MEDIÇÃO DE TERRA

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sábado, 5 de março de 2022

Liberais e conservadores

 

BLOG  ORLANDO TAMBOS


A ideologia bolsonarista e as atitudes do presidente são orientadas pela definição da política, elaborada por Carl Schmitt, teórico do nazismo, em seu livro O Conceito do Político, como sendo o campo do enfrentamento entre amigos e inimigos. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:


O ambiente político está cada vez mais bisonho. Fala-se de um suposto embate entre conservadores e liberais no atual governo, como se lá existissem no sentido estrito do termo. Segundo esta versátil narrativa, adaptável segundo as circunstâncias, o presidente e os seus ministros se eximem de qualquer responsabilidade, como se nada fosse de culpa deles, tudo sendo sempre atribuído a outros. Podem ser o “sistema”, o “establishment”, o “comunismo” ou qualquer outra bobagem do mesmo tipo. Na verdade, se não há uma verdadeira política liberal no atual governo, é porque não há nenhuma vontade de que isso aconteça. Não corresponde à ideologia e aos interesses que o presidem.

A ideologia bolsonarista e as atitudes do presidente são orientadas pela definição da política, elaborada por Carl Schmitt, teórico do nazismo, em seu livro O Conceito do Político, como sendo o campo do enfrentamento entre amigos e inimigos. Há sempre a necessidade de um inimigo, qualquer que seja, real ou fictício, que deve ser eliminado, nos casos extremos pela morte do oponente. O outro é sempre responsável pelos fracassos presentes, devendo, por isso mesmo, ser eliminado, seja simbolicamente, seja fisicamente. Segundo essa concepção, o governante deveria estar continuamente designando um inimigo a ser abatido, podendo ser o sistema, os judeus, os negros, os homossexuais, a burguesia, os reacionários, e assim por diante. Note-se, ainda, que tal conceitualização do político não é própria somente da extrema direita, mas também da esquerda, como frisado pelo próprio autor, quando, nos anos 70 do século passado, elogiava Lenin e Mao por terem formulado e aplicado a mesma definição. Ela está, assim, presente nas políticas bolsonarista e petista, quando esta última pauta suas ações pelo “nós contra eles” e pelos “progressistas contra os reacionários”.

Tal enfoque faz, inclusive, com que os fatos sejam totalmente ocultados e deformados, pela simples razão de que devem se enquadrar em tal concepção. Ainda recentemente, recorre-se ao discurso de que as privatizações não foram feitas de acordo com o prometido, numa estapafúrdia cifra de R$ 1 trilhão, porque haveria uma “social-democratização” do Estado brasileiro. Ora, o governo que mais privatizou na história recente do País foi o dos social-democratas, o do governo Fernando Henrique Cardoso, com um enorme sucesso, mudando os rumos do País. Ou seja, os social-democratas foram liberais, enquanto a extrema direita no poder mantém posições estatistas, além de atentar contra o funcionamento democrático das instituições.

O liberalismo, por definição, é uma filosofia política fundada num complexo sistema de liberdades. O liberalismo político está calcado na separação de Poderes, no Estado Democrático de Direito, na tolerância religiosa, no secularismo, na propriedade privada, na economia de mercado e no respeito às liberdades individuais e aos direitos humanos. Um dos seus principais postulados reside na democracia e no consequente imperativo de restrição da ação do Estado sobre os indivíduos. Em suas acepções política e econômica, está alicerçado na liberdade de escolha, individual e empresarial, construindo a partir dela um Estado democrático de direito, baseado no respeito aos contratos. Em sua história, o liberalismo chega a se confundir com o processo de criação de um Estado submetido a regras e uma sociedade esclarecida.

A ideia de conservadorismo está voltada, por sua vez, à conservação de um determinado estado de coisas, de uma tradição. Tal definição implica, naturalmente, que o conservadorismo varie muito de país a país em virtude dos diferentes contextos de cada nação. Contudo, uma definição universalizável se mantém em praticamente todas as experiências conservadoras: a defesa de um desenvolvimento gradual do tecido social graças a uma evolução administrada e lenta da sociedade, da economia e da política, assim bloqueando qualquer radicalismo político. Na tradição britânica, o conservadorismo está associado diretamente à preservação das instituições parlamentaristas, dos valores da tradição política e do respeito ao rule of law.

À luz dessas distinções, torna-se ainda mais difícil situar o governo Bolsonaro, seja como liberal, seja como conservador. Atenta sistematicamente contra as instituições e à separação dos Poderes, conduz uma política obscurantista de combate à pandemia, negando a ciência e os seus resultados. O presidente não demonstra nenhuma compaixão para com o próximo, ironizando a sorte dos mortos e doentes, não tendo jamais visitado um hospital das vítimas da covid, um anticonservador nesse sentido. Apresenta-se, ainda, como um “mito”, um líder infalível que fala diretamente com o “povo”, como se sempre tivesse razão, embora essa possa ser desconhecida para o vulgo. E ainda prega a irresponsabilidade fiscal, defendendo um governo que deveria agir sem nenhum tipo de controle. Liberal? Conservador?
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Moro: "Um trapalhão no Kremlin".


O ex-ministro da Justiça classificou o encontro de Jair Bolsonaro com Vladimir Putin como um constrangimento diplomático; Estados Unidos e Europa temem que a Rússia invada a Ucrânia a qualquer momento. Estadão:


O ex-ministro e pré-candidato à Presidência Sérgio Moro (Podemos) criticou a viagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) à Rússia e chamou o chefe do Executivo de “trapalhão” nesta segunda-feira, 14. Em publicação nas redes sociais, o presidenciável classificou a visita a Moscou como um constrangimento diplomático para o País, referindo-se à escalada da tensão entre o Kremlin e a Ucrânia.

“Bolsonaro tem a incrível capacidade de estar no lugar errado e na hora errada. Sua inexplicável ida à Rússia neste momento nos antagoniza com todo o Ocidente e é mais um constrangimento para a diplomacia brasileira”, publicou Moro.

Epicentro da maior crise diplomática internacional em curso, o país de Vladimir Putin tem seus movimentos acompanhados com atenção pelo mundo ocidental. Em uma conversa de uma hora por telefone no último fim de semana, o presidente dos EUA, Joe Biden, ameaçou o russo de impor “rápidas e severas sanções” ao país em caso de invasão da Ucrânia. Outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como a França, também acompanham de perto a eminência de um confronto.

Bolsonaro justifica sua viagem à Rússia como uma oportunidade para “estreitar laços diplomáticos e comerciais” com o país. A visita começou a ser planejada em dezembro do ano passado. Segundo o mandatário brasileiro, o convite partiu de Putin. O chefe do Planalto tem evitado tomar partido na crise entre a Rússia e o Ocidente.

“O Brasil depende de grande parte de fertilizantes da Rússia. Levaremos um grupo de ministros também para tratarmos de outros assuntos”, disse o presidente no último sábado, 12.
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domingo, 13 de fevereiro de 2022

Uma entrevista de 17 minutos com o tirano chavista


Em livro, jornalista mexicano narra os 17 minutos de entrevista com o venezuelano Nicolás Maduro. Até ser detido e deportado sem a gravação. Silvio Navarro para a Oeste:


Dezessete minutos. Esse foi o tempo que o jornalista mexicano Jorge Ramos permaneceu com sua equipe de vídeo diante do ditador venezuelano Nicolás Maduro até ouvir a ordem: “Esta entrevista não tem nenhum sentido, nem para você nem para mim. Acho que é melhor suspendê-la. Ouviu?”. Em seguida, os equipamentos de gravação foram confiscados e os profissionais, detidos.

O relato da entrevista está no recém-publicado 17 Minutos — Entrevista com o Ditador (Editora Hábito). O encontro com Maduro ocorreu no dia 25 de fevereiro de 2019. Jornalista experiente, Ramos é colunista em dezenas de jornais e vive como imigrante nos Estados Unidos, onde é âncora dos programas Noticiero Univision e Al Punto. Já havia conseguido entrevistar outros tiranos na carreira, como Fidel Castro e Hugo Chávez. Este é o seu 14º livro.


Segundo Ramos, o estopim para a crise com Maduro ocorreu quando mostrou a ele imagens captadas por seu cinegrafista nas ruas de Caracas. Três homens se penduravam num caminhão de lixo em busca de restos de comida. Depois de interromper a gravação, o ditador se levantou e deixou a sala do Palácio Miraflores. Imediatamente, o ministro das Comunicações, Jorge Rodrígues, reagiu aos gritos: “Esta não foi a entrevista que autorizamos!”.

Em seguida, Rodrígues determinou que os seguranças “recolhessem tudo”. Não só três cartões de memória das câmeras, como também aparelhos celulares, para evitar que os jornalistas entrassem em contato com autoridades diplomáticas. “Nada sai daqui!”, disse o ministro, já na companhia de Tareck El Aissami, chefe do gabinete de Petróleo da Venezuela (PDVSA), e de Delcy Rodrígues, vice de Maduro.

Pessoas comendo lixo nas ruas

No meio da confusão, o autor relata ter ouvido outras palavras de ordem, como “Vocês odeiam a revolução” e “Tirem esses maricas do palácio”. Mas não deu tempo de sair da sede do governo. Eles foram colocados por agentes à paisana numa outra sala, descrita como uma espécie de “quarto para as sentinelas”. O objetivo era localizar a existência de outros possíveis celulares. Foi nesse instante que uma das integrantes da equipe de reportagem efetuou uma chamada-relâmpago para a direção da emissora nos Estados Unidos. Só deu tempo de dizer que estavam detidos.

O primeiro contato diplomático foi feito com o embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, que estava reunido com o então vice-presidente, Mike Pence. A informação se espalhou rapidamente nas redes sociais. Segundo o autor, a pressão evitou que fossem levados para uma prisão. Depois de três horas, foram enviados de volta aos EUA.


Na obra, Jorge Ramos narra que uma de suas preocupações era com a primeira pergunta. O motivo: assim como Hugo Chávez, seu padrinho e antecessor, Maduro herdou do cubano Fidel Castro o hábito de falar sem pausas nem permitir cortes durante horas a fio. Decidiu começar com uma leve provocação: “Como devo chamá-lo?”, foi o primeiro questionamento. A pergunta oculta: o senhor é presidente ou ditador?

“Eu me chamo Nicolás”, foi a resposta. “Só tenho um nome. Sou um trabalhador, um homem simples, popular. Fui eleito e reeleito presidente.”

Depois de três minutos, a temperatura subiu. “Você é opositor de direita”, acusou Maduro. Mais alguns minutos de fala e as acusações do ditador começaram a voar: “Militante de oposição”, “Não é jornalista”, “É estrangeiro”.

Há ainda diversas passagens nas quais Ramos parece tirar Maduro do sério com perguntas que chegam ao limite da provocação. Se o personagem não fosse um tirano como Maduro, a abordagem rude poderia ser questionada. Os três eixos da entrevista eram: a lista com 400 presos políticos, o fato que 52 países não o reconhecerem como presidente legítimo e, especialmente, as imagens de pessoas comendo restos nas ruas. “Leve o seu lixo daqui. Você vai engoli-lo com uma Coca-Cola”, esbravejou o venezuelano.


“Muitas pessoas em risco”

Durante meses, a equipe do Unavision discutiu se, com base nas anotações feitas em blocos de papel, seria possível reconstituir a entrevista e publicá-la. Alguns trechos chegaram a ser noticiados. Mas havia o temor de que fosse desmentida — o venezuelano diria que aqueles 17 minutos nunca aconteceram.

O autor afirma que a “operação para recuperar a entrevista pôs muitas pessoas em risco”. Ele se refere a venezuelanos que o ajudaram secretamente a buscar o material apreendido.

O resgate das imagens só aconteceu porque os jornalistas descobriram que a conversa havia sido registrada também por câmeras oficiais da sala de imprensa do Palácio Miraflores. Ou seja, o próprio governo tinha uma cópia. A operação para conseguir tirá-la dos arquivos foi complexa e teve a ajuda de funcionários até hoje não identificados da antessala de Maduro. A cópia percorreu três países até chegar às mãos da direção da emissora. O pendrive com o conteúdo estava disfarçado com a etiqueta fictícia: “Estreia Netflix”.

Traduzido recentemente para o português, o livro do jornalista mexicano é um exemplo de como governos — sejam mais ou menos ditatoriais — e muita vezes o Judiciário ameaçam acabar com a liberdade de imprensa. No Brasil, um dos partidos que vai às urnas em outubro já deixou explícito que, se eleito, pretende instituir a censura disfarçada de “controle social da mídia”.


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Um livro de política para céticos entusiastas


Óscar Buznego comenta, para La Nueva España, o livro de Judith Shklar "Governo da lei e liberalismo do medo", tradução lançada no ano passado:


Poco después de irse al exilio, Francisco Ayala reunió bajo el título “Los usurpadores” unos cuantos relatos breves, a los que añadió un curioso prólogo, firmado por él mismo con seudónimo, en el que a modo de aclaración previa advierte al lector que el tema central del libro se condensa en el siguiente enunciado: “El poder ejercido por el hombre sobre su prójimo es siempre una usurpación”. La frase inclina a definir el poder como un mal necesario. Resulta evidente, entonces, que la fórmula admite muchas excepciones, porque según la circunstancia el poder también cumple la imprescindible función de organizar la vida en común y con frecuencia protege y presta servicios en beneficio de los individuos y de la sociedad. Claro que allí donde se establece un poder se presenta indefectiblemente el peligro del abuso, la humillación y el sufrimiento. El asalto perpetrado por los talibanes es un ejemplo perfecto de usurpación y del aspecto temible que puede adoptar el poder.

La crueldad y el miedo marcaron la existencia de Judith Sklar y son los grandes temas de su obra, como ella misma expone en “El aprendizaje de una vida”, un relato autobiográfico apasionante, repleto de andanzas vitales y buenas ideas. Nacida en la capital de Letonia en 1928, judía de ascendencia alemana, pudo escapar de una persecución nazi segura en un vagón del transiberiano camino de Japón, hasta llegar finalmente a Estados Unidos. Vivió en carne propia las penurias que aquel país reservaba a los inmigrantes. No obstante se estableció allí, fue la primera mujer que ocupó una cátedra de ciencia política en Harvard, y consiguió prestigio académico y notoriedad pública. A partir de su experiencia personal, una afición insaciable a la lectura de todos los géneros y con una curiosidad intelectual sin límites, acabó elaborando una de las teorías políticas del liberalismo más compleja y original. Aunque se le han puesto muchos nombres, liberalismo sin ilusiones, escéptico, minimalista, triste y un largo etcétera, es conocida sobre todo como “liberalismo del miedo” y está expuesta con claridad y sencillez en uno de los textos que ahora se publican y que es recomendable leer en orden inverso al que están dispuestos en esta edición.


El liberalismo de Sklar es político, cosmopolita y el más comprometido. Combate las utopías, rechaza el nacionalismo y recela de las identidades tribales, abomina de las teorías abstractas y sistemáticas, y somete el formalismo del Estado de derecho a una ducha de realidad. No se propone la realización del bien, porque en sociedades tan heterogéneas como las nuestras no cabe el consenso en torno a las normas morales. El objetivo del orden político debe consistir en evitar la injusticia y el dolor, cuyo origen no está circunscrito a las arbitrariedades del poder, sino que se extiende a las desigualdades sociales. El principio que inspira su obra es la libertad individual, pero acto seguido sostiene que solo la democracia la hace posible.

El liberalismo que defiende Sklar parece resignado, estar a la defensiva y conformarse con un logro menor, pero, por el contrario, lo distingue precisamente su carácter exigente. Condena al poder y al individuo por complicidad cuando reaccionan con indiferencia ante la injusticia y advierte a los ciudadanos que deben mantenerse en estado permanente de alerta si quieren frenar los desmanes del poder.

A diferencia de Hayek y Arendt, dos popes del liberalismo con los que ha sido comparada, Sklar se preocupa por los daños que ocasiona el mercado y pide que se escuche a los de abajo y se tengan en cuenta los sinsabores aparejados a su posición. Este enfoque acerca el liberalismo a la socialdemocracia por una ruta que no había sido explorada antes. No es la única aportación de su obra, que resulta muy sugerente en cada párrafo aunque fuera truncada por un ataque al corazón cuando estaba alcanzando la plenitud. Los desengañados de la política hallarán en sus páginas un motivo para no abandonar.
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Polêmicas vazias a serviço da estupidez das redes sociais


O sucesso prematuro pode levar a cegueira mesmo com muito dinheiro. Luiz Felipe Pondé para a FSP:


Há um equívoco conceitual grave entre os jovens liberais no Brasil, fruto da péssima formação do debate liberal entre nós, recusado pelas universidades, e dominado por empresários e afins que limitaram quase sempre o repertório à liberdade de mercado e seus interesses. O resultado está aí. Cada dia uma polêmica vazia aparece que serve a estupidez comum das redes sociais e afins.

O caso Monark é paradigmático. Monark do Flow não é nazista ou antissemita, mas errou feio. Convergem vários fatores na sua estúpida defesa recente da liberdade de expressão para um partido nazista no Brasil.

Primeiro, o sucesso deveria ser permitido apenas a pessoas com mais de 40 anos. O sucesso é um fator corrosivo da nossa capacidade de visão de mundo, de avaliação do ridículo que nos cerca e nos constitui, e da dúvida que sempre devemos alimentar para com nossas próprias certezas. Um jovem não enxerga nada disso, na sua imensa maioria. Confunde ganhar dinheiro e sucesso com entender o "segredo último das coisas e do mundo".

O sucesso prematuro na vida, como é o caso do Monark e de muitos outros como ele, facilmente destrói um maior cuidado na lida com o mundo e as pessoas. Produz o que ele mesmo chamou no seu vídeo de desculpas de "insensibilidade". O sucesso prematuro pode levar a cegueira mesmo com muito dinheiro.

Outro elemento é o ethos das redes sociais. Afora os evidentes ganhos que a acessibilidade das redes gera, elas, de fato, alimentam a imbecilidade, como dizia Umberto Eco (1932-2016). E aqui, não me refiro ao caso Monark especificamente. Basta acompanhar comentários aos textos e vídeos para ver essa imbecilidade claramente. As redes praticam uma linguagem pobre e agressiva. Enfim, uma semântica para o uso dos idiotas ressentidos.

Por exemplo, nos comentários ao vídeo em questão são muito claros a elegância e cuidado com os quais a deputada Tabata Amaral se move diante dos argumentos descabidos do podcaster —fala devagar, usa as ideias de forma consistente, respeita a fala do outro. Corretíssima no seu argumento contra o absurdo da defesa da legalidade do partido nazista, ela, ainda assim, foi objeto de críticas cretinas nos comentários.

Às redes só interessa xingar, linchar e mostrar falsos repertórios. Não há esperança nenhuma de que as redes venham a desenvolver maturidade nas sociedades porque a cada minuto entram milhões de idiotas nelas.

Outro elemento é a estética "clube da luta" —refiro-me ao filme "Clube da Luta"— que marca os espaços físicos dos podcasts. Essa estética "clube da luta" faz parecer que encher a cara, fumar maconha e chutar o balde 24 horas por dia é cool e faz de você um ser livre.

Mas, além desses reparos de contexto, há o equívoco essencial de jovens liberais como Monark. A fetichização da ideia de liberdade, e, por tabela, de liberdade de expressão. Não existe nenhum valor absoluto, e os jovens liberais no Brasil tem brincado com ideias.

A liberdade, como tudo mais no âmbito moral e político, é segunda, sendo ela determinada por fatores de contexto, de linguagem, de leis, de história, de economia, de política, enfim, uma série exaustiva de fatores. A liberdade não é um valor absoluto, talvez nenhum seja. Mesmo não matar é relativizado em revoluções ou guerras para aqueles que as defendem. Essa relatividade da moral e da política nos ocupa o tempo todo, de forma exaustiva.

Para os jovens de esquerda a vida é fácil. Conceitos claros se mesclam a fatos históricos sólidos: desigualdade social, escravidão, racismo, e outros, dão a esses jovens a possibilidade de circular com facilidade em temas políticos e sociais.

Já o os jovens liberais, acabam por querer seduzir outros jovens falando que são mais loucos do que todo mundo, como disse Monark a Tabata Amaral, e que defendem uma liberdade irrestrita quando todo valor é contextualmente condicionado, como bem nos mostrou o filósofo liberal Isaiah Berlin (1909–1997) de forma definitiva.

Parabéns a Tabata Amaral pela elegante defesa da razão.
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Judith Shklar e o liberalismo do medo


As raízes do liberalismo, segundo a pensadora norte-americana, estão na consciência de que a crueldade é o mal absoluto e no espanto ante os abusos do poder. Ramón González Férris para Política e Prosa:


No existe en el vocabulario político mundial ninguna palabra tan polisémica como «liberalismo». Para la derecha estadounidense, es una forma de izquierdismo elitista cercano al socialismo. Para la izquierda española o la francesa, se trata más bien de una visión del mundo que exige impuestos bajos y flirtea con el autoritarismo conservador. En una entrevista reciente, Vladímir Putin identificaba el liberalismo con un régimen que concede una visibilidad desproporcionada a los homosexuales y siempre da la bienvenida a los inmigrantes. Para The Economist, la revista del liberalismo global, este es, como dice su lema, simplemente el bando que, «en el agrio enfrentamiento entre la inteligencia» y la «ignorancia indigna y asustadiza», opta por el lado del progreso. Pero, ¿qué es en realidad el liberalismo?

En el transcurso de su vida intelectual, Judith Shklar intentó definir una visión particular de este. Al igual que en el caso de otros grandes pensadores del liberalismo del siglo XX, como Isaiah Berlin, Hannah Arendt o Friedrich Hayek, las ideas de Shklar siempre estuvieron vinculadas a su experiencia biográfica. Como ellos, sufrió en primera persona los estragos políticos del autoritarismo de los años treinta y cuarenta y consiguió refugio en una sociedad libre occidental. En parte por eso, vinculó la democracia a lo que llamó «el liberalismo del miedo». Hoy en día, tras los excesos de los mercados mal regulados, y en pleno auge de los movimientos autoritarios de derechas y de las tentaciones antipluralistas de una parte de la izquierda, quizá la de Shklar sea la interpretación más útil de esta palabra ambigua.


Nacida en Riga, Letonia, en 1928, en una familia judía de cultura alemana, Shklar abandonó el país en 1939, al inicio de la Segunda Guerra Mundial, ante el riesgo de que se produjera una invasión nazi o soviética. En su huida, la familia pasó por Suecia, Japón, Estados Unidos —donde fue retenida por haber estado antes en un país con el que estaba en guerra— y, finalmente, llegó a Canadá. Tras licenciarse allí, en 1950 obtuvo un doctorado en Ciencia Política en Harvard, donde se convirtió en la primera mujer en ocupar una cátedra de pensamiento político.

Ya desde el principio de su carrera, en la que estudiaría desde los pensadores de la Ilustración a los estragos del racismo o los «vicios ordinarios» de la humanidad y su reflejo en la literatura a lo largo de la historia, la obra de Shklar contrastó con el optimismo democrático de la guerra fría: la convicción generalizada no solo de que el liberalismo era un rival moralmente superior al comunismo, cosa que ella compartía, sino que su potencial económico, basado en la innovación tecnológica y la ambición inherente al ser humano, era ilimitado. Shklar consideraba que esa visión del liberalismo imperante en los Estados Unidos de la época era triunfalista, excesivamente ambiciosa y que, en realidad, se trataba más bien de una excusa que impedía la autocrítica y ocultaba los numerosos problemas políticos y morales del país, empezando por el racismo. Shklar defendió en varios libros y artículos que, pese a sus innumerables fallos, la democracia constitucional era el sistema preferible. Pero lo hizo enfrentándose a algunos de los argumentos más populares de entonces como los de Friedrich Hayek, cuya obra gozaba en ese momento de una enorme influencia.
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