BLOG ORLANDO TAMBOSI
Na Bahia, a "'catchigoria" quer tomar (via Sindicato dos Jornalistas) o lugar dos velhinhos. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
A
Bahia é um bom posto de observação para umas coisas, e um péssimo posto
para outras. Para detectar mudança de governo, por exemplo, é péssima,
já que a Bahia republicana não toma a iniciativa de fazer oposição ao
status quo. Por outro lado, como a elite baiana não é muito dada aos
maneirismos finos do Sudeste (vejam que paulista não tem seca, tem crise
hídrica), amiúde temos caras-de-pau mostrando às escâncaras o que no
Sudeste se disfarça.
De
quanto tempo um estrangeiro precisaria para entender que o PSOL de
Freixo é um partido de sindicalistas do funcionalismo público? No
entanto, se visse o PSOL em campanha pelo governo da Bahia, sacaria num
minuto. Afinal, que candidato a governador faz campanha falando da “URV
dos técnicos” das universidades estaduais?
Agora
é a vez de os jornalistas baianos jogarem luz sobre as reais intenções
da categoria: os bonitos ganharam o direito de furar a fila da vacina
caso tenham mais de 40 anos, e agora ameaçam uma greve de jornalismo por
quererem estender a todos os jornalistas o direito de furar a fila da
vacina.
Primeiro
uma tal Comissão Intergestores Bipartites resolveu no dia 18 de maio
que os “profissionais da comunicação” sadios com pelo menos 40 anos
estariam dentro do grupo que poderia furar a fila da vacina. Muita cara
de pau? Piora: no mesmo dia, o bravo Sindicato dos Jornalistas Baianos
anunciou que iria lutar (sic) para poder vacinar todo jornalista.
No
dia seguinte, o Ministério Público da Bahia, que em geral está ocupado
em tirar o bifinho das crianças ou perseguir o Compadre Washington,
desta vez fez algo de útil à sociedade e recomendou que a tal da CIB
parasse de incluir meio mundo na categoria de fura-filas de vacina. O
Ministério Público da Bahia fez essa recomendação em conjunto com o
Federal.
Também
no dia 19, o presidente da vetusta Associação Bahiana de Imprensa
declarou que “não se trata de um privilégio corporativo, e sim desse
reconhecimento de que a população precisa, para vencer a Covid-19, de
informação de qualidade".
Para
descer a ladeira rumo ao sindicalismo mais caricato, há a agora a greve
no feriadão. Em protesto contra a recomendação do MP, no dia 2 de junho
foi convocada uma greve de jornalistas.
Nem um pio da FACOM
Será
que alguém reclamou? Nenhum luminar da FACOM deu um pio. A FACOM,
também conhecida como Faconha, é a Faculdade de Comunicação da UFBa, que
tem uma significativa presença no jornalismo baiano e um pouco no
nacional. Se Wilson Gomes se manifestou, terá sido oralmente, porque nos
buscadores não aparece nada. Que eu saiba, único jornalista da imprensa
baiana a se manifestar contra esse absurdo foi James Martins, um
jornalista atípico porque tem erudição e não tem diploma. Em texto
intitulado “Vacina pouca, minha prioridade primeiro”, escreveu: “Pelo
viés da essencialidade e da exposição, [os trabalhadores de
supermercados] estão muito mais expostos que eu e a maioria dos meus
colegas. Aqui na Bahia, a primeira vítima da doença foi uma empregada
doméstica. Elas já estão na lista de prioridades? E os porteiros? [...]
Vamos pensar juntos. Seria impossível ou inviável que algumas categorias
sofressem uma triagem interna? Por exemplo, um jornalista que cobre
hospitais, cemitérios, vai pra rua, etc. seria priorizado em relação a
mim, que me exponho bem menos. Assim como sei de profissionais da saúde
que não exercem e que já tomaram suas doses. Alunos de medicina na casa
dos 20 anos, que só têm aulas online, e que também já estão vacinados. E
por aí vai.”
Como uma andorinha não faz verão, podemos olhar para o grosso do jornalismo baiano e dizer que quem cala consente.
O que vai na cabeça desse povo?
Sendo
eu jovem, magra e sadia, resolvi que não quero me vacinar tão cedo,
porque a covid não é nenhuma aids em matéria de letalidade: é gripezinha
para uns, causa mortis para outros. Tudo leva a crer que para mim seja
gripezinha. Por outro lado, se as vacinas tiverem um efeito negativo no
longo prazo, só descobriremos no longo prazo. Se eu tivesse motivos para
achar que a covid é causa mortis para mim, estaria afobada atrás de
Astra-Zeneca ou Pfizer também. Penso que jovens saudáveis devem
raciocinar no longo prazo, e que velhos ou doentes devem raciocinar no
curto prazo. No longo prazo, não parece uma boa ideia tomar esta vacina.
Usando
os números na base do Our World in Data, foram foram documentados no
Brasil desde o começo da pandemia 16,52 milhões de casos e 461.057 mil
mortes de covid. Fazendo uma continha de dividir, temos que quase 0,03%
dos infectados morreram. Vale frisar que esse número de infectados
inclui velhinhos. Quais as chances de um jovem sadio — aqueles por quem
luta o bravo sindicato — contrair covid e morrer?
A
minha aposta é que eles nunca se fizeram essa pergunta. Sentem-se parte
de um clã iluminado que tem como missão espalhar a Verdade dos Profetas
da Divulgação (pseudo)Científica. Essa verdade simplória, talhada para
intelectos rudimentares, consiste em: vai todo mundo morrer, a menos que
tome “a” vacina – qualquer vacina, pois quem alega que uma vacina feita
às pressas pode ser ineficaz ou prejudicial é um obscurantista
antivacina. São simplórios, burros, tapados. Estão dispostos a tratar
com xingamentos e slogans quem hesita, quem duvida, quem pensa.
O valor da vida humana
Agora,
uma vez que eles acreditam mesmo que vai todo mundo morrer caso não
tome vacina, é forçoso concluir que não estão nem aí para a vida humana.
Afinal, a gente com idade ou comorbidade que deixou de tomar a vacina
fica condenada à morte. Vacina para a gente bonita das redações; ao
povo, brioches.
Depois,
haja materiazinha furreca sobre “genocídio” para aliviar a consciência.
Furam fila de vacina e não vivem sem serviçais, mas o “genocida” é o
presidente. Compram drogas na mão de facção, mas o “genocídio da
juventude negra” vai na conta da polícia. Não respeitam ninguém, e pisam
no pescoço do povo por qualquer ninharia. Que não queiram ser
respeitados, portanto.
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