Graças à acumulação de capital, o trabalho infantil foi abolido e a jornada de trabalho, reduzida. Steve Horwitz e Julian Adorney para o Instituto Mises:
Sempre
que há um feriado prolongado, várias pessoas dizem que foram os
sindicatos e as intervenções do governo que "humanizaram o capitalismo"
ao nos dar a jornada de trabalho de 8 horas, a semana de cinco dias de
trabalho, a abolição do trabalho infantil e tudo mais.
Infelizmente, essas pessoas inverteram as relações de causa e efeito.
Não
fomos nós que humanizamos o capitalismo; foi o capitalismo que nos
humanizou. A riqueza produzida pelo capitalismo nos permitiu satisfazer
nossas demandas humanitárias de maneiras que não eram nem sequer
sonháveis em outras épocas, quando todos os seres humanos viviam,
diariamente, no limiar da sobrevivência.
Era
absolutamente impossível trabalhar apenas 8 horas por dia, ter uma
semana de trabalho de apenas 40 horas, e abrir mão do trabalho infantil
quando as condições materiais que permitem esse luxo ainda não existiam.
Ao contrário do que alguns gostam de imaginar, os trabalhadores não
trabalhavam longas jornadas e as crianças não trabalhavam desde muito
cedo porque os empregadores apontavam uma arma para suas cabeças.
Igualmente, eles não trabalhavam tanto só porque gostavam de laborar por
longas, duras e desconfortáveis horas.
Eles,
assim como nós, teriam preferido trabalhar menos, ganhar mais, e
usufruir melhores condições de trabalho. No entanto, quando o capital —
ferramentas tecnológicas, maquinários de alta produção, e de meios de
transporte rápidos e eficientes — é escasso, a produtividade é baixa.
Sendo a produtividade baixa, os salários inevitavelmente também serão
baixos. Sendo assim, para se alimentar toda uma família, serão
necessárias várias horas de trabalho e muito mais pessoas trabalhando.
Cuidando de si próprio
Como Ludwig Von Mises nunca se cansou de repetir, foi a acumulação de capital o que tornou o trabalho mais produtivo.
Capital
é tudo aquilo que aumenta a produtividade e, em última instância, o
padrão de vida de uma sociedade. Capital são todos os fatores de
produção — como ferramentas, maquinários, edificações, meios de
transporte etc. — que tornam o trabalho humano mais eficiente e
produtivo.
Capital,
em termos físicos, são os ativos físicos das empresas e indústrias.
São as instalações, os maquinários, os estoques e os equipamentos de
escritório de uma fábrica ou de uma empresa qualquer.
Trabalhar
menos e produzir mais é o resultado direto da acumulação de capital.
Assim como um trator multiplica enormemente a produção agrícola em
relação a uma enxada, o uso de máquinas e equipamentos modernos
multiplica enormemente a produtividade dos trabalhadores — e,
consequentemente, seus salários e sua qualidade de vida.
Foi
a acumulação de capital ocorrida ao longo dos séculos o que permitiu
que os trabalhadores produzissem mais com menos horas de trabalho. Em
decorrência disso, eles passaram a poder alimentar a si próprios e a
seus familiares — bem como educar seus filhos — ao mesmo tempo em que
trabalhavam menos horas.
Nos
países ricos, em que os trabalhadores possuem uma grande quantidade de
maquinários e bens de capital tecnológicos à sua disposição, tais
trabalhadores tendem a ser mais produtivos. Sendo assim, eles podem se
dar ao luxo de trabalhar menos horas. Já nos países ainda em
desenvolvimento, que não usufruem de bens de capital abundantes e de
qualidade para seus trabalhadores — o que faz com que eles sejam menos
produtivos —, não há alternativa senão trabalhar mais para produzir o
mesmo tanto que um trabalhador de um país desenvolvido.
Os
salários dos trabalhadores dependem de sua produtividade e do valor
daquilo que produzem para os consumidores. Quando trabalhadores têm mais
e melhores bens de capital com os quais trabalhar, sua mão-de-obra se
torna mais produtiva. E quando os consumidores demandam aquilo que eles
produzem, seus salários, por causa da maior produtividade, podem
aumentar.
Quando
os proprietários do capital — isto é, os donos dos meios de produção —
têm de concorrer pela mão-de-obra, eles têm de oferecer maiores salários
para atrair essa mão-de-obra mais produtiva, retirando-a de seus
concorrentes. A consequência é que mais e melhores bens de capital
levam a maiores salários, e isso permite que mais famílias possam
sobreviver sem ter de colocar seus filhos para trabalhar, e que mais
trabalhadores e empresas possam reduzir as horas de trabalho e a jornada
semanal.
E
todo esse processo já estava a pleno vigor antes de qualquer tipo de
sindicalização ou de regulamentações governamentais sobre a jornada de
trabalho. A linha de tendência de queda nas horas de trabalho não foi alterada quando sindicalizações e regulamentações governamentais começaram a aparecer.

Horas semanais de trabalho na indústria, 1830-1997; a cada regulamentação que surge, a tendência de queda não é alterada
O economista Robert Whaples observa que a jornada semanal média vem caindo progressivamente desde os anos 1830.
Em 1938, quando o então presidente americano Franklin Roosevelt assinou a Fair Labor Standards Act (FLSA),
uma lei que estipulava a jornada semanal máxima em 40 horas, tal lei já
era praticamente desnecessária. Ao longo do século anterior, as forças
de mercado já haviam derrubado a jornada semanal média nas indústrias,
de quase 70 horas para apenas 50 horas. Em outras indústrias, a
jornada era ainda menor. Em 1930, por exemplo, operários das ferrovias
trabalhavam uma media de 42,9 horas por semana. Já os carvoeiros
trabalhavam uma média de apenas 27 horas. (Confira os números aqui).
Henry Ford implantou uma jornada semanal de 40 horas em 1926 porque ele acreditava que consumidores com mais tempo livre iriam comprar mais produtos. Outras grandes empresas fizeram o mesmo.
Apenas um ano depois, 262 grandes empresas já haviam adotado uma
semana de trabalho de 5 dias. Pela primeira vez na história, as pessoas
estavam usufruindo fins de semana livres.
De acordo com esse trabalho acadêmico do economista Robert Whaples:
Mais de 80% dos historiadores econômicos já aceitam a idéia de que "a redução na jornada de trabalho semanal nas indústrias americanas antes da Grande Depressão deveu-se majoritariamente ao crescimento econômico e aos aumentos salariais gerados por esse crescimento econômico. Outras forças tiveram um papel apenas secundário. Por exemplo, dois terços dos historiadores econômicos rejeitam a proposta de que os esforços dos sindicatos foram a principal causa da queda na jornada de trabalho antes da Grande Depressão.
E
essa tendência de queda nas horas de trabalho pode ser observada com
ainda mais intensidade no que diz respeito ao trabalho infantil.
No
início do século XIX, crianças trabalhavam ou na agricultura familiar
ou nas fábricas. Em ambos os casos, as famílias necessitavam dessa
contribuição do salário da criança para sobreviver.
O historiador Steven Mintz, especialista em trabalho infantil, observa que
os salários de crianças entre 10 e 15 anos de idade "frequentemente
representavam 20% da renda da família e podiam significar a diferença
entre bem-estar e privação". Como também disse Mintz, "nessa economia
cooperativa familiar, as decisões essenciais [...] se baseavam nas
necessidades da família e não na escolha individual".
É
claro que se os pais daquela época fossem capazes de sobreviver sem ter
de colocar seus filhos para trabalhar, eles teriam feito isso, como
demonstrado pela relativa ausência de trabalho infantil entre as
famílias mais ricas da época. O problema é que a maioria dos pais
simplesmente não podia se dar a esse luxo.
Quando uma demanda menor é algo bom
Evidências
de que foi a acumulação de capital, e não legislações, que reduziram o
trabalho infantil e a jornada de trabalho foram compiladas pelo
historiador Clark Nardinelli,
que mostra o contínuo declínio das horas de trabalho infantil nas
fábricas britânicas de algodão e de linho nas duas décadas anteriores à
promulgação do Factory Act de 1833
[que limitava a 10 horas por dia o trabalho infantil em fábricas], bem
como o contínuo declínio no trabalho infantil total nas fábricas de seda
até 1890, muito embora as leis de trabalho infantil não se aplicassem à
indústria da seda.
Conjuntamente,
todos esses dados fornecem evidências do papel da elevação dos salários
reais, permitida pelo capitalismo, como a causa da redução do trabalho
infantil ao longo do século. Mesmo crianças que trabalhavam na
agricultura viram suas funções diminuírem à medida que maquinários
agrícolas de maior qualidade reduziram a necessidade do uso de
mão-de-obra infantil e aumentaram a produtividade, o que permitiu que
proprietários de terra contratassem mão-de-obra de fora da família.
Sim,
não há dúvidas de que as condições nas quais as crianças trabalhavam
nas fábricas (e ainda o fazem nos locais mais pobres do mundo) eram
desagradáveis e desumanas para os nossos padrões atuais; mas a vida no
campo, trabalhando na lavoura, certamente não era melhor. Provavelmente,
era pior. Se levarmos em conta a maior renda familiar e o maior acesso a
recursos, principalmente remédios, disponíveis à recém-formada
mão-de-obra industrial urbana, a vida era, no geral, melhor para
crianças que trabalhavam nas fábricas do que para crianças que
trabalhavam na lavoura na geração anterior.
A conclusão de Nardinelli merece ser citada:
A crescente renda real observada na Grã-Bretanha do século XIX foi a mais importante força responsável por retirar as crianças das fábricas têxteis após 1835. As crianças trabalhavam nas fábricas porque suas famílias eram pobres; à medida que a renda das famílias aumentou, a mão-de-obra infantil diminuiu. Com efeito, à medida que a renda de uma determinada família aumentava, seus filhos começavam a trabalhar em idades mais avançadas do que seus irmãos mais velhos.Aquela bem conhecida preocupação vitoriana com as crianças surgiu, em grande parte, como um reflexo da renda crescente. Era de se esperar que, graças ao crescente aumento da renda na última metade do século XIX, a quantidade de mão-de-obra infantil nas fábricas têxteis teria declinado sem qualquer legislação a respeito.
É
certo que as leis tiveram algum efeito em dar um empurrão ao processo,
mas a "mais importante força" continua sendo o aumento na renda real
produzido pelo capitalismo e pela industrialização.
Contrariamente
à alegação de seus críticos, não foi o capitalismo quem criou a
desagradável mão-de-obra infantil. Esse tipo de trabalho sempre existiu
nas famílias e no campo. E não por uma questão de maldade, mas sim de
necessidade econômica. O que obrigou agricultores a colocar seus filhos
para trabalhar foi o fato de que, como a produtividade era baixa, tais
pessoas simplesmente tinham de trabalhar 70-80 horas por semana se
quisessem produzir o suficiente para comer.
Foi
o capitalismo e a acumulação de capital gerada pelo capitalismo quem
permitiu o desaparecimento do trabalho infantil entre as massas pela
primeira vez na história da humanidade, ainda que ele tenha, à primeira
vista, tornado o trabalho infantil mais visível ao movê-lo do campo para
as fábricas.
Se
o problema fosse de tão fácil resolução, então tudo o que aqueles
países do Terceiro Mundo — cuja população, inclusive crianças, ainda
trabalha muitas horas por semana — têm de fazer para acabar com a
pobreza, enriquecer e usufruir mais horas de lazer é criar leis.
A sociedade supera o ego
Por
tudo isso, é válido perguntar por que se tornou uma espécie de senso
comum acreditar que foram leis estatais que aboliram o trabalho
infantil, as longas jornadas e a semana de sete dias de trabalho. Meu
palpite é que tal raciocínio provavelmente é reflexo da nosso viés
intelectual e evolutivo, o qual nos leva a acreditar que de fato temos o
poder de controlar o mundo social à nossa volta.
É
mais fácil, bem como mais moralmente satisfatório, acreditar que fomos
nós que intencionalmente abolimos algo desagradável ao simplesmente nos
posicionarmos contra ele. Não é fácil aceitarmos que o responsável por
tudo foi um processo que não controlamos diretamente.
Adicionalmente,
parece ser uma tendência que leis contra um comportamento antigo que
julgamos ser moralmente repreensível adquiram uma aura de santidade
quando as práticas em questão já majoritariamente desapareceram, fazendo
com que os poucos exemplos ainda remanescentes sejam ainda mais
repreensíveis. Isso certamente é válido para alto enfoque dado ao
trabalho infantil ao mesmo tempo em que este foi rapidamente
desaparecendo ao redor do mundo, por causa da cada vez menor necessidade
de renda infantil para complementar a renda de uma família minimamente
estruturada.
É
mais fácil legislar contra uma prática cuja necessidade econômica, ou
mesmo conveniência, já não existe mais. Leis proibindo o trabalho
infantil e longas jornadas de trabalho só foram possíveis de ser
implantadas quando as famílias não mais necessitavam daquelas horas
extras de trabalho para sobreviver e propiciar uma vida melhor para si
próprias e para seus filhos.
O
real crédito pelo declínio do trabalho infantil e das longas jornadas
de trabalho se deve ao capitalismo e aos mercados concorrenciais, os
quais permitiram a acumulação e o crescimento do capital, o qual
aumentou a produtividade da mão-de-obra e enriqueceu tanto os
capitalistas quanto os trabalhadores. Pessoas mais ricas podem se dar
ao luxo de trabalhar menos e viver melhor.
Sindicatos
e governos não humanizaram o capitalismo. Foi o capitalismo quem criou
as condições que permitiram que cada vez mais pessoas vivessem vidas
verdadeiramente humanas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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