Sexta-feira não houve novidades sobre o menino Rui, a menina Joacine e o
almocreve, o que não augura nada de bom, pelo menos no que toca ao
divertimento do povo. A crônica semanal de Alberto Gonçalves no Observador:
Era uma vez o Rui, um menino inteligente que repetia na internet as
coisas inteligentes que o professor doutor Louçã dizia na televisão. De
tanto repetir coisas inteligentes, o menino Rui ganhou um concurso do
tipo “Quem Quer Ser Milionário?” ou “Preço Certo” e foi para Bruxelas,
que é um lugar distante onde pessoas inteligentes como o menino Rui
decidem coisas para melhorar as vidas de todos nós. Além de inteligente,
o menino Rui é generoso, e deu um bocadinho do salário para ajudar
outros meninos a serem tão inteligentes quanto ele. Por azar, um dia o
menino Rui zangou-se com o professor doutor Louçã e deixou de ser sócio
da associação a que ambos pertenciam. Porém, o menino Rui não quis
desapontar os outros meninos e manteve o emprego e o salário.
Quando o emprego acabou, o menino Rui ficou aborrecido e inventou uma
associação só dele para continuar a espalhar dinheiro e ser útil à
humanidade. Desgraçadamente, os azares sucederam-se, e o menino Rui
perdeu todos os concursos seguintes, e as respectivas estadias em
Bruxelas, Lisboa ou até nos arredores de Torre de Moncorvo. Após vários
concursos perdidos, a associação do menino Rui, que é o menino Rui,
lembrou-se de mandar aos concursos uma criatura que não fosse o menino
Rui. Escolheram a menina Joacine, que é da Guiné e que, sempre que
começa a falar, desata a fazer barulhos esquisitos, às vezes iguaizinhos
aos de um helicóptero, às vezes parecidos com um modem de 1995. O
primeiro resultado é que nunca ninguém ouviu o que ela quer dizer. O
segundo resultado é que a estratégia funcionou em cheio, e a menina
Joacine ganhou um concurso para ficar na Assembleia da República, que é
um lugar onde pessoas inteligentes como o menino Rui decidem coisas para
melhorar as vidas de todos nós. Não sei se a menina Joacine é
inteligente porque não sei se imitar helicópteros é sinal de
inteligência.
De qualquer maneira, burra é que a menina Joacine não é: logo no
primeiro dia de trabalho, conseguiu um almocreve para lhe carregar a
bolsa. Toda a gente se riu do saiote que o almocreve vestia, mas os
senhores educados informaram o povo de que o saiote é moderno. Quando o
meu vizinho Armando saiu à rua em pelota e de galochas, não houve quem
explicasse à ambulância do INEM que o Armando estava apenas a seguir as
tendências da moda. Por causa disso, o infeliz vive no Magalhães Lemos
vai para seis meses.
Um só mês bastou para estragar a harmonia entre o menino Rui e a
menina Joacine, e entre o almocreve da menina Joacine e a Terra em peso.
A princípio, tudo corria bem. O menino Rui festejou aos gritos a
vitória da menina Joacine, que arranjou uma hérnia de muito se baixar
para abraçá-lo. A menina Joacine passeava jovialmente pelo parlamento, a
denunciar o racismo do país que a elegeu deputada. E o almocreve
visitava o programa da Cristina – ou do Goucha, um desses que o meu
vizinho Armando via antes do internamento e continua a ver depois. De
repente, a catástrofe.
A catástrofe começou com uma proposta do PCP para o parlamento
criticar Israel. Dado que a associação do menino Rui é a favor dos gays,
a menina Joacine tinha obviamente de defender a Palestina, que pega nos
gays e os enfia na cadeia ou no cemitério. Ora a menina Joacine
confundiu-se com tamanha clareza programática e fez uns telefonemas ao
“grupo de contacto” (não estou a brincar: eles estão). Visto que não a
atenderam, ou julgaram que a rede estava com cortes, a menina Joacine
preferiu abster-se. O menino Rui ficou fulo com a menina Joacine. A
menina Joacine ficou fula com o menino Rui. O almocreve vestiu um
trapinho à pressa e sentou-se ao twitter.
Vamos por partes. O menino Rui, que é rancoroso, convenceu os
amiguinhos dele a correr com a menina Joacine da associação. A menina
Joacine, que é danada, jurou que não saía da associação nem do
parlamento. De pirraça, entrou justamente no parlamento sem falar a uma
jornalista que a maçava com questões. O almocreve, com traje indefinido,
chamou um GNR para escoltar o sagrado recato da menina Joacine. De
seguida, negou tudo e, para pôr água na fervura, afirmou que os
jornalistas padecem de “desordens mentais” por culpa do “mercantilismo”
ou assim. Não satisfeito, o almocreve, que não sabe escrever em
português e era leitor de português, explicou que a “cultura de
trabalho” da menina Joacine é “uma cultura de descanso, no sentido
intelectual do termo.” No sentido intelectual do termo, o almocreve não
regula bem. Algures no meio destes imbróglios, a menina Joacine falhou
os prazos para entregar uma proposta de alteração da lei da
nacionalidade, decerto porque cumpri-los colidia com a cultura do
descanso.
Hoje, sexta-feira, não houve novidades sobre o menino Rui, a menina
Joacine e o almocreve, o que não augura nada de bom, pelo menos no que
toca ao divertimento do povo. Entretanto, um menino fundador da
associação fundada pelo menino Rui anunciou que ia embora, notando que a
decisão da saída, suponho que ao contrário da entrada, “não foi fácil
nem leviana”. Um segundo menino fundador da associação fundada pelo
menino Rui confessou sentir “vergonha” da “telenovela”. Eu não sinto
vergonha: sinto falta. Mais, por favor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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