MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 17 de março de 2022

POR QUE HÁ GAYS CONSERVADORES?

 


 

Bernardo Guimarães Ribeiro

 

Como se diz frequentemente, não há respostas simples para questões complexas. Por isso, talvez esse texto seja maior do que a maioria se disponha a ler. Por outro lado, aos que se dedicarem a avançar, as possíveis explicações ao menos terão o condão de gerar inquietação. E, se isso for feito, terei atingido um dos objetivos.

A primeira premissa que devemos ter bem assentada é a de que a sexualidade de um indivíduo representa apenas uma pequena parte do conjunto de valores que possui – trabalho, estudo, esporte, lazer, amizades, família, propósitos de vida, envolvimento em projetos sociais, religiosidade, tudo são circunstâncias que permeiam sua existência. Ademais, a história de vida de uma pessoa projeta-se sobre suas ações: “Eu sou eu e minha circunstância”, dizia Ortega y Gasset. Clodovil – que era gay – costumava referir-se à sua sexualidade como apenas uma nota de rodapé do livro da sua vida. Ele com certeza sabia o que estava dizendo: a vida tinha inúmeras outras condições mais importantes que a orientação sexual.

Do tempo de Clodovil para hoje, muita coisa mudou. A causa LGBT tornou-se uma pauta política, tendo a sexualidade e suas decorrências sido elevadas a um patamar prioritário no modus vivendi. Deixava de ser mais uma das circunstâncias humanas para ser a única, ao menos para a militância e para os divisionistas que exploram o ressentimento tribalista como mote para declarar guerra ao mundo. Esse turning point alterou a rota da humanidade, inaugurando mais um grupo identitário, a favor do qual todo e qualquer gay deveriam militar, sob pena de banimento do clã. A emergência desse fenômeno tribal, na medida em que condensou um movimento, excluiu dissidentes, sobretudo os gays que teimavam em permanecer com sua nota de rodapé em vez de delegar a faculdade de raciocinar à militância. Em que medida nasce essa dissidência é o que conjecturo a seguir.

Para compreender um pouco melhor, recorro ao método utilizado pelo psicólogo e professor norte-americano Jonathan Haidt[1], que, após muitos experimentos sociais e pesquisas, concluiu que a matriz moral humana se assenta basicamente em seis pilares: cuidado/dano; liberdade/opressão; justiça/trapaça; lealdade/traição; autoridade/subversão; e pureza/degradação. A partir desses alicerces, Haidt avaliou o grau de relevância de cada um em relação às ideologias. Gays ativistas (progressistas) normalmente são conectados de uma forma muito mais robusta com os pilares do cuidado/dano e da liberdade/opressão, ao passo que conferem menor importância aos demais esteios morais, até mesmo se contrapondo a alguns eles, como autoridade e lealdade. No entanto, há uma parcela considerável de homossexuais cujo padrão moral não é tão restrito e condensado, mostrando-se mais equitativo na atribuição de relevância. Haidt explica que a matriz moral conservadora encontra-se mais bem distribuída entre as diversas tipologias, contemplando as seis facetas de uma forma equivalente.

Posta essa premissa, já podemos extrair uma conclusão muito óbvia: uma pessoa que tenha consolidados valores morais das seis vertentes dificilmente será tragada para um grupo identitário. Logo, sua compreensão de mundo tende a ser ampla e menos tribal. Disso decorre que, ainda que se trate de um homossexual, não colocará sua sexualidade em primeiro plano, devendo identificar-se menos com pautas do endogrupo e mais com valores compartilhados com toda a sociedade – em suma, os seis tipos de moral. Um indivíduo assim pode ser patriota e nacionalista (alicerce da lealdade), contrária a qualquer política pública que privilegie minorias (alicerce da justiça), defensora de estruturas sociais rígidas (alicerce da autoridade) e extremamente tradicionalista, religiosa e defensora da família (alicerce da pureza). Por seu turno, indivíduos homossexuais demasiadamente envolvidos com a coesão do seu grupo, tendem a canalizar toda a sua base moral a favor, por exemplo, de agendas inclusivas (alicerce da liberdade). É desse entendimento – e apenas dele – que podemos, sem qualquer dúvida, depreender por que há gays conservadores.

Costuma-se afirmar serem os conservadores preconceituosos. Aceitamos a crítica em certa medida, uma vez que a aversão ao novo não deixa de representar certo preconceito. Por outro lado, não me consta que progressistas o sejam em menor medida. Em inúmeros debates que enfrentei em minha vida, foi com progressistas que tive as piores experiências em termos de preconceito: ser chamado de branco, heterossexual e representante do patriarcado é normalmente a fórmula de censura preferida, um artifício nada democrático eleito como meio de interditar o debate. “Lugar de fala”, dizem eles; eu chamo de “fascismo identitário”, parafraseando o conterrâneo Antônio Risério[2]. Falar sobre preconceito é sempre muito difícil devido ao tabu envolvido, mas o preconceito é apenas defesa e ele se estabelece em quaisquer dos lados de um debate moral.

Avancemos para uma segunda etapa de entendimento a respeito do conservadorismo gay. A terceira onda do feminismo, ocorrida já neste século, trouxe a noção de identidade de gênero para a mesa de debate. Se a primeira onda buscava a igualdade entre os sexos, a segunda tentou desconstruir os papéis sociais de cada sexo. Mas, percebam que, até então, falava-se em sexo. Como explicam Helen Pluckrose e James Lindsay[3], até a segunda onda do feminismo, o movimento preservava as “categorias estáveis”. Com a terceira onda, o caráter de gênero tornou fluidas as acepções estanques de sexo, promovendo uma verdadeira revolução conceitual – a última relação que tomei conhecimento já contava com mais de 80 categorias de gênero catalogadas. Mas o que isso tem a ver com o conservadorismo e os homossexuais?

Homossexualidade é uma condição humana. Ocorre que ela está, assim como a heterossexualidade, assentada em “categorias estáveis” do binômio homem/mulher. Isto é, o gay se vê como homem, assim como a lésbica se entende mulher. Nenhum dos dois nega a sua condição biofisiológica. A fluidez de gênero, por seu turno, destrói essas “categorias estáveis”, introduzindo elementos subjetivos que visam a alterar a realidade objetiva. Assim, mesmo o homossexual pode ter uma postura extremamente cética em relação aos novos arranjos sociais de gênero, justamente por abolirem a própria condição humana binária. Dessa forma, a utilização de banheiros, as disputas em competições esportivas e programas de inclusão para transsexuais constituem cenários de privilégio para certos grupos não extensíveis aos cidadãos em geral que podem contar com a resistência até mesmo dos homossexuais, numa postura nitidamente conservadora por colidir com seus valores.

Isto posto, a genealogia do conservadorismo entre homossexuais parece acomodar-se sobre essas duas conjecturas apresentadas: uma, ligada à matriz de valores morais e uma outra, mais posicional, que percebe com desconfiança e incerteza as tentativas de modificação da realidade objetiva por desejos unicamente pessoais. Seja por uma, seja por outra – moralidade ou ceticismo –, ambas laboram na linha conservadora, o que corrobora, ao cabo, dois postulados bastante esquecidos na atualidade: o de que, antes, somos todos humanos e a única minoria é mesmo o indivíduo.

[1]A Mente Moralista – Por que pessoas boas são segregadas por política e religião

[2]Sobre o Relativismo Pós-moderno e a Fantasia Fascista da Esquerda Identitária

[3]Teorias Cínicas Críticas – Como a Academia e o ativismo tornam raça, gênero e identidade o centro de tudo. E por que isso prejudica todos.

*        Este e muitos outro conteúdos conservadores você encontra em https://www.burkeinstituto.com

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