BLOG ORLANDO TAMBOS
A ideologia bolsonarista e as atitudes do presidente são orientadas pela definição da política, elaborada por Carl Schmitt, teórico do nazismo, em seu livro O Conceito do Político, como sendo o campo do enfrentamento entre amigos e inimigos. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:
O
ambiente político está cada vez mais bisonho. Fala-se de um suposto
embate entre conservadores e liberais no atual governo, como se lá
existissem no sentido estrito do termo. Segundo esta versátil narrativa,
adaptável segundo as circunstâncias, o presidente e os seus ministros
se eximem de qualquer responsabilidade, como se nada fosse de culpa
deles, tudo sendo sempre atribuído a outros. Podem ser o “sistema”, o
“establishment”, o “comunismo” ou qualquer outra bobagem do mesmo tipo.
Na verdade, se não há uma verdadeira política liberal no atual governo, é
porque não há nenhuma vontade de que isso aconteça. Não corresponde à
ideologia e aos interesses que o presidem.
A
ideologia bolsonarista e as atitudes do presidente são orientadas pela
definição da política, elaborada por Carl Schmitt, teórico do nazismo,
em seu livro O Conceito do Político, como sendo o campo do enfrentamento
entre amigos e inimigos. Há sempre a necessidade de um inimigo,
qualquer que seja, real ou fictício, que deve ser eliminado, nos casos
extremos pela morte do oponente. O outro é sempre responsável pelos
fracassos presentes, devendo, por isso mesmo, ser eliminado, seja
simbolicamente, seja fisicamente. Segundo essa concepção, o governante
deveria estar continuamente designando um inimigo a ser abatido, podendo
ser o sistema, os judeus, os negros, os homossexuais, a burguesia, os
reacionários, e assim por diante. Note-se, ainda, que tal
conceitualização do político não é própria somente da extrema direita,
mas também da esquerda, como frisado pelo próprio autor, quando, nos
anos 70 do século passado, elogiava Lenin e Mao por terem formulado e
aplicado a mesma definição. Ela está, assim, presente nas políticas
bolsonarista e petista, quando esta última pauta suas ações pelo “nós
contra eles” e pelos “progressistas contra os reacionários”.
Tal
enfoque faz, inclusive, com que os fatos sejam totalmente ocultados e
deformados, pela simples razão de que devem se enquadrar em tal
concepção. Ainda recentemente, recorre-se ao discurso de que as
privatizações não foram feitas de acordo com o prometido, numa
estapafúrdia cifra de R$ 1 trilhão, porque haveria uma
“social-democratização” do Estado brasileiro. Ora, o governo que mais
privatizou na história recente do País foi o dos social-democratas, o do
governo Fernando Henrique Cardoso, com um enorme sucesso, mudando os
rumos do País. Ou seja, os social-democratas foram liberais, enquanto a
extrema direita no poder mantém posições estatistas, além de atentar
contra o funcionamento democrático das instituições.
O
liberalismo, por definição, é uma filosofia política fundada num
complexo sistema de liberdades. O liberalismo político está calcado na
separação de Poderes, no Estado Democrático de Direito, na tolerância
religiosa, no secularismo, na propriedade privada, na economia de
mercado e no respeito às liberdades individuais e aos direitos humanos.
Um dos seus principais postulados reside na democracia e no consequente
imperativo de restrição da ação do Estado sobre os indivíduos. Em suas
acepções política e econômica, está alicerçado na liberdade de escolha,
individual e empresarial, construindo a partir dela um Estado
democrático de direito, baseado no respeito aos contratos. Em sua
história, o liberalismo chega a se confundir com o processo de criação
de um Estado submetido a regras e uma sociedade esclarecida.
A
ideia de conservadorismo está voltada, por sua vez, à conservação de um
determinado estado de coisas, de uma tradição. Tal definição implica,
naturalmente, que o conservadorismo varie muito de país a país em
virtude dos diferentes contextos de cada nação. Contudo, uma definição
universalizável se mantém em praticamente todas as experiências
conservadoras: a defesa de um desenvolvimento gradual do tecido social
graças a uma evolução administrada e lenta da sociedade, da economia e
da política, assim bloqueando qualquer radicalismo político. Na tradição
britânica, o conservadorismo está associado diretamente à preservação
das instituições parlamentaristas, dos valores da tradição política e do
respeito ao rule of law.
À
luz dessas distinções, torna-se ainda mais difícil situar o governo
Bolsonaro, seja como liberal, seja como conservador. Atenta
sistematicamente contra as instituições e à separação dos Poderes,
conduz uma política obscurantista de combate à pandemia, negando a
ciência e os seus resultados. O presidente não demonstra nenhuma
compaixão para com o próximo, ironizando a sorte dos mortos e doentes,
não tendo jamais visitado um hospital das vítimas da covid, um
anticonservador nesse sentido. Apresenta-se, ainda, como um “mito”, um
líder infalível que fala diretamente com o “povo”, como se sempre
tivesse razão, embora essa possa ser desconhecida para o vulgo. E ainda
prega a irresponsabilidade fiscal, defendendo um governo que deveria
agir sem nenhum tipo de controle. Liberal? Conservador?
Moro: "Um trapalhão no Kremlin".
O ex-ministro da Justiça classificou o encontro de Jair Bolsonaro com Vladimir Putin como um constrangimento diplomático; Estados Unidos e Europa temem que a Rússia invada a Ucrânia a qualquer momento. Estadão:
O ex-ministro e pré-candidato à Presidência Sérgio Moro (Podemos) criticou a viagem do presidente Jair Bolsonaro
(PL) à Rússia e chamou o chefe do Executivo de “trapalhão” nesta
segunda-feira, 14. Em publicação nas redes sociais, o presidenciável
classificou a visita a Moscou como um constrangimento diplomático para o
País, referindo-se à escalada da tensão entre o Kremlin e a Ucrânia.
“Bolsonaro
tem a incrível capacidade de estar no lugar errado e na hora errada.
Sua inexplicável ida à Rússia neste momento nos antagoniza com todo o
Ocidente e é mais um constrangimento para a diplomacia brasileira”,
publicou Moro.
Epicentro da maior crise diplomática internacional em curso, o país de Vladimir Putin
tem seus movimentos acompanhados com atenção pelo mundo ocidental. Em
uma conversa de uma hora por telefone no último fim de semana, o
presidente dos EUA, Joe Biden,
ameaçou o russo de impor “rápidas e severas sanções” ao país em caso de
invasão da Ucrânia. Outros países da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan), como a França, também acompanham de perto a
eminência de um confronto.
Bolsonaro
justifica sua viagem à Rússia como uma oportunidade para “estreitar
laços diplomáticos e comerciais” com o país. A visita começou a ser
planejada em dezembro do ano passado. Segundo o mandatário brasileiro, o
convite partiu de Putin. O chefe do Planalto tem evitado tomar partido
na crise entre a Rússia e o Ocidente.
“O
Brasil depende de grande parte de fertilizantes da Rússia. Levaremos um
grupo de ministros também para tratarmos de outros assuntos”, disse o
presidente no último sábado, 12.
domingo, 13 de fevereiro de 2022
Uma entrevista de 17 minutos com o tirano chavista
Em livro, jornalista mexicano narra os 17 minutos de entrevista com o venezuelano Nicolás Maduro. Até ser detido e deportado sem a gravação. Silvio Navarro para a Oeste:
Dezessete
minutos. Esse foi o tempo que o jornalista mexicano Jorge Ramos
permaneceu com sua equipe de vídeo diante do ditador venezuelano Nicolás
Maduro até ouvir a ordem: “Esta entrevista não tem nenhum sentido, nem
para você nem para mim. Acho que é melhor suspendê-la. Ouviu?”. Em
seguida, os equipamentos de gravação foram confiscados e os
profissionais, detidos.
O
relato da entrevista está no recém-publicado 17 Minutos — Entrevista
com o Ditador (Editora Hábito). O encontro com Maduro ocorreu no dia 25
de fevereiro de 2019. Jornalista experiente, Ramos é colunista em
dezenas de jornais e vive como imigrante nos Estados Unidos, onde é
âncora dos programas Noticiero Univision e Al Punto. Já havia conseguido
entrevistar outros tiranos na carreira, como Fidel Castro e Hugo
Chávez. Este é o seu 14º livro.
Segundo
Ramos, o estopim para a crise com Maduro ocorreu quando mostrou a ele
imagens captadas por seu cinegrafista nas ruas de Caracas. Três homens
se penduravam num caminhão de lixo em busca de restos de comida. Depois
de interromper a gravação, o ditador se levantou e deixou a sala do
Palácio Miraflores. Imediatamente, o ministro das Comunicações, Jorge
Rodrígues, reagiu aos gritos: “Esta não foi a entrevista que
autorizamos!”.
Em
seguida, Rodrígues determinou que os seguranças “recolhessem tudo”. Não
só três cartões de memória das câmeras, como também aparelhos
celulares, para evitar que os jornalistas entrassem em contato com
autoridades diplomáticas. “Nada sai daqui!”, disse o ministro, já na
companhia de Tareck El Aissami, chefe do gabinete de Petróleo da
Venezuela (PDVSA), e de Delcy Rodrígues, vice de Maduro.
Pessoas comendo lixo nas ruas
No
meio da confusão, o autor relata ter ouvido outras palavras de ordem,
como “Vocês odeiam a revolução” e “Tirem esses maricas do palácio”. Mas
não deu tempo de sair da sede do governo. Eles foram colocados por
agentes à paisana numa outra sala, descrita como uma espécie de “quarto
para as sentinelas”. O objetivo era localizar a existência de outros
possíveis celulares. Foi nesse instante que uma das integrantes da
equipe de reportagem efetuou uma chamada-relâmpago para a direção da
emissora nos Estados Unidos. Só deu tempo de dizer que estavam detidos.
O
primeiro contato diplomático foi feito com o embaixador dos Estados
Unidos na Colômbia, que estava reunido com o então vice-presidente, Mike
Pence. A informação se espalhou rapidamente nas redes sociais. Segundo o
autor, a pressão evitou que fossem levados para uma prisão. Depois de
três horas, foram enviados de volta aos EUA.
Na
obra, Jorge Ramos narra que uma de suas preocupações era com a primeira
pergunta. O motivo: assim como Hugo Chávez, seu padrinho e antecessor,
Maduro herdou do cubano Fidel Castro o hábito de falar sem pausas nem
permitir cortes durante horas a fio. Decidiu começar com uma leve
provocação: “Como devo chamá-lo?”, foi o primeiro questionamento. A
pergunta oculta: o senhor é presidente ou ditador?
“Eu
me chamo Nicolás”, foi a resposta. “Só tenho um nome. Sou um
trabalhador, um homem simples, popular. Fui eleito e reeleito
presidente.”
Depois
de três minutos, a temperatura subiu. “Você é opositor de direita”,
acusou Maduro. Mais alguns minutos de fala e as acusações do ditador
começaram a voar: “Militante de oposição”, “Não é jornalista”, “É
estrangeiro”.
Há
ainda diversas passagens nas quais Ramos parece tirar Maduro do sério
com perguntas que chegam ao limite da provocação. Se o personagem não
fosse um tirano como Maduro, a abordagem rude poderia ser questionada.
Os três eixos da entrevista eram: a lista com 400 presos políticos, o
fato que 52 países não o reconhecerem como presidente legítimo e,
especialmente, as imagens de pessoas comendo restos nas ruas. “Leve o
seu lixo daqui. Você vai engoli-lo com uma Coca-Cola”, esbravejou o
venezuelano.
“Muitas pessoas em risco”
Durante
meses, a equipe do Unavision discutiu se, com base nas anotações feitas
em blocos de papel, seria possível reconstituir a entrevista e
publicá-la. Alguns trechos chegaram a ser noticiados. Mas havia o temor
de que fosse desmentida — o venezuelano diria que aqueles 17 minutos
nunca aconteceram.
O
autor afirma que a “operação para recuperar a entrevista pôs muitas
pessoas em risco”. Ele se refere a venezuelanos que o ajudaram
secretamente a buscar o material apreendido.
O
resgate das imagens só aconteceu porque os jornalistas descobriram que a
conversa havia sido registrada também por câmeras oficiais da sala de
imprensa do Palácio Miraflores. Ou seja, o próprio governo tinha uma
cópia. A operação para conseguir tirá-la dos arquivos foi complexa e
teve a ajuda de funcionários até hoje não identificados da antessala de
Maduro. A cópia percorreu três países até chegar às mãos da direção da
emissora. O pendrive com o conteúdo estava disfarçado com a etiqueta
fictícia: “Estreia Netflix”.
Traduzido
recentemente para o português, o livro do jornalista mexicano é um
exemplo de como governos — sejam mais ou menos ditatoriais — e muita
vezes o Judiciário ameaçam acabar com a liberdade de imprensa. No
Brasil, um dos partidos que vai às urnas em outubro já deixou explícito
que, se eleito, pretende instituir a censura disfarçada de “controle
social da mídia”.
Um livro de política para céticos entusiastas
Óscar Buznego comenta, para La Nueva España, o livro de Judith Shklar "Governo da lei e liberalismo do medo", tradução lançada no ano passado:
Poco
después de irse al exilio, Francisco Ayala reunió bajo el título “Los
usurpadores” unos cuantos relatos breves, a los que añadió un curioso
prólogo, firmado por él mismo con seudónimo, en el que a modo de
aclaración previa advierte al lector que el tema central del libro se
condensa en el siguiente enunciado: “El poder ejercido por el hombre
sobre su prójimo es siempre una usurpación”. La frase inclina a definir
el poder como un mal necesario. Resulta evidente, entonces, que la
fórmula admite muchas excepciones, porque según la circunstancia el
poder también cumple la imprescindible función de organizar la vida en
común y con frecuencia protege y presta servicios en beneficio de los
individuos y de la sociedad. Claro que allí donde se establece un poder
se presenta indefectiblemente el peligro del abuso, la humillación y el
sufrimiento. El asalto perpetrado por los talibanes es un ejemplo
perfecto de usurpación y del aspecto temible que puede adoptar el poder.
La
crueldad y el miedo marcaron la existencia de Judith Sklar y son los
grandes temas de su obra, como ella misma expone en “El aprendizaje de
una vida”, un relato autobiográfico apasionante, repleto de andanzas
vitales y buenas ideas. Nacida en la capital de Letonia en 1928, judía
de ascendencia alemana, pudo escapar de una persecución nazi segura en
un vagón del transiberiano camino de Japón, hasta llegar finalmente a
Estados Unidos. Vivió en carne propia las penurias que aquel país
reservaba a los inmigrantes. No obstante se estableció allí, fue la
primera mujer que ocupó una cátedra de ciencia política en Harvard, y
consiguió prestigio académico y notoriedad pública. A partir de su
experiencia personal, una afición insaciable a la lectura de todos los
géneros y con una curiosidad intelectual sin límites, acabó elaborando
una de las teorías políticas del liberalismo más compleja y original.
Aunque se le han puesto muchos nombres, liberalismo sin ilusiones,
escéptico, minimalista, triste y un largo etcétera, es conocida sobre
todo como “liberalismo del miedo” y está expuesta con claridad y
sencillez en uno de los textos que ahora se publican y que es
recomendable leer en orden inverso al que están dispuestos en esta
edición.
El liberalismo de Sklar es político, cosmopolita y el más comprometido. Combate las utopías, rechaza el nacionalismo y recela de las identidades tribales, abomina de las teorías abstractas y sistemáticas, y somete el formalismo del Estado de derecho a una ducha de realidad. No se propone la realización del bien, porque en sociedades tan heterogéneas como las nuestras no cabe el consenso en torno a las normas morales. El objetivo del orden político debe consistir en evitar la injusticia y el dolor, cuyo origen no está circunscrito a las arbitrariedades del poder, sino que se extiende a las desigualdades sociales. El principio que inspira su obra es la libertad individual, pero acto seguido sostiene que solo la democracia la hace posible.
El
liberalismo que defiende Sklar parece resignado, estar a la defensiva y
conformarse con un logro menor, pero, por el contrario, lo distingue
precisamente su carácter exigente. Condena al poder y al individuo por
complicidad cuando reaccionan con indiferencia ante la injusticia y
advierte a los ciudadanos que deben mantenerse en estado permanente de
alerta si quieren frenar los desmanes del poder.
A
diferencia de Hayek y Arendt, dos popes del liberalismo con los que ha
sido comparada, Sklar se preocupa por los daños que ocasiona el mercado y
pide que se escuche a los de abajo y se tengan en cuenta los sinsabores
aparejados a su posición. Este enfoque acerca el liberalismo a la
socialdemocracia por una ruta que no había sido explorada antes. No es
la única aportación de su obra, que resulta muy sugerente en cada
párrafo aunque fuera truncada por un ataque al corazón cuando estaba
alcanzando la plenitud. Los desengañados de la política hallarán en sus
páginas un motivo para no abandonar.
Polêmicas vazias a serviço da estupidez das redes sociais
O sucesso prematuro pode levar a cegueira mesmo com muito dinheiro. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
Há
um equívoco conceitual grave entre os jovens liberais no Brasil, fruto
da péssima formação do debate liberal entre nós, recusado pelas
universidades, e dominado por empresários e afins que limitaram quase
sempre o repertório à liberdade de mercado e seus interesses. O
resultado está aí. Cada dia uma polêmica vazia aparece que serve a
estupidez comum das redes sociais e afins.
O caso Monark
é paradigmático. Monark do Flow não é nazista ou antissemita, mas errou
feio. Convergem vários fatores na sua estúpida defesa recente da
liberdade de expressão para um partido nazista no Brasil.
Primeiro,
o sucesso deveria ser permitido apenas a pessoas com mais de 40 anos. O
sucesso é um fator corrosivo da nossa capacidade de visão de mundo, de
avaliação do ridículo que nos cerca e nos constitui, e da dúvida que
sempre devemos alimentar para com nossas próprias certezas. Um jovem não
enxerga nada disso, na sua imensa maioria. Confunde ganhar dinheiro e
sucesso com entender o "segredo último das coisas e do mundo".
O sucesso prematuro na vida, como é o caso do Monark e
de muitos outros como ele, facilmente destrói um maior cuidado na lida
com o mundo e as pessoas. Produz o que ele mesmo chamou no seu vídeo de
desculpas de "insensibilidade". O sucesso prematuro pode levar a
cegueira mesmo com muito dinheiro.
Outro
elemento é o ethos das redes sociais. Afora os evidentes ganhos que a
acessibilidade das redes gera, elas, de fato, alimentam a imbecilidade,
como dizia Umberto Eco (1932-2016). E aqui, não me refiro ao caso Monark
especificamente. Basta acompanhar comentários aos textos e vídeos para
ver essa imbecilidade claramente. As redes praticam uma linguagem pobre e
agressiva. Enfim, uma semântica para o uso dos idiotas ressentidos.
Por exemplo, nos comentários ao vídeo em questão são muito claros a elegância e cuidado com os quais a deputada Tabata Amaral
se move diante dos argumentos descabidos do podcaster —fala devagar,
usa as ideias de forma consistente, respeita a fala do outro.
Corretíssima no seu argumento contra o absurdo da defesa da legalidade
do partido nazista, ela, ainda assim, foi objeto de críticas cretinas
nos comentários.
Às
redes só interessa xingar, linchar e mostrar falsos repertórios. Não há
esperança nenhuma de que as redes venham a desenvolver maturidade nas
sociedades porque a cada minuto entram milhões de idiotas nelas.
Outro
elemento é a estética "clube da luta" —refiro-me ao filme "Clube da
Luta"— que marca os espaços físicos dos podcasts. Essa estética "clube
da luta" faz parecer que encher a cara, fumar maconha e chutar o balde
24 horas por dia é cool e faz de você um ser livre.
Mas, além desses reparos de contexto, há o equívoco essencial de jovens liberais como Monark.
A fetichização da ideia de liberdade, e, por tabela, de liberdade de
expressão. Não existe nenhum valor absoluto, e os jovens liberais no
Brasil tem brincado com ideias.
A
liberdade, como tudo mais no âmbito moral e político, é segunda, sendo
ela determinada por fatores de contexto, de linguagem, de leis, de
história, de economia, de política, enfim, uma série exaustiva de
fatores. A liberdade não é um valor absoluto, talvez nenhum seja. Mesmo
não matar é relativizado em revoluções ou guerras para aqueles que as
defendem. Essa relatividade da moral e da política nos ocupa o tempo
todo, de forma exaustiva.
Para
os jovens de esquerda a vida é fácil. Conceitos claros se mesclam a
fatos históricos sólidos: desigualdade social, escravidão, racismo, e
outros, dão a esses jovens a possibilidade de circular com facilidade em
temas políticos e sociais.
Já
o os jovens liberais, acabam por querer seduzir outros jovens falando
que são mais loucos do que todo mundo, como disse Monark a Tabata
Amaral, e que defendem uma liberdade irrestrita quando todo valor é
contextualmente condicionado, como bem nos mostrou o filósofo liberal
Isaiah Berlin (1909–1997) de forma definitiva.
Parabéns a Tabata Amaral pela elegante defesa da razão.
Judith Shklar e o liberalismo do medo
As raízes do liberalismo, segundo a pensadora norte-americana, estão na consciência de que a crueldade é o mal absoluto e no espanto ante os abusos do poder. Ramón González Férris para Política e Prosa:
No
existe en el vocabulario político mundial ninguna palabra tan
polisémica como «liberalismo». Para la derecha estadounidense, es una
forma de izquierdismo elitista cercano al socialismo. Para la izquierda
española o la francesa, se trata más bien de una visión del mundo que
exige impuestos bajos y flirtea con el autoritarismo conservador. En una
entrevista reciente, Vladímir Putin identificaba el liberalismo con un
régimen que concede una visibilidad desproporcionada a los homosexuales y
siempre da la bienvenida a los inmigrantes. Para The Economist, la
revista del liberalismo global, este es, como dice su lema, simplemente
el bando que, «en el agrio enfrentamiento entre la inteligencia» y la
«ignorancia indigna y asustadiza», opta por el lado del progreso. Pero,
¿qué es en realidad el liberalismo?
En
el transcurso de su vida intelectual, Judith Shklar intentó definir una
visión particular de este. Al igual que en el caso de otros grandes
pensadores del liberalismo del siglo XX, como Isaiah Berlin, Hannah
Arendt o Friedrich Hayek, las ideas de Shklar siempre estuvieron
vinculadas a su experiencia biográfica. Como ellos, sufrió en primera
persona los estragos políticos del autoritarismo de los años treinta y
cuarenta y consiguió refugio en una sociedad libre occidental. En parte
por eso, vinculó la democracia a lo que llamó «el liberalismo del
miedo». Hoy en día, tras los excesos de los mercados mal regulados, y en
pleno auge de los movimientos autoritarios de derechas y de las
tentaciones antipluralistas de una parte de la izquierda, quizá la de
Shklar sea la interpretación más útil de esta palabra ambigua.
Nacida en Riga, Letonia, en 1928, en una familia judía de cultura alemana, Shklar abandonó el país en 1939, al inicio de la Segunda Guerra Mundial, ante el riesgo de que se produjera una invasión nazi o soviética. En su huida, la familia pasó por Suecia, Japón, Estados Unidos —donde fue retenida por haber estado antes en un país con el que estaba en guerra— y, finalmente, llegó a Canadá. Tras licenciarse allí, en 1950 obtuvo un doctorado en Ciencia Política en Harvard, donde se convirtió en la primera mujer en ocupar una cátedra de pensamiento político.
Ya
desde el principio de su carrera, en la que estudiaría desde los
pensadores de la Ilustración a los estragos del racismo o los «vicios
ordinarios» de la humanidad y su reflejo en la literatura a lo largo de
la historia, la obra de Shklar contrastó con el optimismo democrático de
la guerra fría: la convicción generalizada no solo de que el
liberalismo era un rival moralmente superior al comunismo, cosa que ella
compartía, sino que su potencial económico, basado en la innovación
tecnológica y la ambición inherente al ser humano, era ilimitado. Shklar
consideraba que esa visión del liberalismo imperante en los Estados
Unidos de la época era triunfalista, excesivamente ambiciosa y que, en
realidad, se trataba más bien de una excusa que impedía la autocrítica y
ocultaba los numerosos problemas políticos y morales del país,
empezando por el racismo. Shklar defendió en varios libros y artículos
que, pese a sus innumerables fallos, la democracia constitucional era el
sistema preferible. Pero lo hizo enfrentándose a algunos de los
argumentos más populares de entonces como los de Friedrich Hayek, cuya
obra gozaba en ese momento de una enorme influencia.
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