Autor do livro ‘Marxismo: na Contramão do Bom Senso’ explica como o pensamento de esquerda se propagou nos meios intelectuais. E propõe maneiras de combatê-lo. Reportagem de Edilson Salgueiro para a Oeste:
Carlos
Eduardo Brechani, promotor de Justiça do Ministério Público de São
Paulo, dedicou-se por quase duas décadas a entender as origens do
marxismo, compilando mais de uma centena de obras de autores e agentes
políticos empenhados na propalação dessa ideologia no Ocidente. O
resultado do estudo minucioso é o livro Marxismo: na Contramão do Bom
Senso, que explica as razões da prevalência do pensamento marxista nas
universidades, na produção cultural e na política, além de propor meios
para combater o processo de doutrinação ideológica progressista
estabelecido no Brasil. Em entrevista concedida à Revista Oeste,
Brechani esclareceu as minúcias que permeiam a obra do filósofo
socialista alemão Karl Marx.
Marx
e Engels propõem que todos os conflitos da História têm a sua origem na
contradição entre forças produtivas e o modo de trocas. Ainda que
possam não ter lido nenhum texto sobre esses autores, progressistas
reproduzem direta ou indiretamente a mesma tese. Como é que esse modo de
pensar se dissemina tão notavelmente nas universidades, na imprensa e
nas artes?
O
marxismo é divulgado direta ou indiretamente na sociedade atual como
consequência de uma intensa atuação ideológica por parte de seus
defensores. A doutrina marxista, na concepção originária idealizada por
Marx e Engels, foi estruturada em dois pilares: a) o materialismo
histórico, ou seja, a ideia de que a história da humanidade se resume a
um conflito entre a classe detentora dos meios de produção e classe por
ela explorada; b) a revolução socialista, ou seja, a iminência de uma
radical e violenta transformação social que inverteria a lógica do poder
polarizado nas mãos do capitalista. Com o passar das décadas houve uma
alteração sensível da ortodoxia marxista. A doutrina passou a rejeitar,
em especial no Ocidente, o uso da força para a tomada do poder.
Passou-se a entender que o pressuposto para a tão esperada revolução
seria a prévia destruição da base ético-moral herdada por gerações e da
propriedade privada, pois seriam impeditivas da mudança social.
Iniciou-se, assim, uma cuidadosa e estratégica ação cultural para
subverter os valores judaico-cristãos, aniquilando a ideia de que existe
Deus e destruindo a família e a moral cristãs. O resultado desse
projeto é visto atualmente, as teses marxistas estão impregnadas na
sociedade. Ainda que não percebam, os cidadãos são diariamente
bombardeados nas universidades, nos meios de comunicação e nas artes com
a destruição dos princípios cristãos de ética, justiça, solidariedade,
pureza e santidade. Sem perceber, as pessoas reproduzem, direta ou
indiretamente, os valores do marxismo.
Por que esse modo de pensar é tão sedutor em determinados segmentos da sociedade?
O
marxismo é sedutor porque dá às pessoas as respostas sobre as questões
filosóficas fundamentais da humanidade e promete um mundo perfeito. Ele
explica, por exemplo, quem nós somos e qual nosso objetivo fundamental,
reconhece a injustiça atual e promete a redenção futura. Garante que,
após a revolução socialista, viveremos em um mundo comunista marcado por
paz, equilíbrio, união e fraternidade, um verdadeiro paraíso na Terra.
Tão profundas são suas teses que transformam o marxismo em uma religião
secular. Para que se considere devoto dessa religião, é pressuposto: a)
rejeitar qualquer espiritualidade, adotando-se o ateísmo; b) acreditar
que o homem não foi a causa principal de todos os fenômenos históricos
mundiais, mas sim uma causa que lhe é externa, a luta de classes; c)
negar qualquer forma de propriedade privada, por ser ela a raiz de todos
os males; d) lutar pela destruição de todo valor moral atualmente
vigente, pois foi imposto pela classe capitalista como forma de
manutenção no poder, adotando como princípio ético a ser seguido tudo
aquilo que seja bom para a causa comunista; e) negar todas as
manifestações sociais, artísticas, culturais e econômicas vigentes, por
serem frutos da sociedade burguesa que quer se manter no poder. Como
todas as pessoas, em outro grau, reconhecem a desigualdade no mundo,
sentem-se perdidas sobre o papel individual nesse contexto social
deturpado e anseiam por um mundo melhor, é natural que se vejam
seduzidas pela teoria marxista.
Que tipo de risco essa visão de mundo pode desencadear?
Isso
não seria problema algum, não fosse o caráter maniqueísta do marxismo,
no sentido de que do lado do bem estão os seus defensores e do lado do
mal, os opositores. Essa visão exclusivista e destrutiva impõe a
extinção de todos os valores contrários, incluindo aqueles construídos a
duro custo ao longo de séculos, dentre eles os valores
judaico-cristãos, a cultura romana e a filosofia grega. Aqui é que
reside o seu grande perigo para a humanidade, pois ou mantemos o
alicerce cultural que nos manteve vivos e íntegros até os dias de hoje
ou aniquilamos Deus e todo o nosso passado com a promessa vaga e utópica
— e nem de longe concretizada nos locais em que foi adotada — de um
mundo melhor após a completa destruição de nossa identidade.
Você
afirmou, no livro, que o termo “desinformação” tem sido muito mal
compreendido nos tempos atuais. O que esse conceito significa?
A
desinformação tem sido divulgada como notícia equivocada ou mera
mentira deliberada exclamada ao público. Virou sinônimo de fake news.
Ela, porém, é muito mais delicada e refinada que isso. Pode ser definida
como uma tática, originariamente de guerra, utilizada por um dos polos
combatentes para fazer com que as decisões estratégicas do inimigo sejam
tomadas com base em informações propositadamente adulteradas ou
falsificadas. São, assim, fabricadas percepções falsas que conduzirão o
inimigo a tomar conclusões baseadas em premissas falsas. Uma verdadeira
arte do engodo, em que o expediente psicológico é utilizado no lugar da
força. Não é possível identificar sua origem precisa, embora existam
resquícios dela no livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu, datado do século 4
a.C., quando se sugere que o inimigo seja atraído com artimanhas.
Como
técnica, porém, com uso sistemático e organizado, seu nascedouro foi na
União Soviética de Stalin, que, chamando-a de Dezinformatsiya, a
utilizou em abundância não só para fins bélicos, mas também no campo
político e cultural. O objetivo da Desinformação é atuar
psicologicamente no adversário para levá-lo à confusão. Meticulosamente
preparada, a estratégia faz com que o enganado tome decisões
prejudiciais aos próprios interesses. O destinatário da técnica pode ser
determinada pessoa (normalmente aquela que ocupa um alto cargo em posto
do inimigo), um grupo ou organização (foi comum, durante os anos de
Guerra Fria, a inserção de dados falsos pelos soviéticos para prejudicar
as agências de inteligência norte-americanas) e, por fim, até mesmo
toda a população de um país (várias organizações não governamentais
foram plantadas em países do Ocidente com o intuito de macular a imagem
do próprio país em que instaladas, tendo por escopo, portanto, alcançar a
população em geral: são exemplos a Federação Mundial de Sindicatos —
WFTU, a Federação Democrática Internacional das Mulheres — WIDF, a União
Internacional dos Estudantes — IUOS, presentes em mais de uma centena
de países).
Por que é importante que os estudiosos de política entendam o conceito de desinformação?
É
fundamental que a desinformação seja conhecida não só pelos estudiosos
de política, mas pela sociedade em geral, justamente para entender que
fontes confiáveis de informação são imprescindíveis para não sermos
vítimas de uma maquinação ideológica cuidadosa e precisa, findando por
sermos manipulados por pessoas sem escrúpulos, demonizando indivíduos
inocentes e santificando genocidas, algo que tem sido tão comum nos dias
de hoje.
O que é o fenômeno da paralaxe cognitiva? De que maneira ele se relaciona com intelectuais e políticos marxistas?
O
termo paralaxe vem do grego parallaxis, significando, etimologicamente,
“alteração”. É utilizado para indicar a diferença de posição de
determinado objeto em razão da sua observação por dois pontos e ângulos
diferentes. O vocábulo era utilizado exclusivamente na física, na
astronomia e em outras ciências naturais, porém Olavo de Carvalho
adaptou o termo para a filosofia como um meio de definir, nas suas
palavras, o “afastamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da
experiência real do indivíduo que criou a teoria”. A esse fenômeno, ele
dá o nome de “paralaxe cognitiva”.
São
expoentes da paralaxe cognitiva aqueles pensadores que sustentavam uma
posição em seu discurso, mas, na própria vida, seguiam rumo
diametralmente contrário.
Karl
Marx dizia que o proletariado era a classe superior: os operários eram
detentores da verdade absoluta e os únicos capazes de promover a
revolução que mudaria a condição de vida do homem. Ele, obviamente, não
era integrante do proletariado, embora se considerasse uma inteligência
superior. Tinha sensível aversão ao trabalho. Embora criticasse
intensamente o modo de vida burguês, ele mesmo buscava uma condição de
vida pródiga, muito além de suas possibilidades financeiras, procurando
adotar o estilo de vida luxuoso que tanto criticava nos capitalistas.
Por épocas, dada a sua prodigalidade e a sua resistência a se sustentar
com seu labor, viveu somente às custas do apoio financeiro de Engels.
Mao
Tse-tung é descrito como o “Grande Timoneiro” da China, um homem
preocupado com os camponeses, que dedicou a vida à causa revolucionária,
dando à China um novo rumo. Pregava uma vida absorta no trabalho manual
com a humildade necessária para assegurar uma plena igualdade entre os
habitantes. Sua vida pessoal, entretanto, era muito, mas muito distante
desse discurso hipócrita. Mao vivia uma vida das mais burguesas, com
direito a várias propriedades e caprichos luxuosos.
Fidel
Castro dizia que “não possuía nenhum patrimônio além de uma modesta
‘cabana de pescador’ em algum ponto da costa”. Ele, porém, tinha uma
ilha exclusiva em um paraíso caribenho e várias residências em Havana.
De
uma forma bem simples, a paralaxe cognitiva poderia, de certo modo, ser
resumida na máxima popular do “faça o que eu digo, mas não faça o que
eu faço”.
Como você define a moral comunista?
O
comunista acredita que a sociedade burguesa consolidou e mantém seu
poder por meio de estruturas capitalistas políticas, econômicas, sociais
e culturais que lhe dão pleno apoio. Nada há, nesse mundo, afora o
próprio ideal marxista, que seja digno de respeito. A moral que é comum
ao homem médio, entendida como o conjunto de valores, princípios e
regras que orientam o comportamento de determinada sociedade,
estabelecendo o que é certo ou errado, adequado ou inapropriado, seria,
para ele, mera construção ideológica estabelecida pela classe
exploradora que se apropriou dos meios de produção e que quer manter o
seu poder sobre os operários. Não importa se o comportamento de um
comunista possa ser rotulado pelas pessoas como antiético: os valores
atualmente vigentes são resultado de fatores impostos pela casta
vencedora da luta de classes. A moral para os marxistas ortodoxos,
assim, conforme expressamente assentado por Leon Trótski em A Nossa
Moral e a Deles, é “produto do desenvolvimento social; que ela nada tem
de imutável; que serve aos interesses da sociedade; que esses interesses
são contraditórios; que, mais do que qualquer outra forma de ideologia,
a moral tem o caráter de classe”.
Por que é relevante entendê-la antes de entrar em um debate com um progressista?
O
marxista autêntico inverte a estrutura da argumentação. Enquanto na
lógica tradicional o silogismo é composto de duas proposições válidas
das quais decorre uma conclusão igualmente coerente, na comunista essa
regra é alterada: independentemente das proposições, a conclusão já está
estabelecida, e ela consiste exatamente na necessidade de sustentação e
implantação da sua verdade. Não importa se as premissas são
verdadeiras, elas podem e devem ser ajustadas e até manipuladas para
garantir o alcance da verdade deturpada preestabelecida. Quando não
consegue implantar essa forma dialética, ele prefere rotular as pessoas
em vez de enfrentar as suas teses e, por isso, ataca o argumentante, não
o argumento. Ele insere o adversário no universo em uma classe qualquer
e, na sequência, regurgita qualificações depreciativas como “golpista”,
“burguês”, “alienado”, “coxinha”, “elitista”, “homofóbico”, “machista”,
“fascista”. Se você não está do lado dele, está contra. Não existe
meio-termo, não há espaço para uma adaptação de doutrinas. O raciocínio
marxista é binário e maniqueísta: somente existem os que estão a seu
favor e os que estão contra.
Não
há culpa alguma nesse proceder, pois a culpa, para ele, não é nada mais
do que um sentimento judaico-cristão transmudado do arrependimento
bíblico, ou seja, é apenas mais uma estrutura criada para consolidar o
ideal burguês de dominação. E se, intimamente, um comunista sentir o
menor traço de pesar, imediatamente deverá reavaliar a própria posição
intimista, considerando que, de algum modo, está se deixando influenciar
por valores impostos pela classe capitalista cristã.
A
ética comunista, enfim, é a seguinte: é moral apenas aquilo que
contribua para a consolidação do regime comunista. Tudo o que não
caminha nessa direção é burguês.
É possível reverter o processo de doutrinação ideológica estabelecido no Brasil? Se sim, como?
Mudanças
sempre são possíveis e necessárias, a civilização ocidental é mantida
até os dias de hoje graças a constantes processos de revisão e
adaptação. As mudanças desejadas são aquelas que traduzem uma melhor
condição da humanidade, porém respeitando-se toda a herança anterior que
a manteve íntegra até os dias atuais. Os valores judaico-cristãos, a
cultura romana e a filosofia grega, incluindo nesse universo as
liberdades individuais e o direito à propriedade, fazem parte de um
núcleo intangível que deve ser cuidadosamente protegido, sob pena de dar
origem ao caos e à destruição. Essa seria a síntese do que é ser uma
pessoa conservadora: aberta a mudanças para melhor, mas jamais
envolvendo a destruição de alicerces.
A
consciência disso permitirá que as pessoas iniciem o processo de
contrarrevolução cultural, por meio da utilização dos valores cristãos
que assentam a sociedade ocidental como defesa aos ataques doutrinários e
ideológicos, identificando-os e repelindo-os no nascedouro. O amor ao
próximo, o amor a Deus, a justiça, a moralidade, a ética, enfim: a busca
dessas virtudes é que pode assegurar uma melhoria no nosso mundo atual.
Embora
muitas pessoas atualmente se confessem comunistas ou socialistas,
apenas a compreensão do que é essa cosmovisão permite uma perfeita
autoidentificação. Afinal, ser revolucionário ou crítico do capitalismo,
por si só, não é elemento suficiente para permitir a inclusão no
restrito círculo marxista.
BLOG ORLANDO TAMBOSI



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