BAHIA NOTICIAS
por Alexa Salomão | Folhapress
Os produtores brasileiros estão apreensivos com a oferta de
fertilizantes. Desde que a Rússia, importante fornecedor desse insumo,
invadiu a Ucrânia e passou a sofrer uma escalada de sanções, o mercado
se tornou instável. Cerca de 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil
são importados. No que se refere ao potássio a dependência é de 95%,
sendo que praticamente metade disso é fornecida por Rússia e Belarus,
país aliado a Vladimir Putin.
Um indicador da turbulência é o vai e vem da chamada lista de preços,
que retrata valores de compras e vendas entre o produtor, de um lado, e
um distribuidor ou mesmo importador, do outro. Quando as empresas
suspendem a lista, não há como comprar, seja à vista ou para encomendas,
em prazos de até seis meses.
Nas últimas semanas, listas de preços consultadas por produtores pelo
país afora oscilaram —foram suspensas, reapresentadas com valores
considerados altíssimos, e voltam a ser suspensas, numa instabilidade
constante que perturba quem planta.
"A cada movimento da guerra, as listas de preços vão e voltam, com os
valores sempre altos, mesmo com o dólar caindo; o mercado está
volátil", afirma Décio Teixeira, presidente da Aprosoja-RS, que também
planta trigo desde 1970. "Como pode um país como o Brasil, potência no
agronegócio, ter essa dependência internacional? Ficamos no oba-oba,
deixando para fazer as coisas no futuro, e o futuro chegou ligeiro para
nos cobrar."
O que mais preocupa é a escalada do preço. Segundo a Argus, uma das
maiores agências de preços do mundo, os valores dos fertilizantes
registraram aumentos expressivos desde o início do conflito envolvendo o
leste europeu. No porto, o preço de importação o MAP, fosfatado muito
utilizado no Brasil, teve alta de 35% entre 10 de fevereiro e 10 de
março. No mesmo período, o preço do MAP no mercado de Rondonópolis, no
Mato Grosso, subiu cerca de 30%. A ureia, por sua vez, teve aumento
médio de 50%.
"Existe muita especulação no mercado, e o preço está fora das
possibilidades", diz Alexandre Velho, presidente da Federarroz, entidade
do setor. "Estamos orientando o produtor a não comprar nesses
patamares, mas, se não baixar, vai inviabilizar boa parte da cultura do
arroz no Sul, e a oferta vai cair." O estado é o maior produtor nacional
de arroz, respondendo por 70% do abastecimento doméstico.
O mesmo sentimento ocorre entre produtores do Mato Grosso do Sul.
Segundo a Aprosoja-MS, o aumento do preço em relação ao segundo semestre
de 2021 já chega a 39%.
Num exercício ilustrativo, a entidade calculou gastos com
fertilizante no plantio da safrinha de milho neste primeiro semestre.
Considerando o preço do insumo no segundo semestre de 2021, o custo com
fertilizante equivale a 32 sacas por hectare. No atual patamar de
preços, porém, o custo sobe para 45 sacas.
A projeção é que o produtor do estado consiga colher em média 78
sacas por hectare, sendo assim, o gasto com fertilizante agora consome
mais da metade da safra, o que inviabilizaria a produção em muitas
propriedades. Detalhe, na safra 2020/2021, os fertilizantes
representaram 23% dos custos de produção.
Segundo o presidente da entidade, André Dobashi, cerca de 20% do
fertilizante no Mato Grosso do Sul vem da Rússia. O estado precisa de
alternativas rápidas para tapar o buraco, pois a grande maioria dos
produtores rurais ainda não fechou a compra de fertilizantes para o
cultivo da soja no final do ano, em parte devido aos preços, mas também
porque já há escassez da oferta.
A falta também foi identificada pela produtora Renata Salatini, que
cultiva soja em Paragominas, no Pará. Segundo ela, nem quem aceita o
preço alto consegue garantir o fertilizante para frente. Ela já vai
plantar a safrinha de sorgo com um resto de fertilizante que sobrou do
ano passado, mas começou a procurar e não consegue fazer encomendas para
o cultivo da soja no segundo semestre.
"Até fazem a cotação, mas não dá para fechar o pedido porque na
prática as vendas estão suspensas", afirma. "A ministra Tereza Cristina
[da Agricultura] falou que temos estoque, mas não explicou qual é o
fluxo para esse estoque chegar até a nossa mão."
O ideal para os produtores de soja é ter o fertilizante na fazenda
até agosto, sendo assim, o prazo-limite para fazer a encomenda é abril.
No ano passado, o pico de entregas ocorreu até antes, em julho.
Os pequenos produtores também estão sendo afetados. No cinturão verde
que cultiva itens de hortifrúti para a região metropolitana de São
Paulo, as revendas já alertaram produtores como Simone Silotti,
presidente da CAQ ( Cooperativa Agrícola de Quatinga) e fundadora do
#FaçaumBemINCRÍVEL, que organiza doações de alimentos para comunidades
carentes.
Segundo Simone, a informação é que os estoques estão baixos, a
reposição é lenta, o preço subiu e há risco de falta. Produtora de
alface hidropônica, que precisa de adubação praticamente diária, ela
costuma ter estoques de 45 dias, mas depois do que ouviu vai tentar
comprar o suficiente para manter a cultura por 60 dias.
Pensando no limite, já há produtores avaliando alternativas
domésticas, como usar adubos orgânicos, reduzir o volume de
fertilizantes químicos ou, no caso de propriedades com solos
enriquecidos há mais de dez anos, plantar sem fertilizantes. A
estratégia, porém, seria um último recurso, pois tende a reduzir a
produtividade e exigir maior volume de fertilizantes na safra
subsequente.
Segundo a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), as
empresas têm estoques para três meses de vendas, até maio, contando o
que já está no país. Há um esforço do governo em atuar na busca de
alternativas. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, viajou em
missão diplomática ao Canadá, maior produtor mundial de potássio, para
reforçar o interesse do Brasil em garantir o insumo.
Então, a instabilidade na oferta e nos preços não viria da falta de
produto, mas do cenário incerto: ninguém sabe quando e por quanto será
possível repor a falta dos produtos do leste europeu. Procurada para
comentar a situação do setor, a Anda não respondeu até a conclusão deste
texto.
"O mercado está estupefato, esperando", afirma o ex-ministro da
Agricultura Roberto Rodrigues. "Não há garantia de transporte na região
da guerra, e se conseguir retirar o fertilizante, não se sabe como
finalizar o pagamento." Ele lembra que o mercado de fertilizantes vem
sofrendo desde o início da pandemia, quando ocorreu uma ruptura na
cadeia de logística marítima. A guerra é um segundo golpe.
"Nos últimos dois anos, durante a pandemia, o preço subiu quase
250%", diz Marcos Jank, professor de Agronegócio Global do Insper.
"Estamos recebendo fertilizantes nos portos, a normalização é questão de
tempo, mas o custo de produção já aumentou."
A lista de produtos cujo plantio depende de fertilizantes mais caros
no segundo semestre inclui itens essenciais para as exportações do
agronegócio, para a economia nacional e para o prato dos brasileiros:
soja, arroz, feijão e parte do milho, matéria-prima também para a ração
de frangos e suínos. Jank lembra que existem ainda as culturas perenes,
que também demanda adubação periódica, como café e laranja. ?
O agrônomo Xico Graziano, que ocupou vários cargos públicos ligados à
agricultura e meio ambiente, lembra que o mercado de fertilizantes é
privado. "Quem compra e vende fertilizantes são as empresas, e são elas
que vão reorganizar a oferta global", afirma. "Mas o preço do produto
vai lá para cima, e vamos ter comida mais cara."
O mercado financeiro já está contabilizando os efeitos da guerra
sobre alimentos básicos, não apenas pela questão do insumo, mas também
pelo risco de quebra na oferta de alguns deles. Rússia e Ucrânia são
importantes produtores de trigo e milho. Na Bolsa de Chicago, a
matéria-prima do pão e do macarrão, por exemplo, já acumula alta de 42%
neste ano.
*Colaborou Clayton Castelani
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