Sob o comando do general Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde transformou-se em cidadela do xamanismo bolsonarista. Editorial do Estadão:
Consta
que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, é especialista em
logística. Que a sorte poupe o Brasil de uma guerra em que esse
intendente seja o responsável por encaminhar à linha de frente os
suprimentos necessários para a batalha. A julgar pelo seu desempenho na
guerra contra o coronavírus, seríamos massacrados antes mesmo de chegar o
primeiro carregamento de cantis.
Quando
o general Pazuello assumiu interinamente o Ministério da Saúde, em 16
de maio passado, o Brasil contabilizava 15.633 mortos pela covid-19;
quando se tornou o titular da pasta, em 16 de setembro, o total já
chegava a 134.106 mortos; agora, o número caminha velozmente para a
marca de 180 mil. Ou seja, sob a gestão do intendente Pazuello, o Brasil
viu o número de mortos mais que decuplicar. Uma marca e tanto, com
poucos paralelos no mundo.
A
progressão geométrica da pandemia no Brasil é resultado direto do modo
irresponsável como o governo de Jair Bolsonaro vem lidando com a crise
desde o início. Já está gravado nos anais da infâmia nacional o dia em
que Bolsonaro qualificou a covid-19 de “gripezinha”, bem como o momento
em que o presidente cobrou de seus governados que deixassem de ser
“maricas” e que enfrentassem a doença “de peito aberto”.
Mas
Bolsonaro não se limitou a ofender os brasileiros. Colaborou
decisivamente para reduzir a capacidade do Estado de responder às
demandas provocadas pela pandemia, a começar pelo fato de que trocou de
ministro da Saúde duas vezes no meio da crise – e tudo porque os
anteriores, ambos médicos, insistiam em se socorrer da ciência para
poupar vidas em vez de fingirem que a pandemia não existia, como queria
Bolsonaro.
O
atual ministro da Saúde, que ficou nada menos que quatro meses como
interino, ganhou a titularidade, a despeito de sua flagrante falta de
qualificação para o cargo, porque deve ter convencido Bolsonaro de que
ali estava um soldado raso disposto a fazer tudo o que o chefe mandasse,
mesmo que mais alguns milhares de “maricas” morressem no caminho, como
de fato aconteceu.
O
despreparo técnico e ético do ministro Pazuello ficou explícito quando
este voltou atrás do anunciado compromisso de adquirir a vacina que está
sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan, em São Paulo, depois que o
presidente Bolsonaro o desautorizou de forma vexatória. Em vez de
entregar o cargo, como faria qualquer um com o mínimo de
responsabilidade, bom senso e amor próprio, Pazuello aceitou a
humilhação: “Um manda, o outro obedece”, explicou o submisso ministro ao
lado do presidente.
Assim,
sob o comando do general Pazuello, o Ministério da Saúde transformou-se
em cidadela do xamanismo bolsonarista, deixando de organizar os
esforços nacionais de combate à pandemia. Não fosse a iniciativa isolada
de governadores e prefeitos, o País estaria completamente ao deus-dará
justamente no momento em que a doença dá sinais de recrudescimento.
Mas
o general Pazuello, não contente em descumprir o papel que cabe ao
ministro da Saúde na prevenção da doença, parece empenhado também em
sabotar os esforços dos que se mobilizam para conseguir imunizar a
população, só porque Bolsonaro os considera seus inimigos. A respeito da
vacina produzida pelo Instituto Butantan, por exemplo, o ministro disse
que a autorização para sua aplicação pode levar até 60 dias, como se
não houvesse nenhuma urgência, e que ela só será comprada e distribuída
pelo governo federal “se houver demanda”.
O
insulto aos brasileiros não parou por aí. O ministro que apresentou um
plano pífio de vacinação informou que “compete ao Ministério da Saúde
realizar o planejamento e a vacinação em todo o Brasil”, e não aos
Estados. Ora, os Estados tomaram a iniciativa de planejar a vacinação
justamente porque o governo federal, inspirado na entropia bolsonarista,
foi até agora incapaz de fazê-lo.
Para
completar, o ministro Pazuello, sem nada a oferecer a não ser a
verborreia típica de seu chefe, apelou: “Erguer a cabeça, dar a volta
por cima é um padrão brasileiro. É diante de uma crise que criamos
soluções para avançar e temos que acreditar que podemos vencer. Vamos
ter fé. Tudo isso vai passar”. Vai, mas, se depender do ministro da
Saúde e do presidente, teremos ainda uma longa e penosa temporada no
purgatório.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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