No futuro, saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto autoritário. Fernando Gabeira para O Globo:
A decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello é dessas notícias que anunciam uma época.
Já
tinha escrito que saberíamos por ela se há luz no fim do túnel ou se
nos espera uma longa escuridão. Infelizmente, o Exército brasileiro
amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro, saberemos se
amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto
autoritário.
Isso
já não importa tanto. Ele já tomou o seu lado. O que importa agora é
uma leitura correta do fato e uma preparação adequada para as
consequências.
Sempre
me exponho à acusação de exagero, mas, com tantos golpes na trajetória,
minha tendência é avisar: quanto mais preparados estivermos, melhores
condições teremos de resistir.
A
primeira consequência tem de ser o estreitamento de laços entre todas
as forças democráticas. Como assim, se elas se preparam para disputar
uma eleição com candidatos diferentes?
É
preciso ser ingênuo para supor que o processo eleitoral não contenha
uma armadilha. Bolsonaro já afirmou que não aceitará resultados de urnas
eletrônicas. Ele é defensor de rebelião armada, chegou a falar dessa
possibilidade contra as restrições sanitárias na pandemia.
Policiais
militares aqui e ali já se manifestam. No Recife, cegando as pessoas;
em Goiás, prendendo manifestantes; em Brasília, no discurso bolsonarista
do comandante.
Com a capitulação do Exército, é necessário começar desde agora a organizar a resistência.
É
preciso admitir que tanto os autoritários quanto os democratas estão
numa situação delicada. É complexo articular uma resistência a um golpe,
mas também é complexo aplicá-lo neste momento da história.
Biden
governa os Estados Unidos, e as eleições na Alemanha abrem espaço para
Annalena Baerbock , líder do PV, que pode substituir Angela Merkel.
Europa e Estados Unidos se movem numa mesma direção democrática e
sustentável.
Isso
tem pouca importância para o grupo no poder e possivelmente também para
o Exército, que continua vendo a preocupação ecológica como fruto da
cobiça estrangeira.
Quem
confia apenas na força das armas ignora sistematicamente essas
variáveis. Entretanto o exemplo venezuelano mostra que apoio externo sem
grandes movimentos internos não resolve sozinho.
Estrategicamente, será preciso articular os dois e compreender como é vulnerável uma oposição dividida.
Bolsonaro
jamais escondeu sua admiração pelo trabalho de Chávez. As Forças
Armadas de lá tornaram-se cúmplices pelo mesmo caminho que as daqui. A
diferença é que, lá, muitos cargos ocupados por militares abrem caminho
para a corrupção.
Aqui, até o momento, são apenas vantagens materiais que ampliam legalmente os salários, além das benesses do poder.
Na
Venezuela, há uma estrutura partidária no controle do governo. Aqui,
alguns generais articulados entre si fazem a ligação entre governo e
militares e entre governo e a parte fisiológica do Congresso.
Pazuello
juntou-se ao grupo com o pomposo título de secretário de assuntos
estratégicos. Mas é apenas mais um general do núcleo do Planalto que, na
aparência, transmitiria sensatez a Bolsonaro. Na verdade, são o
Estado-Maior desse regime em gestação.
Na Venezuela, tombaram militares, congressistas, juízes, e a imprensa foi detonada por Chávez e agora Maduro.
No Brasil, ainda estão de pé a imprensa, os juízes e uma parte do Congresso. Sem um grande apoio popular, não resistem sozinhos.
De
uma certa forma, discutir outra coisa que não a resistência, em termos
políticos, equivale à frase da doutora Luana Araújo para a crise
sanitária: “É como se estivéssemos discutindo de qual borda da Terra
plana vamos pular”.
Talvez
tenhamos de esperar algum tempo para bloquear esse processo de
cooptacão de nossas moralmente frágeis Forças Armadas. Certamente, o
caminho será proibir por leis que militares da ativa participem de
governo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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