O propósito dos revolucionários é fazer parecer que quem se posiciona contra a ideologização da língua é contra respeitar as pessoas da forma como elas são. Bruno Garschagen via Oeste, edição desta semana:
Na
terça passada, qual não foi o meu espanto ao abrir o envelope com
máscara antivírus que eu havia comprado pela internet e ler a seguinte
frase no início da carta de agradecimento pela aquisição do produto:
“Muito obrigado por participar do movimento e seja bem-vindx ao (nome do
projeto)”.
Li
e reli a carta, conferi várias vezes o nome do remetente e do
destinatário para ter certeza de que não se tratava de erro, ou de
pegadinha de algum desavisado. O equívoco estava, porém, no uso do X
para “neutralizar” o sexo — ou o gênero, palavra do dialeto singular de
pessoas que deveriam ser objeto de estudo.
O
uso do X no lugar do “a” ou do “o” não é mera maluquice ideológica. É
tentativa de uniformizar o idioma, o pensamento, o comportamento, os
modos de vida, e abrir caminho para ascensão ao poder do grupo político
que está por trás dessa agenda. Sendo assim, é impossível que atinja o
suposto resultado pretendido: a inclusão de um minúsculo grupo da
sociedade que não se reconhece como homem nem como mulher. E ainda mais
grave do que não alcançar o propósito é provocar rejeição em vez de
aceitação, desrespeito em vez de respeito.
A
natureza autoritária desse projeto político fica evidente diante do
objetivo de forçar as pessoas a aceitarem e usarem o dialeto, mas também
na reação violenta contra quem se recusa a aceitá-lo ou a usá-lo. As
mesmas pessoas que cobram respeito e veem fascismo por todos os lados
desrespeitam e agem como fascistas.
Forçar
a mudança do idioma por motivos ideológicos não é novidade na história.
Nem o é a imposição forçada de alterações na linguagem. O acordo
ortográfico está aí para atestar o fenômeno assim como a recusa em
cumpri-lo, como ocorre em Portugal, é sinal de uma sociedade, em parte,
sã.
Toda
vez que leio ou ouço alguém usar “todx”, “bem-vindx” et caterva, sinto
como se eu estivesse num filme do Monty Python ou dos Trapalhões. Mas
logo me dou conta de que, talvez, a imagem mais adequada estaria num
quadro de Salvador Dalí ou em algum personagem de romance de Thomas
Pynchon.
Imaginem
um futuro distópico no qual esse dialeto fosse a língua padrão? Se isso
ocorrer, tenho cá as minhas suspeitas a respeito de sua permanência.
Esse arremedo de idioma nunca se constituiria numa tradição linguística
porque tem DNA revolucionário. Seu objetivo é, no fundo, destruir, não
construir.
Um
idioma mutante jamais se estabeleceria porque a revolução da linguagem
seria permanente, sendo a língua submetida a mudanças sucessivas até não
ser sequer reconhecida pelos revolucionários do futuro. As gerações
vindouras se comunicariam com gestos e grunhidos — como, aliás, já vêm
fazendo muitos dessa geração woke.
Sátira
exemplar de como essa turma pensa e se comporta é mostrada no livro
Woke — A Guide to Social Justice (Constable, 2019), de Titania McGrath,
que se apresenta na conta do Twitter como “poeta intersecional radical”.
Titania não existe: é criação de Andrew Doyle, comediante e colunista
da revista Spiked. Titania não existe como indivíduo de carne e osso,
mas aquilo que ela pensa e representa tem muitos exemplares mundo afora.
Doyle
usa a personagem ficcional para expor com bom humor aquilo que as
Titanias da vida defendem como se fosse algo sério. Num dos capítulos do
livro, intitulado “Rumo a uma utopia socialista intersecional”, há três
poemas engraçadíssimos: um dedicado aos sem-teto (que poderia ser
dedicado a Guilherme Boulos), um a Meghan Markle (a atriz que fez de
Harry um ex-príncipe), outro com o título “I am Womxn” (“Sou mulhxr”). O
livro merecia uma edição brasileira, e dedicada ao colégio Liceu
Franco-Brasileiro, do Rio de Janeiro.
Numa
hipotética “utopia socialista intersecional woke”, os livros seriam
obrigatoriamente modificados para obedecer aos critérios do novo
dialeto, ou da novilíngua, e aqui cito a já desgastada palavra que
define o idioma imposto pelo governo autoritário descrito no excelente
livro 1984, de George Orwell.
E
assim veríamos os títulos de grandes livros grafados sob a nova ordem: X
Odisseix, X Ilíadx, ambos de Homerx; X Repúblicx, de Platãx; X
Políticx, de Aristótelxs; Romex e Julietx, de Shakespearx; Eneidx, de
Virgílix; Divinx Comédix, de Dantx; X Príncipx, de Maquiavxl; e por aí
vai (a lista é longa, a vida é breve). Pensando melhor, esses clássicos e
os demais seriam queimados e proibidos em razão de “machismo, sexismo,
homofobia (menos os gregos)” et caterva.
Resultado
de séculos de desenvolvimento, a língua que nos foi legada pelos
portugueses e aprimorada por influências de povos que ajudaram a
construir o nosso país está sob ataques vários em escolas,
universidades, imprensa, empresas. O péssimo ensino, a recusa em
aprender o idioma, o seu mau uso, além de sua ideologização, tudo isso
vem minando esse nosso patrimônio cultural gigantesco.
Para
entender a dimensão desse legado cultural que herdamos e desenvolvemos,
interrompa agora a leitura deste artigo e leia trechos de Os Lusíadas,
de Camões, de Os Maias, de Eça de Queiroz, de Memórias Póstumas de Brás
Cubas, de Machado de Assis, de Romance da Pedra do Reino, de Ariano
Suassuna. É uma pequena grandiosa amostra do que temos e, em razão dessa
grandiosidade, é tamanha a responsabilidade de aprender, usar,
aperfeiçoar, cuidar e proteger o nosso idioma.
Insisto
num ponto: o propósito dos revolucionários não é apenas promover a
inclusão, algo que pode ser feito de várias outras formas e contar com o
apoio da maioria da sociedade. O que se pretende com isso é politizar o
tema, criar um antagonismo entre os indivíduos e fazer parecer que quem
se posiciona contra a ideologização da língua é contra respeitar as
pessoas da forma como elas são.
“Viver
e deixar viver” é mote conservador, que, no entanto, reagirá toda vez
que houver qualquer tentativa de imposição de uma engenharia política
social disfarçada de mudança virtuosa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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