A morte do arquiteto Paulo Mendes da Rocha foi marcada por tributos sobre seu trabalho que me pareceram não apenas não merecidos, mas o oposto do que deveria ter sido escrito. Theodore Dalrymple via revista Oeste:
Que
ninguém deveria falar mal dos mortos — dos que acabaram de morrer,
melhor dizendo, porque a passagem do tempo confere decência a lembranças
adversas e críticas — é um princípio da civilização. Mas, como todos os
princípios que regem o bom comportamento, existem exceções. Quando um
homem expõe seu trabalho diante do público, é razoável que, quando de
sua morte, ao falar dele, sua qualidade seja avaliada. Quando Benjamin
Haydon, um artista inglês do século 19, cometeu suicídio cortando a
própria garganta por causa de seu repetido fracasso em ser reconhecido
como pintor, Charles Dickens escreveu que nenhum grau de solidariedade
por ele como homem disfarçaria o fato de que Haydon havia se enganado
sobre sua vocação e, de fato, era um pintor muito ruim.
Pintura a óleo Chairing the Member (1828), de Benjamin Haydon |
Nenhum
homem expõe mais seu trabalho diante do público do que um arquiteto.
Aliás, quando esse trabalho é muito grande ou está em posição de
destaque, o público não pode simplesmente evitá-lo, mesmo que deseje
muito fazê-lo. Um poema ruim ou uma imagem ruim são fáceis de evitar,
mas um edifício monstruoso não é. Com o avanço dos sistemas públicos de
som, música ruim recai em algum ponto entre os dois extremos de
evitabilidade.
A
morte do arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, aos 92 anos, foi
marcada por tributos sobre seu trabalho que me pareceram não apenas não
merecidos, mas o oposto do que deveria ter sido escrito. De suas
qualidades como homem não sei nada: fico bem feliz de acreditar que ele
tenha sido um bom pai, marido, amigo, um convidado divertido em
jantares, um grande conhecedor de literatura etc. Não foi por isso, no
entanto, que ele ficou conhecido, mas como arquiteto de edifícios. Como a
maioria (mas não todos) dos arquitetos famosos desde a 1ª Guerra
Mundial, ele fez mais do que a maioria das pessoas para aumentar a
feiura desnecessária do mundo.
Paulo
Mendes da Rocha ganhou o Prêmio Pritzker de Arquitetura, e uma medalha
de ouro do Instituto Real de Arquitetos Britânicos, que são basicamente
recomendações tão altas na área quando ganhar o Prêmio Stalin de
Literatura em 1947. Para disfarçar o que fez ao mundo, a monstruosa
maçonaria de arquitetos oferece prêmios uns aos outros: se Macbeth fosse
um arquiteto moderno, ele não diria
“A tal ponto atolado estou no sangue que, esteja onde estiver, tão imprudente será recuar como seguir à frente.”
E sim:
“A tal ponto construí em concreto que, esteja onde estiver, tão imprudente será construir mais… etc.”
Quanto piores as construções dos arquitetos, piores eles precisam ser, para justificar os crimes do passado contra a beleza.
Em
algum ponto dos livros de Le Corbusier, nas minhas pesquisas sobre esse
grande monstro do século 20, eu me deparei com a expressão “meu
concreto amigável” (ele se referia ao concreto armado, não ao tipo usado
pelos romanos). Agora, qualquer pessoa que considere o concreto armado
amigável claramente é uma pessoa estranha. Se alguém dissesse “meu
veludo amigável” ou “minha manteiga amigável”, eu não teria a mesma
reação. Tive um paciente que colecionava lâmpadas e tinha acumulado
tantas que encheu uma casa inteira com elas e, além disso, ficava
incomodado se qualquer uma fosse removida. Ele era mais apegado a suas
lâmpadas do que a qualquer ser vivente, humano ou animal. E foi nele que
pensei quando li sobre a amizade de Le Corbusier com o concreto. A
arquitetura de Le Corbusier não só não era humana, era anti-humana.
Certa vez vi um filme dele no espaço que desenhou na cidade de
Chandigarh na Índia. A maidan (praça pública) de concreto quase não
tinha sombra, uma omissão elementar quase risível considerando um clima
como o da Índia. Era como se Le Corbusier tivesse um desejo de torturar
os futuros moradores da cidade usando os raios de sol.
A Maison du Brésil, concebida pelos arquitetos Lúcio Costa e Le Corbusier, está localizada na Cité Universitaire, em Paris
Paulo
Mendes parece ter tido uma paixão similar pelo concreto. De minha
parte, não consigo entender como alguém poderia não notar a completa
desumanidade do que ele construiu. Concreto armado é um material que não
envelhece e não pode envelhecer, ele apenas se deteriora e se torna
ainda mais feio. Ele começa a ficar manchado e a apodrecer mesmo antes
de o prédio ficar pronto. E, no entanto, nos comentários profissionais
sobre suas criações, que se seguiram ao falecimento do arquiteto, não
houve menção a isso. Pelo contrário, seu trabalho era considerado
fluido, inovador, elegante. A meu ver, seu Museu Nacional dos Coches em
Lisboa deveria ser considerado a vingança do Brasil contra sua
metrópole.
Prédio em Lisboa |
Claro,
gosto não se discute. Se você disser que acha placas de concreto
gigantes bonitas — bem, como comentei, tive um paciente que amava
lâmpadas mais do que tudo, e nada do que eu dissesse o teria dissuadido.
Paulo
Mendes afirmou certa vez que a ditadura militar no Brasil causou danos
duradouros na educação arquitetônica do país. Logo depois de receber a
medalha de ouro do Instituto Real de Arquitetos Britânicos, uma das
maiores desonrarias possíveis, ele declarou a uma revista britânica que o
dano causado pelo regime militar era tão grande que a arquitetura
brasileira ainda estava tentando se recuperar.
Isso
me parece extraordinário. A arquitetura modernista tem (por uma questão
de registro histórico) raízes profundamente totalitárias, e seus
fundadores queriam decretar a forma de construir do mundo todo. A meus
olhos, pelo menos, a maioria desses trabalhos reflete sua sensibilidade
totalitária — tanto fascista quanto comunista. Placas de concreto são o
material perfeito para construir câmaras de tortura para a polícia
secreta. Em 1984, o futuro distópico é descrito como uma bota pisoteando
um rosto humano — para sempre. As construções de Paulo Mendes da Rocha
são um corpo estranho para os olhos — para sempre ou, pelo menos, até se
deteriorarem a ponto de terem de ser demolidas, quando serão
substituídas por algo igualmente ruim, mas ruim de um jeito um pouco
diferente.
O
problema não é brasileiro, mas mundial. Estou escrevendo este texto em
Paris, uma cidade onde não existe um único prédio construído depois de
1945 que não diminua consideravelmente a beleza da cidade. Eu gostaria
de ter uma explicação satisfatória para dar.
Pinacoteca do Estado de SP |
Theodore
Dalrymple é o pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels.
Daniels é autor de mais de trinta livros sobre os mais diversos temas.
Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações),
estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou O Que Restou Dela e A Faca
Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador
contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de
imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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