A Vanity Fair joga luzes sobre um personagem interessante, que está presente, mas foi ignorado por quem busca pelo em ovos nos e-mails de Fauci. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
O
jornal The Washington Post e o site Buzzfeed obtiveram por meio da “lei
de acesso à informação” americana, a Freedom of Information Act (FOIA),
o conteúdo das mensagens trocadas pelos Anthony Fauci, o diretor do
Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID), entre os
meses de janeiro e junho do ano passado. Uma série de reportagens tem
mostrado a confusão que existia, mesmo dentro do maior centro de
pesquisas médicas do planeta, sobre a origem da pandemia e, sobretudo,
sobre o que fazer durante aqueles primeiros meses.
Mas
qual é a relevância da correspondência de Fauci? Suspeito que nenhuma.
Pela simples razão de que não há nada de relevante nela que vá além do
que já era conhecido. A barulheira em torno dela presta um desfavor em
momento de inflexão do mundo em relação à necessidade de sabermos a
origem da pandemia. Fazer algazarra com e-mails de Fauci pode significar
cair em uma armadilha que tem enorme potencial de desviar a atenção do
que realmente merece ser observado.
É
evidente que alguns detalhes das correspondências de Fauci merecem
destaque, mas não antes de ressaltar: as mensagens são do primeiro
semestre de 2020. Portanto, elas compreendem um período de quando não se
sabia nada ou quase nada sobre o vírus. Um estágio tão “primitivo” no
combate à pandemia que as vacinas que hoje estamos tomando eram uma
incógnita. Um salto de conhecimento que não permite considerar aquelas
mensagens trocadas “no escuro” como se elas tivessem sido redigidas
hoje.
Em
uma busca textual, no conteúdo de 3.234 de documentos, a palavra
cloroquina/hidroxicloroquina, por exemplo, aparece 79 vezes. Cientistas
de várias partes do mundo trocaram informações com Fauci e sua equipe do
NIAID em busca de alternativas para o tratamento. Ao contrário do que
disse o senador-ortopedista Otto Alencar (PSD/BA), alguns dos principais
pesquisadores médicos do planeta não só conheciam as propriedades
antivirais da cloroquina, como estavam com a mente aberta para aprender
se a droga serviria ou não para o tratamento de Covid-19. Naquele
momento da pandemia, não era nenhum absurdo o mundo procurar respostas,
inclusive na cloroquina.
Mas
o fato de pesquisadores de elite terem flertado com a cloroquina em um
momento tão inicial da pandemia não deveria servir de justificativa para
relutância em seguir em frente defendendo um tratamento que, ao final
do dia, não se revelou milagroso. Aliás, a cloroquina não foi a única
droga a ser discutida nas trocas de e-mail de Fauci. A comunidade
científica estava navegando às cegas. Entre drogas já conhecidas houve
quem falasse em pesquisas com gengibre e açafrão. O erro não foi
discutir as alternativas, mas sim politizá-las ou transformá-las em
causa perpétua.
Os
e-mails de Fauci também estão sendo usados para reacender o debate
estéril sobre a necessidade ou não do uso de máscaras. Na primeira
semana de fevereiro de 2020, Fauci recebeu um e-mail da ex-Secretária do
Departamento de Saúde dos Estados Unidos e presidente da American
University, Sylvia Mathews Burwell, no qual ela pedia um conselho.
Burwell iria fazer uma viagem ao exterior e queria saber se precisava ou
não usar máscara. Fauci respondeu que não. Segundo ele, as máscaras
eram recomendadas para pessoas infectadas, para evitar que a infecção se
espalhasse para as pessoas sãs. Além disso, ele acrescentou que as
máscaras “de farmácia” não são eficazes para impedir a entrada de vírus.
Não
há absolutamente nada de novo naquela resposta. As autoridades
sanitárias não sabiam exatamente como o vírus se comportava. Sequer
havia casos nos Estados Unidos, mas os americanos já iniciavam uma
corrida por máscaras que viria a se tornar em um problema doméstico, ao
ponto que dias depois, o então cirurgião-geral dos Estados Unidos,
Jerome Adams, lançou um apelo à nação: "Parem de comprar máscaras!".
Além de ineficazes, disse ele, a corrida pelos equipamentos levaria à
falta para os profissionais de saúde e quem estivesse contaminado. Na
primeira semana de março, Fauci disse ao famoso 60 Minutes: "não há
razão para andar por aí com uma máscara".
Somente
em abril, quase um mês depois de a OMS decretar pandemia, que o Centro
de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) passou a recomendar o uso de
máscaras em público. O Fauci pode ser criticado por mil e uma coisas,
mas a polêmica dos e-mails resvala na injustiça, por não considerar o
contexto em relação ao que se sabia ou não da pandemia.
Não é razoável usar aquela conversa de fevereiro de 2020 para dizer que máscara é enganação.
Sinceramente,
não encontrei absolutamente nada de relevante nos e-mails de Fauci. E
toda barulheira com cloroquina, máscara, sabotagem da campanha de
reeleição de Donald Trump é um desperdício de energia e atenção para o
realmente interessa, reafirmo.
Meu
conselho para esta semana. Esqueça os e-mails do doutor Fauci e leiam a
Vanity Fair. A edição deste mês faz uma viagem no emaranhado de casos
suspeitos e absurdos que envolvem não só o doutor Fauci, mas uma fila de
cientistas, ONGs, financiamentos públicos para pesquisa oferecendo um
belo panorama para quem quer ir além da discussão se máscaras protegem
ou não.
O
papo agora é de onde veio o vírus. Da natureza ou não. Quem pagou. Como
a China ocultou a história. Como a OMS falhou. Como a comunidade
científica fracassou. Como a religião ciência é anticientífica.
A
Vanity Fair joga luzes sobre um personagem interessante, que está
presente, mas foi ignorado por quem busca pelo em ovos nos e-mails de
Fauci. Trata-se do zoologista Peter Daszak, presidente da ONG EcoHealth
Alliance. Ele moveu milhões de dólares dos cofres públicos dos Estados
Unidos para bancar pesquisas que agora estão sob escrutínio. Entre as
quais o “ganho de função” que pode ter permitido o coronavírus saltar
dos morcegos para os humanos sem escalas.
Como
patrono de um montão de outros cientistas, Daszak não teve dificuldade
para reunir 27 deles para assinar uma carta no início da pandemia que
precocemente descartava a teoria do vazamento do vírus em Wuhan.
No
ano passado, a administração Trump enviou à OMS uma lista de três nomes
para investigação das origens do vírus. Um veterinário do FDA, um
epidemiologista do CDC e um virologista da equipe de Fauci. Nenhum
deles foi escolhido. A OMS escalou Daszak.
Este
é apenas um aperitivo das várias histórias que sim valem ser lidas e
melhor investigadas. O Dr. Fauci sai limpo delas? Talvez não. Mas
enquanto isso, use máscara e esqueça a cloroquina.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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