Sandra O'Connor foi indicada pela então presidente Ronald Reagan, do Partido Republicano. Tiago Cordeiro para a Gazeta do Povo:
“Num
lugar em que o silêncio abrange tudo, qualquer som é algo a ser notado e
lembrado. Quando o vento não está soprando, tudo é tão quieto que você
pode ouvir um besouro correndo pelo chão ou uma mosca pousando num
arbusto”.
Assim
tem início o livro de memórias de infância da Sandra O’Connor, escrito
com o irmão. “À noite, os sons são amplificados. Coiotes lamentam nas
encostas, chamando uns aos outros, ou à lua - um som que provoca
arrepios na espinha. Nós nos aconchegamos mais fundo em nossas camas”.
Nascida
em 1930, em El Paso, Texas, e criada em uma fazenda de 800 quilômetros
quadrados perto de Duncan, no Arizona, a 15 quilômetros da estrada
asfaltada mais próxima, O’Connor aprendeu a dirigir assim que alcançou
os pedais.
Desde
muito nova, aprendeu a atirar, precisamente para afastar os temidos
coiotes. Chico, seu cavalo preferido, foi protagonista de um livro
infantil que ela publicou em 2005, inspirado em um incidente real de sua
infância em que ela se viu cercada por uma cobra.
Aprendeu
com a família a economizar recursos, especialmente água – que, segundo
seu relato, era “um bem escasso e difícil de encontrar. Toda gota
contava. Construídos cisternas, bombeamos do subsolo, medimos e usamos
com parcimônia. A vida dependia disso”.
Para
estudar, precisou morar com a avó materna em El Paso. Aos 16 anos,
começou a cursar a faculdade de economia na Universidade Stanford –
formou-se em 1950, e continuou na instituição por mais dois anos a fim
de acrescentar ao currículo o diploma em Direito. Seguiu carreira no
Direito, sempre alinhada com os princípios do Partido Republicano.
Em
1981, por indicação do presidente Ronald Reagan, Sandra O'Connor se
tornou a primeira mulher a ocupar um posto de juíza associada da Suprema
Corte dos Estados Unidos. Aposentou-se em 2006. Em setembro de 2020, ao
ser indicada por Donald Trump para o mesmo posto, a juíza Amy Barret
declarou que Connor é uma inspiração.
“Minha
experiência profissional tem sido muito diferente da dela”, disse.
“Lembre-se, ela só poderia ser contratada como secretária, mesmo depois
de se formar como a primeira da classe”, afirmou. “As pessoas nem se
importam quando são três mulheres que estavam no painel do 7.º Circuito,
e isso é por causa de mulheres como Justice O'Connor”.
Desde
a nomeação de O’Connor, outras três juízas assumiram um posto na
Suprema Corte, Ruth Bader Ginsburg, Sonia Sotomayor e Elena Kagan – caso
seu nome seja confirmado, Amy Barret se tornaria a quinta.
Justice
O'Connor, como ficou conhecida Sandra ao longo de sua longa carreira,
é, de fato, uma das personalidades mais influentes do Judiciário dos
Estados Unidos nas últimas décadas.
Justiça, finalmente
Entre
1952 e 1953, O’Connor foi subprocuradora no condado de San Mateo, na
Califórnia. Aceitou o emprego, sem salário e dividindo uma sala com a
secretária, porque não conseguia postos melhores sendo advogada mulher.
Entre
1954 e 1957, passou uma temporada ao lado do marido, o também advogado
John Jay O’Connor, atuando como advogada civil em Frankfurt, na
Alemanha, para na sequência retornar para os Estados Unidos. Entre 1958 e
1962, o casal teve três filhos, Scott, Brian e Jay. Entre 1960 e 1965,
Sandra se dedicou aos filhos.
Ao
retomar a carreira, tornou-se subprocuradora geral do Arizona. Em 1969,
foi nomeada senadora do estado, um posto que ocupou por seis anos. Na
época, tornou-se a primeira mulher a assumir a liderança da maioria, de
qualquer corpo legislativo, de qualquer estado americano.
Sua
atuação política datava do início dos anos 1960, quando ela começou a
atuar como voluntária em comitês do Partido Republicano.
Foi
também juíza do Tribunal de Apelações do Arizona, até que recebeu a
nomeação do presidente Reagan para a vaga aberta pela aposentadoria do
juiz Potter Stewart – na época, em julho de 1981, a revista Time
estampou uma capa com os dizeres: “Justice at last” (ou “Justiça,
finalmente”).
Durante os 25 anos em que esteve no cargo, O’Connor seguiu, em geral, a tendência de acompanhar os juízes de linha conservadora.
Votou
a favor, por exemplo, do uso de vouchers em escolas que seguem
orientação religiosa, e também a favor do estabelecimento de uma
sentença de 50 anos, sem direito a liberdade condicional, para
criminosos que cometessem três crimes – a decisão apoiou a chamada “lei
dos três erros”, que autoriza os estados a instaurar pena perpétua para
reincidentes.
A
juíza também votou pelo encerramento da disputa judicial entre os
candidatos a presidência George W. Bush e Al Gore, no ano 2000.
Com
relação ao aborto, a juíza não se posicionou contra a jurisprudência
estabelecida em 1973, e que permite que os estados autorizem a prática –
havia a expectativa de que um integrante da Suprema Corte indicado pelo
governo Reagan atuaria na direção de reverter esse quadro.
A juíza aposentada completou 90 anos em 2020. Problemas de coluna a colocaram em uma cadeira de rodas em 2017.
Em
carta aberta divulgada em 2018, Sandra relata que apresenta sintomas de
mal de Alzheimer, doença que também afetou sua mãe e seu esposo – um
dos principais motivos para ela solicitar aposentadoria da Suprema
Corte, em 2006, foi para conseguir cuidar de John Jay, que faleceu em
2009.
“Oito
anos atrás, fundei a iniciativa iCivics com o objetivo de ensinar os
princípios mais importantes de cidadania para estudantes de ensino médio
e superior, com jogos interativos online e um currículo relevante e
efetivo", escreveu ela em sua carta, que tem tom de despedida.
“Não
posso mais liderar essa causa. Tenho a esperança de que nossa nação vai
se comprometer com a educação a respeito da cidadania, de forma que
nossos jovens entendam seu papel crucial como cidadãos informados e
ativos”.
A
juíza termina o texto com as frases: “Meu muito obrigado à nossa nação,
à minha família, a meus antigos colegas, e a todas as pessoas
maravilhosas com quem tive a oportunidade de interagir ao longo dos
anos. Deus abençoe a todos”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário