Em Nova York, apesar de uma queda entre o ano passado e este – provavelmente atribuível à pandemia -, assaltos e homicídios têm aumentado desde que Bill de Blasio, da ala esquerdista dos democratas, assumiu a prefeitura, em 2014. Vilma Gryzinski:
“Nós
não vamos recuperar o turismo na cidade se tiver turistas levando tiros
em Times Square”. A frase é tremendamente óbvia, mas o fato de ter sido
dita por Eric Adams, cuja escolha como candidato democrata garante que
será eleito, implica numa silenciosa revolução.
Pelo
clima político vigente nos círculos mais liberais, principalmente
depois dos acontecimentos desencadeados pelo assassinato de George Floyd
por um policial, falar em necessidade de combater o crime pode ser um
atestado do mais horrível e virulento conservadorismo.
Eric
Adams tem currículo para enfrentar o problema sem medo de parecer um
brucutu de direita. Entrou para a polícia motivado por abusos que sofreu
quando jovem negro e pobre, mas não apoia o “desfinanciamento”, o corte
de verbas que a esquerda prega como solução para os casos de violência
policial.
Aposentou-se
como capitão da polícia, foi senador estadual e se elegeu para a
subprefeitura do Brooklyn. Como compete a alguém saído do centro
irradiador de todos os modismos, é vegano. Escreveu um livro sobre a
dieta radical que o salvou da insulina quando recebeu o diagnóstico de
diabetes tipo 2.
Tem
um bom capital de simpatia com o sorriso contagiante e nunca poderá ser
acusado de “privilégio branco” se propuser melhorias no combate ao
crime. Ao contrário, pode dizer durante a campanha que as políticas mais
esquerdistas defendidas por “muitos jovens brancos e afluentes”
prejudicam primordialmente as minorias “negras e marrons” – virou moda
nos Estados Unidos usar uma cor feia como marrom para definir latinos e
outros não-brancos.
Como
no Brasil, o grosso da criminalidade nas grandes cidades americanas
afeta acima de tudo os centros urbanos empobrecidos e bairros onde vivem
minorias raciais. Todas estas cidades têm prefeitos democratas há
muitas décadas e oferecem um bom argumento à oposição republicana como
exemplo de fracasso administrativo.
A
pior de todas é Chicago, onde mais de cem pessoas foram baleadas no
feriado do último Quatro de Julho. A prefeita, Lori Lightfoot, e o chefe
de polícia, David Brown, são negros. Em lugar das acusações habituais
de racismo e discriminação social, ambos agora apontam para o judiciário
por soltar criminosos indiscriminadamente – outra situação que se
parece com a do Brasil.
Em
Nova York, apesar de uma queda entre o ano passado e este –
provavelmente atribuível à pandemia -, assaltos e homicídios têm
aumentado desde que Bill de Blasio, da ala esquerdista dos democratas,
assumiu a prefeitura, em 2014.
Pequenos
comerciantes costumam estar entre os mais afetados – e muitos se
revoltaram com a leniência da justiça, que enquadrou apenas por invasão
de propriedade, uma infração sem maiores punições, os saqueadores que se
aproveitaram dos protestos antirracistas do ano passado. Outro caso de
confusão entre “justiça social” e justiça criminal.
A
situação é quase cômica em São Francisco, a ultraliberal cidade em
torno da qual vivem bilionários high tech e cujo centro abriga uma
grande quantidade de sem-tetos. Em 2014, foi aprovada uma lei estadual
segundo a qual não é processada como furto a subtração de mercadorias
até o valor de 950 dólares.
Outro
caso em que boas intenções redundam em maus resultados. Vídeos recentes
mostram a facilidade com que ladrões entram em lojas e, na maior
tranquilidade, pegam mercadorias. Um deles entra de bicicleta numa
farmácia da rede Wallgreens e se serve à vontade enchendo um saco de
lixo de produtos. Os seguranças já desistiram de chamar a polícia,
sabendo que nada será feito.
“Enquanto
ativistas liberais orientam suas políticas para combater a supremacia
branca e reivindicar justiça racial, progressistas estão descobrindo que
eleitores de cor parecem pensar de maneira um pouco diferente”,
escreveu o New York Times, pisando em ovos, com medo de ofender
suscetibilidades raciais.
Um
cientista político consultado pelo jornal descreveu como os eleitores
negros “são mais Eric Adams do que AOC” – ou Alexandria Ocasio-Cortez, a
deputada estrela da esquerda americana que apoiou uma candidata afinada
com ela para a prefeitura de Nova York.
O
próprio Eric Adams reivindicou uma posição relativamente centrista como
a saída para o Partido Democrata na eleição de novembro do ano que vem,
com o risco real de que o partido perca a maioria atual na Câmara, o
que afetaria gravemente os projetos de Joe Biden.
“Eu
sou a nova cara do Partido Democrata”, disse Adams depois da primária,
cujo resultado levou semanas para ser confirmado. “Se o partido não
reconhecer isso, vai ter problemas”.
É
claro que o futuro prefeito não vai ressuscitar a política das
“vitrines quebradas”, ou de tolerância zero com qualquer infração,
celebrizada por Rudy Giuliani nos anos noventa por ter conseguido
reduzir drasticamente a criminalidade em Nova York.
Os
tempos são outros. Eric Adams não tem a simpatia de muitos de seus
ex-colegas da polícia e vai pegar uma cidade duramente afetada pela
pandemia, com mais crime, mais população de rua, menos turistas e menos
crença em sua posição de centro urbano mais poderoso, rico e influente
do mundo.
No
ano passado, Pequim alcançou por um a posição de cidade com maior
número de bilionários – 100, contra 99 em Nova York. É um reflexo da
ascensão econômica da China, o maior fenômeno mundial do planeta dos
últimos anos. Nada que um prefeito possa mudar. Mas continuar a ter
tiroteios em Times Square não vai ajudar em nada a cidade legendária a
se recuperar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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