Thiago Bronzatto e Daniel Gullino
O Globo
Em seu gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, costuma exibir referências à época em que estampava quatro estrelas em sua farda de general: medalhas, capacetes, facas e uma caveira com boina. Transitando entre militares e políticos, Ramos decidiu continuar exercendo o cargo de ministro e ir para a reserva em julho de 2020, pouco tempo depois de participar de uma manifestação ao lado do presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao GLOBO, o chefe da Casa Civil diz que a decisão do Exército de isentar o general da ativa Eduardo Pazuello de uma punição por ter participado de uma “motociata” com Bolsonaro foi “extremamente pensada”. Ramos também afirma que o presidente tem a prerrogativa de editar medidas contra o isolamento e que fez “a coisa correta” na pandemia.
Quando o Exército decidiu que não houve transgressão de
Pazuello em participar de um ato político, isso abre as portas para
outros militares fazerem o mesmo?
O passado pesa na decisão do comandante. Não é só no caso
do Pazuello. Em qualquer transgressão disciplinar, de soldado a general,
são analisadas as condicionantes da transgressão e a pessoa do
transgressor. O comandante do Exército, ao analisar a história de vida
do Pazuello, considerou que aquele fato não se constituiu transgressão.
Você não pode usar pesos iguais com pessoas que têm comportamentos
diferentes. Se o militar nunca fez nada errado e comete um deslize, ele
vai ser punido com dez dias de cadeia? Isso não existe. Cada caso é um
caso. A decisão de não punir o Pazuello é exclusiva do comandante do
Exército.
Mas isso não acaba sendo uma vitória da indisciplina?
A interpretação do general Paulo Sérgio (comandante do
Exército) foi diferente da que todo mundo esperava. Teve uma reunião
virtual em que ele discutiu com o Alto Comando para avisar qual era a
decisão. Foi uma decisão extremamente pensada. Mas isso não é assunto da
minha pasta.
Como o senhor avalia a participação de Pazuello no passeio de moto feito pelo presidente no Rio?
Olha, o general Pazuello estava ali como civil. Eu estava
no passeio de moto. Estava ali atrás, não vi esse momento. O presidente
da República é o comandante supremo das Forças Armadas. Isso tem que
ficar bem claro. Ele é o comandante supremo. Trocou ministro da Defesa,
trocou os comandantes…
O senhor, se fosse um general da ativa, se sentiria desconfortável em uma manifestação?
Isso é uma decisão pessoal de cada um. Em julho do ano
passado, pedi para ir para a reserva. Eu estava em um área em que eu
achava que, realmente, trabalhando com política, como general da ativa,
não tinha mais razão de eu estar no Exército.
Mas o senhor, enquanto general da ativa, foi a algumas manifestações…
Não. Só na da rampa (do Planalto), que me impôs para eu ir para a reserva.
O senhor vê algum risco de ruptura institucional?
Me diga qual foi o ato do presidente próximo à quebra do
estado democrático de direito ou de afronta à Constituição. Muito pelo
contrário. Tem coisa que é da autoridade do presidente, como nomear o
diretor da Polícia Federal, e o Supremo (Tribunal Federal) não
autorizou. Se ele fosse uma pessoa que não cumprisse as normas,
poderíamos ter alguma crise institucional.
As decisões do STF envolvendo o governo geram uma tensão?
Como diz o ministro (da Economia) Paulo Guedes, a
democracia é ruidosa. É bonito o debate de ideias, esse ruído. Nos
regimes totalitários, como Cuba e Coreia do Norte, não têm isso e não
conseguem nem ouvir a oposição. O STF, o TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), o Executivo e o Congresso se manifestam. Faz parte. Não há
nenhum temor. Quando começa a haver alguma coisa que foge um pouco à
normalidade, incomoda, começa a causar um desconforto. É natural.
Que tipo de decisão do STF causou desconforto?
Várias aí que foram feitas, tomadas. Não sei de cabeça.
Por isso, o presidente disse recentemente que editaria um
decreto para garantir a liberdade de ir e vir durante a pandemia e que
não poderia ser contestado por nenhum tribunal?
É prerrogativa dele. E ele usa isso dentro das quatro
linhas da Constituição, que, em seu artigo 5º, garante o direito de ir e
vir. Chegamos à beira de coisas completamente incompreensíveis. Em
Angra dos Reis (RJ), por exemplo, foi proibido sair de barco. Deve ter o
vírus aquático.
Mas o isolamento nos estados foi amparado por decisão do STF…
Faltou um debate nacional. O ministro (da Advocacia-Geral
da União) André Mendonça é testemunha ocular disso. Logo no início da
pandemia, o (então) ministro da Saúde (Luiz Henrique) Mandetta foi
convidado para ir ao Supremo. (Ele disse) que na pandemia iam morrer 400
mil pessoas, que ia não sei o quê… O André Mendonça diz que foi uma
sessão de terror. Se sou ministro do STF e vejo aquilo ali, fico
assustado. Faltou um debate. Faltou a gente conversar. Não houve isso.
Foi goela abaixo.
Houve falha na gestão de Pazuello no Ministério da Saúde?
O Pazuello fez o trabalho que podia fazer dentro das
condições. A gestão dos estados, o problema no oxigênio… Pergunto o
seguinte: na história dessa pandemia, onde estão os prefeitos? Onde
estão os governadores? Os secretários municipais de saúde, os
secretários estaduais? Foi tudo o Pazuello? É fácil culpar uma pessoa.
Vários erros cometidos.
A CPI da Covid incomoda o governo?
Não. Acho que a CPI está exercendo o papel dela. Quem vai
julgar isso, e já está julgando, é a própria população. Na minha humilde
opinião, está havendo um uso demasiado político da CPI para atingir o
presidente Bolsonaro. Não vão conseguir porque o presidente fez a coisa
correta.
Mas qual seria o propósito de atingir o presidente?
Por exemplo: o que houve com a Copa América? Quem é que
politizou a Copa América? Foi o presidente? As cartas já estavam na
mesa. O campeonato brasileiro acontecendo, Eliminatórias na sexta-feira,
os campeonatos estaduais… Quem é que fez o uso político? Foram os
governadores, que alegaram Covid. Realmente, isso aí me incomodou muito.
Eu vi claramente que já não estão pensando no país, no que pode ser
correto. É só política.
Mas o país registra mais de 470 mil mortes por Covid-19…
É terrível a perda de vidas. Ninguém está dizendo isso.
Mas isso só foi levantado agora quando ele (Bolsonaro) assumiu que iria
fazer (a Copa América), atendendo a um pedido da CBF, via Conmebol. E é
um evento privado.
Diante do cenário da pandemia, governadores desistiram de sediar os jogos…
Eu acho interessante o seguinte: tem governador que quis
desdenhar que não vai aceitar a Copa América, mas em nenhum momento ele
estava previsto.
Quem, por exemplo?
O (governador) de São Paulo (João Doria). Não estava
previsto. Pernambuco também não estava previsto. Acho que (pensam) o
seguinte: “Eu não gosto do presidente, sou adversário e, mesmo não sendo
convidado, acho que não tem quer ter Copa América. Meu estado não vai
sediar”. Ninguém perguntou, ninguém consultou.
Na campanha, o presidente criticava a prática da velha
política. No governo, ele fez aliança com partidos tradicionais. Não é
uma contradição?
Não, de forma alguma. Não é a velha política. (Antes) era
toma lá, dá cá. Eu te dou um cargo, você vai fazer isso para mim. Havia
desvios de recursos. No governo Bolsonaro não foi assim. Foi um
alinhamento de base para poder permitir votações. Tinha muita gente que
não votava com o governo e tinha vários elementos na Esplanada. Como eu
descobri isso? Diário Oficial da União. Quem está alinhado ao governo
tem direito a ter espaço no governo. Não foi toma lá, dá cá. Foi uma
decisão do presidente, e acertada.
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