Está ficando cada vez mais claro que Xi Jinping transformou o mundo em uma grande Chernobyl. Luciano Coutinho via Gazeta do Povo:
Em
abril de 1986 a explosão de um reator nuclear em Chernobyl, na Ucrânia,
deu origem a uma nuvem radioativa que se estendeu por milhares de
quilômetros, enquanto o Partido Comunista da então União Soviética
mantinha o mais absoluto silêncio sobre a tragédia. Ao mesmo tempo,
milhões de ucranianos e cidadãos de outras repúblicas soviéticas estavam
expostos à radiação, o presidente Mikhail Gorbachev trabalhava para
jogar a sujeita sob o tapete. Esconder e controlar o máximo as
informações para poder moldar a versão dos fatos conforme os interesses
do regime. Somente depois que a Suécia, a mais de 1.400 quilômetros de
distância, detectou em seu território uma fonte de radiação de fonte
desconhecida, o Ocidente passou a desconfiar do óbvio. Havia se passado
algo na URSS e o Kremlin estava escondendo do mundo. Somente depois de
dezoito dias, Moscou falou pela primeira vez sobre o acidente que
naquela altura já era a maior tragédia nuclear de todos os tempos.
Na
semana passada, Peter Ben Embarek, o chefe da missão da OMS que foi à
China investigar as origens do SARS-CoV-2, como se chama o vírus
causador da Covid-19, disse à CNN ter encontrado várias evidências de
que o microrganismo já circulava amplamente por Wuhan em dezembro, de
2019, quando a China afirma terem ocorrido os primeiros casos.
A
análise genética do vírus mostrou que em dezembro de 2019 já havia
pelos menos treze sequências genéticas diferentes. Algo que não ocorre
da noite para o dia. Depois de saltar de um animal para o ser humano, o
SARS-CoV-2 precisou de um tempo – não especificado – para apresentar
tamanha variedade genética. Uma evidência científica de que o vírus
circulava pela China bem antes de o mundo se dar conta.
Embarek
arrematou que embora Pequim oficialmente reconheça 174 casos iniciais, a
equipe entendeu que eles podem facilmente superar 1.000 casos. O
cientista obviamente faz mil e uma piruetas para evitar acusar a China.
Apesar disso, deixa claro que o lapso de um ano entre a eclosão oficial
da pandemia e a investigação limitou as pesquisas. Além disso, a falta
de colaboração do governo e "cientistas" chineses que cercaram a equipe
de todos os lados na tentativa de mostrar a versão de uma história
conveniente par ao regime.
Sem
as amarras institucionais da Organização Mundial da Saúde, o diretor de
uma das maiores e mais importantes organizações de defesa dos direitos
humanos em atividade no mundo, a Human Rights Watch (HRW), não mediu
palavras ao acusar a china de ocultar informações. O diretor-executivo
da entidade, o americano Kenneth Roth disse que "houve em Wuhan 92
doentes hospitalizados com sintomas semelhantes aos da Covid-19 em
outubro e novembro de 2019, mas a China só deu à OMS testes de
anticorpos muito posteriores, sem radiografias ou análises de sangue,
exames que teriam mostrado que o surto estava presente um ou dois meses
antes do admitido".
Em
março do ano passado, quando apareceram as primeiras suspeitas de que a
China não estava sendo transparente com a pandemia, surgiu a comparação
inevitável com a tragédia de Chernobyl. No Brasil, o embaixador chinês
abandonou a diplomacia para reagir a uma comparação feita pelo filho do
presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro. O chinês aproveitou as
fraturas políticas e sociais brasileiras para colocar seus tanques na
rua. Não faltou a ele ajuda para reconstruir a cena da Praça da Paz
Celestial, em 1989. Yan Wanming passou a operar à luz do dia para
intervir na política interna do Brasil e para acelerar os planos de
interesse do regime comandado por Xi Jinping.
Algo muito fácil em um país em que parte importante de suas elites se comporta como se estivessem na bacia das almas.
São
raros os profissionais – aqui incluo dos advogados e lobistas, por
exemplo – que geralmente aceitariam defender os interesses de
contrabandistas de diamantes mesmo sabendo que seu salário teria origem
em pedras preciosas que são provenientes de zonas de conflito. Os
chamados diamantes de sangue? Supondo que o trabalho não tenha nada a
ver com a carnificina promovida pelo seu cliente. O dinheiro seria mais
limpo? A relação seria mais palatável?
O
exemplo dos diamantes de sangue é meio sem pé e sem cabeça, mas tem uma
função. Mostra que certos tipos de crimes não são tolerados por quase
ninguém. Basta lembrar dos meninos soldados, do terror, fome e violência
primitiva associadas a ele. Fica difícil de digerir.
Gorbachev,
apenas quatro anos depois de Chernobyl, com dezenas de milhares de
pessoas ainda padecendo dos efeitos da radiação que ele tentou esconder,
ganhou o Prêmio Nobel da Paz.
A
China por meio de suas estatais tem despejado um montão de dinheiro na
compra de influência e tolerância no ocidente. A lista de anúncios pagos
pelo regime na imprensa ocidental não poupa quase ninguém entre os
veículos mais relevantes.
Viagens
bancadas para China, bolsas de estudos e financiamento de institutos
independentes para dar opiniões amigas estão sob a luz do sol. Mas qual é
problema? A comparação com Chernobyl veio do filho Zero Três de Jair
Bolsonaro. Um irresponsável que tocou fogo nas relações diplomáticas com
o principal parceiro comercial do Brasil. Mas uma vez dinheiro. Muito
dinheiro.
Não
me parece razoável alguém dizer que defende a democracia tratando o
regime chinês como se fosse um templo de virtudes. Por lá, os opositores
são massacrados, a informação é controlada. Não existe imprensa livre e
sequer acesso às redes sociais ocidentais como o Twitter. Há campos de
concentração e minorias enviadas para esse tipo de instalações estão
sujeitas ao mais completo cardápio de violações de direitos humanos. A
lista é tão grotesca que trabalho forçado é o mais digno entre todas.
Recentemente, as autoridades apreenderam carregamentos de perucas feitas
com cabelos de prisioneiros da etnia uigur e a uma professora que
assistiu os horrores dentro dessas instalações contou sobre estupros
coletivos e espancamentos de adolescentes.
Mas muita gente não vê problema algum.
O
Brasil e sua economia se transformaram em um híbrido com a China. Algo
que, portanto, deve ser tratada com a maturidade e pragmatismo que
parecem escassos.
Nos
últimos dias, o noticiário brasileiro festejou os números
extraordinários do comércio exterior com os chineses. Uma maravilha. De
forma uníssona, jornalistas e fontes trataram do assunto como uma
espécie de condenação do Brasil à dependência perpétua em relação aos
asiáticos.
A
distorção provocada por um tipo de abordagem que faz parecer que Pequim
derrama bilhões de dólares em nossa economia por opção é a arma que os
chineses usam para defender os seus interesses no Brasil. Mas, como
ficam os interesses brasileiros?
Por
que custa tanto pensar que a China não tem opção? Se o presidente Jair
Bolsonaro e o Itamaraty tivessem tido a coragem de mandar Yang Wanming
para casa quando ficou claro que o ele manipula a política interna
brasileira, a China teria deixado de importar alimentos do Brasil?
Evidentemente não. Um mês no atraso dos embarques de grãos para China já
empurraria o regime de Xi Jinping para uma crise sem precedentes. A
segurança alimentar chinesa se chama América do Sul. Mas especificamente
Brasil.
Enquadrar
os chineses não significaria romper relações ou alinhamento com Estados
Unidos ou quem quer que seja. O que falta ao Brasil é compostura. Uma
dose mínima de dignidade. Ou um espelho para que, quem sabe, possa se
enxergar em seu tamanho e relevância reais.
Está
ficando cada vez mais claro que Xi Jinping transformou o mundo em uma
grande Chernobyl. Mas ao contrário dos soviéticos que estavam quebrados
quando a catástrofe aconteceu, o Partido Comunista Chinês tem rios e
rios de dinheiro para poder patrocinar a sua versão da história.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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