Felipe Corazza
BBC News Brasil
Tensão, dúvidas e medo são as palavras escolhidas para caracterizar as relações entre militares e o poder político no Brasil recentemente por um dos maiores especialistas no assunto. Para o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, a decisão do Exército, anunciada na quinta-feira (03/05), de não punir o general da ativa Eduardo Pazuello por participação em ato político ao lado do presidente da República vai fazer crescer uma crise já instalada: o cisma entre o comando das tropas e aqueles que Carvalho classifica como “generais do presidente”, em referência aos que ocupam cargos no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
“Sabe-se que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso tenha perdido autoridade”, diz, mencionando o atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio.
Como o sr. caracterizaria a época recente do Brasil em termos da relação entre a caserna e a política?
Época de tensão, dúvidas e medo.
Como o sr. reagiu ao saber que o general Eduardo Pazuello
não receberia qualquer punição por ter participado de um ato político
mesmo sendo um militar da ativa?
Desapontamento e receio. O primeiro por ter acreditado na
existência de generais de caráter capazes de resistir a pressões
descabidas, mesmo que pelo pedido de demissão, como foi o caso do
general (Edson) Pujol e de seus colegas da Marinha e da Aeronáutica. O
segundo pelas consequências que poderão advir para a manutenção da
disciplina no Exército.
O vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão,
havia declarado ele próprio que Pazuello deveria ser punido, sob risco
de o contrário alimentar uma ‘anarquia’. Estamos, então, entrando no
território da anarquia entre os militares?
É curioso que o general Mourão tenha sido punido duas
vezes por ter feito declarações políticas. Prefiro a posição atual dele,
ironicamente adotada depois de se ter feito político.
A decisão de não punir Pazuello vem sendo tratada por
analistas ou até por outros militares como um ponto inédito no histórico
das Forças Armadas. Há precedente?
Há o caso do coronel Jurandir Mamede, em 1955. Mas, antes
de 1964, e até mesmo alguns anos depois, a indisciplina e a conspiração
eram rotina nos quartéis. Uma das medidas dos golpistas de 64 foi punir e
expurgar os inimigos e estabelecer um pensamento único nas Forças.
A gestão Bolsonaro é marcada, desde o início, por abrigar
militares em cargos diversos. Com essa situação do general Pazuello,
com o sr. avalia que deve ficar a relação entre o comando da ativa e os
militares que ainda estão no governo?
Já há tensão entre os generais do presidente e os generais
da tropa, e ela deverá aumentar. Pelas notícias divulgadas, sabe-se que
os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo
de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que
com isso tenha perdido autoridade.
Analistas diversos apontaram que o presidente pode estar
tentando criar uma situação de tensão para explorá-la em uma tentativa
de levante com vistas à eleição de 2022. O sr. crê que isso seja
possível ou viável?
Acho difícil. O perigo maior é que ele consiga mobilizar as polícias militares.
O Brasil de 1964 era um país muito diferente do atual em
termos econômicos e nas relações internacionais. Uma suposta “aventura
militar” hoje teria consequências distintas?
Em 64, dominava a Guerra Fria. Os golpistas tiveram forte
apoio dos Estados Unidos. Hoje, isso não seria possível. No máximo,
haveria alguns silêncios. O país se tornaria ainda mais pária.
Desde a redemocratização, os militares têm repetido o
discurso da profissionalização para se afastar de questões políticas e
recuperar o prestígio. Em qual grau isso fica comprometido após o atual
governo?
Profissionalização significa dedicação total às tarefas
militares. Ela avançou bastante nas últimas décadas na Marinha e na
Aeronáutica. No Exército, avançou pouco e é ele que tem, por causa de
sua presença no território nacional, capacidade de controlar o país. O
direito de exercer um papel político está embutido nas convicções do
Exército desde 1889.
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