a mãe e não pode,
depois, insistir em ser registrado como pai.
Bem-vindo a um novo mundo, em que um número cada vez maior de pessoas
transexuais insiste que tem o direito de decidir se são a mãe ou o pai
de seus filhos! Neste novo mundo, as cortes, os políticos e os ativistas
trans muitas vezes conseguem dissociar a ideia de maternidade e
paternidade da distinção biológica entre homem e mulher. Na Holanda, por
exemplo, “homens trans” que têm sistema reprodutivo e dão à luz podem
ser registrados como pais.
Isso pode ser novidade para os brasileiros, mas quase todo o mundo
ocidental está sendo assolado por uma cultura de confusão relacionada a
gênero e sexo: uma cultura que questiona a biologia. Para o
establishment cultural ocidental, a diferenciação tradicional não é
apenas antiquada. Ela é discriminatória. Aqueles de nós que ainda
acreditam que a distinção tradicional entre homem e mulher não é um
costume arbitrário, mas a base da vida humana e familiar, muitas vezes
enfrentam a acusação de que suas opiniões perigosas representam uma
ameaça para a saúde mental das pessoas trans.
Qualquer um que ouse questionar o consenso trans da elite cultural
ocidental se torna alvo de uma cruzada contra a visão tradicional da
distinção biológica entre homem e mulher. Na Europa, o governo húngaro é
constantemente vilanizado por estar considerando uma lei que revogue o
reconhecimento legal de pessoas transgênero. O objetivo do projeto de
lei é garantir que, uma vez que o sexo da pessoa seja registrado por um
cartório húngaro, não seja possível mudar o gênero legalmente
reconhecido. O governo da Hungria está sofrendo forte pressão
internacional para abrir mão do plano. Foi acusado de levar pessoas
trans ao suicídio. A comissária de Direitos Humanos do Conselho da
Europa, Dunja Mijatović, solicitou que o Parlamento húngaro não adote a
lei e afirmou que a medida feria a jurisprudência da corte europeia de
direitos humanos.
O projeto de eliminar a distinção sexual entre masculino e feminino
também voltou suas forças para eliminar a conexão entre mulheres
biológicas e o ato de parir.
Em um mundo em que alguém que deu à luz pode afirmar ser o pai não é
uma surpresa descobrir que o termo “mulher grávida” com frequência é
criticado como excludente. A orientação da Associação Médica Britânica
(BMA, na sigla em inglês) sobre “linguagem inclusiva” aconselha que seus
leitores evitem o termo estereotipado “mulher grávida”. Por quê?
Porque, apesar de “uma vasta maioria de pessoas que engravidam se
identificarem como mulheres”, aparentemente existem “homens intersexo e
trans que podem engravidar”. A BMA aconselha que, por uma questão de
linguagem inclusiva, convém utilizar o termo “pessoas grávidas”.
Considerando o fato de que quase todas as gestações envolvem alguém em
poder de seu órgão reprodutor feminino, a tentativa de eliminar o termo
mulher grávida é amparada pelo imperativo de dissociar as mulheres da
maternidade.
Dessexualizar a gravidez constitui o estágio seguinte na campanha
para eliminar a distinção entre homens e mulheres. Um artigo recente de
David Fontana e Naomi Schoenbaum na Columbia Law Review questiona a
“gravidez sexuada”. O texto, “Unsexing Pregnancy”, trata principalmente
de dessexualizar o trabalho assistencial. No entanto, ao questionarem a
gravidez como uma “experiência sexuada única para as mulheres”, os
autores implicitamente reformulam a experiência em termos sexualmente
neutros. Outros foram além. Jessica A. Clarke sugere que a “lei pode ver
a gestação não como algo que só acontece com o corpo das mulheres, mas
também como uma situação corporal vivenciada por pessoas que não se
identificam como mulheres”.[i]
Eles também gostariam de ver mudanças na terminologia de “mulheres
afetadas pela gravidez” ou “mães gestacionais” para “pessoas afetadas
pela gravidez” ou “progenitor gestacional”. Mudar a linguagem de vida
cotidiana cumpre o objetivo de alterar a cultura. “Mudanças semânticas
teriam um expressivo valor ao deixar claro que todas as pessoas grávidas
merecem inclusão”, argumenta Clarke.
Infelizmente, essa retórica de inclusão torna a maternidade invisível
e insignificante, e a gravidez, um feito técnico realizado por
indivíduos neutros binários dessexuados.
A subordinação das diferenças de sexo biológicas ao imperativo da
neutralidade binária transforma a concepção e o ato de trazer crianças
ao mundo em um melodrama construído socialmente. Como sempre, serão os
frutos desse experimento de inclusão que pagarão o preço pela confusão
dos mais velhos.
As tentativas de diminuir as distinções biológicas e dessexualizar a
gravidez têm enormes implicações para a identidade humana. Quando as
pessoas puderem obter reconhecimento legal para mudar sua certidão de
nascimento de modo a refletir o desejo de alterar seu sexo, uma verdade
fundamental sobre a vida se perde. Mais importante, ao reescrever uma
certidão de nascimento, a importância e o significado desse documento
são banalizados. Quando o ato de nascer pode ser reescrito e sujeitado a
uma constante reinterpretação, a certidão de nascimento de todo mundo
perde sua importância simbólica. A questão aqui não é simplesmente o que
as pessoas trans fazem com a própria vida, mas como sua demanda pela
dessexualização da gravidez muda nossa vida.
Frank Furedi é professor emérito de
Sociologia na Universidade de Kent, na Inglaterra. Colunista da Spiked
Magazine, é autor de livros considerados clássicos sobre temas como
medo, paranoia e guerra cultural, como How Fear Works (2018) e First
World War — Still No End in Sight (2016). Lançará no próximo mês Why
Borders Matter: Why Humanity Must Relearn the Art of Drawing Borders
(Routledge).
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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