Com o fim da comédia da reeleição, é hora de exigir produtividade aos deputados. Reportagem de Silvio Navarro para a Oeste:
Se
há um raro consenso entre os analistas do funcionamento do Legislativo
brasileiro é o de que um projeto apresentado na Câmara dos Deputados sai
— e quando sai — pior do que chega. Com raríssimas exceções, o texto
redigido pelos próprios congressistas, pelo Palácio do Planalto, pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Ministério Público ou por qualquer
cidadão é desfigurado para atender a interesses difusos — às vezes, até
pouco republicanos — e encerra seu percurso muito longe da meta
proposta.
A
lista de casos é extensa. Vamos a alguns recentes: 1) a desidratação da
reforma da Previdência, cujo impacto recuou de R$ 1 trilhão para R$ 800
bilhões; 2) o pacote anticrime, que em nada lembra a proposta
embrionária das “10 Medidas contra a Corrupção”; ou 3) a reforma
trabalhista, que acabou rebatizada de minirreforma ante o enxugamento de
artigos. Mais: há outra centena de projetos estagnados, como os que
poderiam, por exemplo, alavancar a extração mineral
ou acelerar a implementação de ferrovias sem que o Estado precisasse
planejar toda a malha do país. E ainda resta saber qual será o resultado
da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, destinada ao
rearranjo das finanças públicas depois dos gastos com a crise do
coronavírus, em que já existem sinais de que o texto será corroído.
No
ano passado, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que, se
dependesse da Câmara, ele seria “uma rainha da Inglaterra” — ou seja,
alguém que reina mas não governa efetivamente. Foi uma reação à
resistência do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do
colega que dirige o Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em permitir o
avanço de temas de interesse do Palácio do Planalto, muitos deles
enviados por meio de medidas provisórias que caducaram por falta de
votação em plenário.
Somente
no primeiro semestre de 2020, 13 MPs perderam a validade após 120 dias
sem análise. Das 140 MPs apresentadas por Bolsonaro — houve um aumento
neste ano por causa de medidas urgentes na pandemia — desde que assumiu o
cargo, só 56 se tornaram leis (taxa de conversão de 47% sem considerar
medidas em tramitação). Trata-se do pior retrospecto se comparado ao dos
antecessores, segundo levantamento da Câmara — a marca negativa
anterior era do período Dilma-Temer, com 63%.
Não
bastasse a ineficácia no exercício do mandato para o qual foram
eleitos, muitos parlamentares ainda dividem o tempo com a tarefa de
tentar se desvencilhar de processos e acusações que vão desde calúnia e
difamação até corrupção e tortura. Após o fechamento das urnas em 2018,
uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que 160 eleitos
enfrentavam investigações. No ano seguinte, outro levantamento, do
portal G1, listou 50 deputados réus por crimes variados.
Eleição
No
próximo dia 1º de fevereiro, os 513 deputados vão eleger o sucessor de
Rodrigo Maia para o cargo de presidente da Casa, o terceiro mais
importante na hierarquia da República. Como sempre ocorre às vésperas do
pleito, uma dezena de nomes apareceu na disputa — na maioria, os
famosos “balões de ensaio”, criados especialmente pela própria imprensa e
que não vão durar até o Natal. A tendência é que, até o final de
janeiro, a lista de postulantes seja reduzida a três ou quatro: o
candidato apoiado pelo Palácio do Planalto; alguém lançado pelos
partidos alinhados à esquerda (que, juntos, somam cerca de 130 membros)
somente para marcar posição; um possível nome autodeclarado
“independente”; e o escolhido de Rodrigo Maia, este impedido de tentar
se perpetuar na cadeira porque uma maioria apertada dos ministros do
Supremo fez valer o que está escrito na Constituição.
A pedido de Oeste, o site Ranking dos Políticos examinou a trajetória de oito deputados que, hoje, têm mais chance de estar no páreo.
Dos
nomes citados, o favorito do governo Bolsonaro é o alagoano Arthur Lira
(PP). Líder do chamado Centrão, nomenclatura que o Brasil descobriu na
surpreendente eleição de Severino Cavalcanti em 2005, ele aposta numa
base de 170 votos na largada nas bancadas de PP, PSD, PTB, PL, Pros,
Solidariedade, PSC, PSB, Avante e Patriota.
Já
Rodrigo Maia pretende escolher um aliado que tenha força entre os
representantes do DEM, MDB, PSDB, Cidadania, PSL e PV. No PSB, 18 dos 30
integrantes devem ficar com Lira. O fato é que essa matemática de votos
é imprecisa, o brasileiro não entende bem como isso funciona e a
transferência de apoio partidário se pulveriza no segredo da urna. Ou
seja, na hora H, a traição corre solta e prevalecem muitos acordos que
nunca se tornarão públicos, como a promessa de um cargo em determinada
comissão ou o engavetamento de uma denúncia, o apoio para a próxima
campanha eleitoral e até um gabinete com banheiro exclusivo.
Quem
vencer a disputa em fevereiro terá, sobretudo, a missão de conduzir uma
agenda de recuperação econômica pós-pandemia e das reformas represadas,
como a administrativa e a tributária. Mais ainda, ganhará a
oportunidade de encampar projetos de lei que ajudem a reduzir a
insegurança jurídica do país, modernizem e simplifiquem as relações de
trabalho, destravem gargalos de infraestrutura, além das amarras
burocráticas da cartilha ambientalista.
Em
1991, na na abertura da 49ª legislatura do Congresso, num mesmo 1º de
fevereiro, Ulysses Guimarães disse em discurso: “A história nos desafia
para grandes serviços; nos consagrará se os fizermos, nos repudiará se
desertarmos”. Até agora ninguém se consagrou.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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