Na esteira da investigação, empresas quebram e demitem, e a crise tende a piorar
Eduardo Otubo/Flickr
Os efeitos da paralisia no setor de petróleo estendem-se a outras áreas
"Fomos surpreendidos.
Pensávamos viver um ciclo de desenvolvimento, mas a interrupção abrupta
do crescimento recente da economia foi um tiro num pássaro em pleno
voo”, compara Magno Lavigne, presidente da central sindical União Geral
dos Trabalhadores na Bahia, ao comentar as demissões em massa no
estaleiro Enseada, um investimento de 2,6 bilhões de reais, o maior do
estado, no município de São Roque do Paraguaçu. Dos 7,2 mil
trabalhadores, 5,7 mil foram dispensados e 600 entraram em férias
compulsórias em consequência do atraso de dois meses nos pagamentos da
Sete Brasil às construtoras Odebrecht e Queiroz Galvão.
A normalização ficou mais distante com a
alusão feita a um suposto pagamento de propina pela companhia, no
depoimento de delação premiada de Pedro José Barusco Filho, ex-gerente
de engenharia da Petrobras e ex-diretor da Sete Brasil, na quinta-feira
5. A denúncia de Barusco sobre um esquema de contratação de obras
mediante propina, montado em 1998 (a Sete Brasil foi criada em 2011),
fez o BNDES adiar a decisão sobre o financiamento para a próxima gestão
do banco. “Não há dinheiro. As subcontratadas pediram aos sindicatos o
parcelamento dos pagamentos exigidos nas homologações das dispensas.
Isso não acontecia desde a crise de 1998. O sindicato teve de ajudar
alguns companheiros ainda empregados no estaleiro. Eles estão sem
receber e não tinham os 3,50 reais da passagem do ferry boat para voltar às suas casas em Salvador”, diz o dirigente.
Os problemas
extrapolam o estaleiro e a crise da Petrobras. O diretor da Federação
Metalúrgica da Bahia, Aurino Pedreira, dirigente da Central de
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, registrou 300 demissões em
empresas de manutenção e montagem por problemas de renovação de aditivos
de contratos com fornecedoras da Petrobras denunciadas na Lava Jato.
Pedreira anotou ainda 140 demissões com o fechamento da aciaria do Grupo
Gerdau em novembro, 200 dispensas na Bosch no ano passado e 70 em
outras metalúrgicas do estado. O caso baiano é uma amostra dos problemas
da cadeia de petróleo e gás, acentuados pela estagnação da economia no
Brasil e no mundo, por uma crise de suprimento de água e energia no
País, o pacote fiscal recessivo e a elevação dos juros reais, enquanto
nas principais economias do mundo as taxas continuam negativas para
estimular a recuperação.
A redução da atividade econômica desde
2013 diminuiu a arrecadação dos estados e os novos governadores
anunciaram cortes de 13 bilhões de reais neste ano, dispensas de
funcionários incluídas. A desaceleração tende a se agravar com o novo
aperto no crédito do BNDES, a redução dos estímulos à exportação e a
revisão da desoneração da folha de pagamento planejados pelo governo. As
projeções de crescimento do PIB passaram de um crescimento pífio para
zero ou negativo.
O ambiente complicado na economia tem
sido agravado pelos desdobramentos das investigações da Lava Jato. Ao
atingir as maiores empreiteiras do País, a operação provocou um efeito
dominó de paralisia das grandes obras Brasil afora. A mais recente
vítima foi a construção do Rodoanel, em São Paulo. As empreiteiras se
preparam para diminuir de tamanho, talvez recuar para as dimensões de
dez ou 15 anos atrás, e já colocaram vários ativos à venda. Os
financiamentos minguaram, pois nenhum banco quer se comprometer com
empresas sob investigação.
Em janeiro, a
Sete Brasil pediu autorização do governo para arrendar sondas e
plataformas no mercado internacional e substituir as empreiteiras
envolvidas na Lava Jato. “Punir responsáveis com culpa provada está
certo, mas há empresas brasileiras de notável capacidade técnica
demitindo. Isso terá uma repercussão social enorme”, avalia o presidente
do Clube de Engenharia do Brasil, Francis Bogossian.
“Se há uma falha de origem nesse processo
é fazer licitação especialmente com recursos públicos, na administração
direta ou indireta, sem definição do que está sendo comprado. No caso
da Petrobras, uma lei própria, do tempo de FHC, dispensa diversos passos
e ritos da Lei nº 8.666, para permitir uma maior rapidez na contratação
e execução das obras. Mas na hora em que você afrouxa, abre as
porteiras, pode acontecer tudo. Defendemos a nova lei em discussão no
Congresso, com subordinação das obras de licitação feitas com dinheiro
público à apresentação de projeto completo”, diz o presidente do
Sindicato da Arquitetura e da Engenharia, José Roberto Bernasconi.
“Boa parte da engenharia hoje
é comprada fora. Um exemplo é o Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro, o Comperj, que adquiriu engenharia na Índia. Outro é o da
Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Conta-se nos dedos as empresas de
engenharia brasileiras incluídas nos grandes projetos”, aponta José
Ricardo Roriz Coelho, diretor da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo.
No estratégico setor de bens de capital, a
situação é grave, relata o presidente da Associação Brasileira da
Indústria de Máquinas e Equipamentos, a Abimaq, Carlos Pastoriza. “Há
400 fornecedoras habituais do setor de óleo e gás, com mais de 200
milhões de reais a receber. A Lava Jato atende a uma necessidade de
limpar a casa, mas desqualificar as empresas brasileiras e contratar lá
fora é a pá de cal na indústria nacional. Isso dará adiante numa crise
do setor externo.”
Os aplausos justificáveis às
investigações deixam em segundo plano aspectos importantes da lei
anticorrupção, que imputa responsabilidade à pessoa jurídica e aos seus
dirigentes por ato contra a administração pública. “Toda vez que houver a
pessoa jurídica e seus dirigentes envolvidos em atos de corrupção, há
sua responsabilização objetiva, portanto independentemente da culpa, no
sentido estrito ou de dolo. Outro problema tem a ver com a palavra
dirigente, inexistente no vocabulário do Direito Societário. Neste, todo
o arcabouço técnico de imputação de responsabilidade refere-se a
administradores ou acionistas e é preciso sempre investigar o nexo de
causa entre a conduta e a consequência. Isso aqui revoga a lei de S.A.,
de certa forma. Quem é dirigente? Não sei, porque esse termo não existe
no Direito Societário, então é qualquer pessoa que estiver ali”, diz
Walfrido Jorge Warde Júnior, sócio da Lehmann, Warde & Monteiro de
Castro Advogados. “O Brasil precisa de uma lei anticorrupção. Mas não
uma lei imprecisa e frouxa, que atira para todos os lados, causa
insegurança e no fim do dia é aplicada do jeito que a mediocridade
predominante a compreende. Não se sabe o que vai acontecer.”
Para a indústria, a recessão começou faz
tempo. Em 2014, a atividade do setor recuou 3,2%. Em São Paulo, maior
parque industrial, a queda atingiu 6,2%, próximo da redução histórica de
7,4% em 2009, no auge da crise global.
A diminuição do número de postos de trabalho em todos os
setores econômicos em dezembro chegou a 1,34%, equivalente à eliminação
de 555,5 mil empregos, em um retrocesso inferior apenas àquele de 1,87%
ocorrido em dezembro de 2008, correspondente ao corte de 655 mil vagas,
segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.
A preocupante situação do emprego mostra
que está em jogo, além do futuro da economia, o principal capital
político dos governos do PT desde 2002, uma sustentação popular em um
grau só atingido há mais de 60 anos, no governo de Getúlio Vargas.
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