Brasília, 22 de junho de 2021 - Está
marcado para esta quarta-feira (23) o júri popular de Marcos Prochet,
ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) acusado de executar o
trabalhador Sem Terra Sebastião Camargo, em 1998.
O
julgamento nesta quarta-feira (23) está previsto para ocorrer a partir
das 13h30, no Tribunal do Júri de Curitiba, com participação presencial
restrita aos jurados e às partes envolvidas, devido à pandemia da
Covid-19. Haverá transmissão ao vivo pelo youtube do órgão. A atividade é
acompanhada por organizações e redes de defesa dos direitos, entre eles
o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
“A
família está em busca de justiça e que ele [Prochet] pague pelo que
fez. Faz 20 e poucos anos que a minha família está aguardando isso. Não
traz o nosso pai de volta, mas pelo menos que a justiça seja feita”, é o
apelo de Cesar Camargo, um dos cinco filhos do camponês assassinado.
Sobre o assassinato
Sebastião
Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu
no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um
acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda
Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Na área residiam
300 famílias. Sob ameaças, as pessoas foram obrigadas a deitar no chão.
Com problemas na coluna, o trabalhador Sebastião Camargo não conseguiu
manter a cabeça abaixada. Para evitar que o trabalhador reconhecesse os
autores da ação, o camponês foi assassinado, deixando cinco filhos e uma
esposa.
Seis pessoas
viram a participação de Marcos Prochet na desocupação - quatro delas
viram o momento em que Sebastião Camargo foi morto, e reconhecem o
ruralista como autor do disparo. Além do assassinato de Camargo, 17
pessoas, inclusive crianças, ficaram feridas na ocasião.
A
área já estava em processo de destinação para reforma agrária.
Vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), a fazenda foi considerada improdutiva, por isso estava em
processo de desapropriação e indenização do proprietário. Teissin Tina,
dono da Fazenda, recebeu cerca R$ 1 milhão e 300 mil reais pela
propriedade, área onde hoje está localizado o assentamento Sebastião
Camargo, em homenagem ao trabalhador assassinado.
Condenações tardias, e anuladas
Marcos
Prochet já foi condenado em dois júris populares, considerado autor do
disparo que vitimou Sebastião Camargo. A primeira condenação ocorreu em
2013 e a segunda em 2016, ambas com pena de 15 anos e 9 meses de
reclusão em regime inicialmente fechado. No entanto, as duas condenações
foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Com mais de 21 anos
do assassinato, o processo é marcado pela lentidão do sistema de
justiça, recorrentes adiamentos do julgamento e violação da decisão
soberana do júri popular.
O
ex-presidente da UDR – associação de proprietários rurais voltada à
“defesa do direito de propriedade” - é a quarta pessoa a ir a júri
popular pelo assassinato de Sebastião Camargo. Teissin Tina recebeu
condenação de seis anos de prisão por homicídio simples, no entanto não
foi preso porque a pena prescreveu. Já Osnir Sanches foi condenado a 13
anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de
segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos
ilegais. Ele cumpre prisão domiciliar, por questões de saúde. Augusto
Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado,
mas recorreu da decisão.
Denunciado
apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da
Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná –
FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também foi
apontado como envolvido no crime, mas a decisão judicial que determinava
o julgamento de Tarcísio por júri popular foi anulada em 2019.
Histórico de violência no governo Lerner
No
período em que o Paraná foi governado por Jaime Lerner, o estado
registrou, além dos 16 assassinatos de Sem Terra, 516 prisões
arbitrárias, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325
feridos em 134 ações de despejo e 7 casos de tortura, segundo dados da
Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Uma
característica em comum nestes casos é a demora injustificada e falta
de isenção nas investigações e processos judiciais. Exemplo disso, o
Inquérito Policial que investigou o assassinato de Camargo demorou mais
de dois anos para ser concluído e o primeiro júri no caso foi realizado
14 anos depois do crime.
Em
apenas dois dos 16 casos houve condenação: em 2011, Jair Firmino
Borracha foi condenado pelo assassinato de Eduardo Anghinoni; em 2012,
2013 e 2014, respectivamente, Teissin Tina, Osnir Sanches, Marcos
Prochet e Augusto Barbosa foram condenados pela morte de Sebastião
Camargo. Até o momento, porém, nenhum deles foi preso.
Responsabilização internacional do Estado brasileiro
Em
2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
responsabilizou o Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador
rural. A Comissão reconheceu que o crime envolveu violações do direito à
vida, as garantias e proteção judiciais. A ação é resultante de uma
denúncia realizada pela Terra de Direitos, Justiça Global, Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP) ao organismo
internacional, em ação contra a lentidão e não responsabilização dos
envolvidos pelo sistema de justiça brasileiro.
Após
estudo do caso, elaboração de relatórios e realização de audiências, a
CIDH aponta em seu relatório, que “o Estado brasileiro não cumpriu sua
obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho (…) ao
não prevenir a morte da vítima (…) e ao deixar de investigar
devidamente os fatos e sancionar os responsáveis”.
A
responsabilização do Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador
rural Sem Terra Antônio Tavares, assassinado em 2000, segue caminho
semelhante. Em fevereiro deste ano, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA),
acolheu o caso e iniciou o processo de julgamento, passado quase 21
anos, da omissão e não responsabilização dos envolvidos na morte do
trabalhador pela polícia militar e repressão massiva pelo Estado.
Violência e criminalização dos movimentos sociais
Com
a paralisação da reforma agrária e flexibilização da política
fundiária, o campo vive um aumento de conflitos nos últimos anos, aponta
a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em relatório recente, o mapeamento
aponta que sobressaem-se fazendeiros, empresários e grileiros como
agentes causadores da violência. No governo de Jair Bolsonaro (sem
partido) houve um crescimento de 22% de envolvimentos de fazendeiros nos
casos, comparado à gestão anterior.
Organizações
e movimentos sociais também têm denunciado a intensificação da
perseguição e criminalização de integrantes de movimentos populares,
ocupações e lideranças. Um exemplo é o Projeto de Lei 6.764/02, que,
entre outras alterações, propõe uma nova Lei de Segurança Nacional (Lei
7170/1983). Sob o título de Lei de Defesa do Estado Democrático de
Direito, contém - diferentemente do que o governo anuncia - graves
riscos a liberdades democráticas e o Estado de direitos, apontam as
organizações. O Projeto de Lei é denunciado como de forte ameaça ao
direito de manifestação, de participação política e de reivindicação. Já
aprovado pela Câmara dos Deputados, a matéria pode ser apreciada e
votada pelo Senado a qualquer momento.
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