Num
artigo bem pé-no-chão publicado em O Estado de S. Paulo de
segunda-feira, 7 (“As três internets”), Moises Naim resumiu bem o ponto a
que as coisas chegaram. A internet nem mais é global nem é aberta.
Também já não é descentralizada nem é gratuita. Mais de 40% da população
mundial vive em países onde o acesso, mesmo a uma internet fortemente
censurada, é radicalmente controlado pelo ditador de plantão e dado em
troca do controle de cada pensamento e cada passo do usuário. E onde ela
continua “aberta”, pagamos pelo que vemos entregando a comerciantes
todos os passos e segredos de nossas vidas, comerciantes estes que, com
violência cada vez mais explícita, trabalham para transformar a posse
dessas informações, bem como o acesso ao mercado “global” informatizado
que as usará para nos oferecer bens e serviços com “target”, em
monopólios cada vez mais estritos.
Em
outras palavras, o sonho acabou (mais um!), até para os ingênuos que em
algum momento acreditaram que ele tivesse começado um dia…
Naim
falava então no surgimento de três internets. A chinesa, fechada,
censurada, protecionista e com “ciberfronteiras” muito claramente
delimitadas onde só entram “aliados” como a Coreia do Norte, cujo
protagonista central é a ditadura do partido único e seu sistema de
controle dos cidadãos, e que se impõe na competição planetária por deter
um bilhão de usuários. A americana, anárquica, inovadora, comercial e
com altas tendências monopolistas, cujos protagonistas centrais são as
grandes empresas de tecnologia e que se impõe pelo seu acesso a enormes
volumes de capital, talento tecnológico e capacidade de inovar. A
européia, a mais regulada e “preocupada em defender os usuários”, o que
trata de fazer com um enfoque jurídico, definindo parâmetros, exportando
regras e impondo multas bilionárias.
Postas
em termos mais rudes, reproduções matemáticas da realidade que são, as
três internets descritas por Naim resumem o que são as culturas que
traduzem. A do “despotismo oriental” da chinesa, que decorre
naturalmente do “modo de produção asiático” de servidão coletiva; a do
“todo poder ao povo” sem nenhum controle da americana; a do “todo poder
para o Estado” da européia. A grande “vantagem competitiva” da chinesa é
que não tem nenhum compromisso com a lei. A da americana, se a história
se repetir, é a da ausência de compromisso com o erro que só se torna
possível em sistema mais centralizados e só faz sentido como recurso de
defesa de privilégios. A da européia, a suscetibilidade à perpetuação
daquela forma de “erro” que, na verdade, traduz “acertos” da
privilegiatura que só são possíveis quando a iniciativa das ações de
defesa está nas mãos do Estado – e portanto pode ser comprada – e não
difundidas nas mãos do povo.
A
tendência para o monopólio da competição sem limite traz como
sub-produto a facilitação do controle da circulação de ideias e a
instrumentalização política pela supressão da diversidade de
plataformas. Não é atoa que a grande aliada das big techs (e vice-versa)
é, hoje, a esquerda americana. A revolução antitruste que reorientou a
democracia deles a partir da virada do século 19 para o 20 encontrou a
melhor solução para esse problema ao tomar o cuidado de armar a ganância
para se contrapor à ganância, obrigando empresários que conquistassem
mais que uma determinada faixa de mercado (tipicamente 30%) a vender
parte do seu negócio a outros empresários, forçando a concorrência em
benefício do consumidor (e a diversidade sem a qual a democracia não
sobrevive), em vez de tratar de limitar a força do poder econômico
aumentando a força do poder do Estado (que sempre pode ser facilmente
comprada pelo poder econômico).
Existem,
no entanto, fortes limitações técnicas para transpor a solução do
século 20 para a realidade do século 21. Dificuldades estas que foram
muito competentemente delineadas no artigo “Esforço comum para domar big
techs” que Rana Faroohar escreveu para o Financial Times, o Valor de
terça-feira, 8, traduziu e você pode conferir ampliando a imagem abaixo.
Nele Faroohar aponta outra distinção mais importante das internets – a
das pessoas e a das coisas; a do consumidor e a industrial e põe ainda
no horizonte o desafio da inteligência artificial – que terão de ser
tratadas no enorme trabalho de regulamentação que a humanidade tem pela
frente se quiser evitar de ser devorada pelo “Grande Irmão”.
Como
não poderia deixar de ser nessa realidade em que cada internet traduz a
cultura de que é fruto, neste Brasil Oficial campeão mundial do xadrez
da mentira a regulamentação que “O Sistema” auto-referente e preocupado
exclusivamente com a sua própria perpetuação ensaia é a mentira da
mentira da mentira: o controle das chamadas “fake news” como pretexto
para a censura de qualquer manifestação política que fira os interesses
da privilegiatura ou possa afetar as eleições, hoje cercadas por uma
minuciosa barreira de censura à imprensa que varia conforme as
limitações de penetração de cada meio num eleitorado funcionalmente
analfabeto majoritário, mas que é inflexível na qualificação de
“antidemocrática” de toda ação adversa à privilegiatura punível até com
prisão no esdrúxulo “estado de direitos especiais” que a Constituição de
88 criou e “petreamente” mantém, sob o aplauso da old mídia.
Para
esse departamento, o resto do mundo já entendeu que o único remédio que
não deságua na censura que mata a democracia é o de sempre: deixar que
os cidadãos “elejam” diariamente, pagando pelo serviço, as fontes de
informação que se propuserem trabalha-la segundo regras de todos
conhecidas, e ignorar o resto como boataria da praça pública a que todo
mundo desde sempre também tem direito.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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